terça-feira, 4 de março de 2025

Em um livro,

o magistério do Papa sobre a arte poética

A editora italiana Ares publicou uma coletânea de textos do Papa Francisco sobre a importância da poesia e da literatura na formação e na educação, bem como no diálogo entre a Igreja e a cultura contemporânea. Em um bilhete autógrafo ao curador, padre Antonio Spadaro, Francisco expressa o desejo de que a poesia suba à cátedra nas Universidades Pontifícias.

O bilhete autografado do Papa para o curador do livro, padre Antonio Spadaro. 

"O romance, a literatura, lê o coração do homem, ajuda a acolher o desejo, o esplendor e a miséria. Não é teoria. Ajuda a pregar, a conhecer o coração." Foi assim que o Papa Francisco se expressou em 2016, em uma entrevista ao padre Antonio Spadaro, então diretor da revista La Civiltà Cattolica. Hoje, quase ao final do décimo segundo ano de seu Pontificado, o teólogo e crítico literário jesuíta, atualmente subsecretário do Dicastério para a Cultura e a Educação, retoma o fio daquela conversa com o Papa e organiza a publicação de Viva la poesia! (Milão, Editora Ares, março de 2025, 224 páginas), a primeira antologia dos textos em que o Pontífice argentino expressa seu singular magistério sobre poesia e literatura.

Trata-se de uma coletânea de trechos de encíclicas, exortações apostólicas, discursos e mensagens, bem como prefácios, entrevistas e cartas pessoais em que o Papa se refere à importância da escrita poética. Entre esses textos, destacam-se pela profundidade e clareza a recente Carta do Santo Padre Francisco sobre o papel da literatura na educação, de 17 de julho de 2024, e sua Carta aos poetas, publicada no volume Versos a Deus. Antologia da poesia religiosa, de 2024, pela editora Crocetti.

A poesia como parte integrante do magistério

A introdução aos textos papais traz um ensaio crítico no qual o próprio Spadaro busca fornecer as chaves para compreender a inteligência literária do Pontífice, delineando o vasto panorama dos autores que marcaram sua formação – dos argentinos Borges e Marechal a Dostoiévski, Manzoni e Dante. “Em seu magistério pontifício – escreve Spadaro – Francisco inclui o logos poético e simbólico como parte integrante de seu discurso”, ou seja, cita frequentemente poetas e escritores, “e isso é um dado extremamente relevante”. Apenas para ilustrar, na Exortação Apostólica Querida Amazônia, o Papa cita nada menos que 17 escritores e poetas.

No final do livro, uma entrevista com o jornalista argentino Jorge Milia, ex-aluno do professor Bergoglio quando este lecionava no Liceu de Santa Fé, na Argentina, na metade dos anos 1960, revela alguns aspectos da paixão do então jovem jesuíta pela literatura e pela arte. Seu método de ensino criativo chegava ao ponto de incentivar os alunos a escreverem contos – que depois foram publicados com um prefácio de Jorge Luis Borges – e até a estimular a criação, no ambiente escolar, de uma banda de rock juvenil inspirada na música dos Beatles.

"Que a poesia suba à cátedra"

O livro se abre com um bilhete autógrafo do Papa Francisco. Um pequeno texto no qual, além de exclamar Viva a poesia! e agradecer ao curador da obra, o Pontífice afirma que devemos “recuperar o gosto pela literatura em nossa vida, mas também na formação, caso contrário, seremos como um fruto seco”. “A poesia – acrescenta Francisco – nos ajuda a sermos humanos, e hoje precisamos muito disso”. Vale destacar que, nesse bilhete, o Papa expressa seu desejo de que a poesia suba “à cátedra” nas instituições acadêmicas pontifícias.

Uma fé que não sabe mais imaginar

“O Papa Francisco usa frequentemente a palavra ‘poetas’: para ele, a literatura, a música e a arte são capazes de expressar e nutrir o imaginário”, afirmou Spadaro em 2022, em um podcast para a Rádio Vaticano – Vatican News. “Um dos grandes problemas da fé, segundo ele, é o fato de que não conseguimos imaginar as verdades em que acreditamos: faltam-nos imagens poderosas. A poesia, portanto, para o Papa, é a sintaxe da ação, que exige genialidade e criatividade.”

"Precisamos de uma linguagem nova e potente"

As reflexões de Francisco, selecionadas por Spadaro neste volume, além de ressaltarem o papel fundamental da poesia e da literatura na formação humana e espiritual – para “compreender melhor a si mesmo e aos outros” – exploram também a importância da criatividade e da imaginação na vida e na fé, incentivando o uso de uma “linguagem nova e poderosa” para comunicar a mensagem evangélica.

“O pensamento da Igreja precisa recuperar a genialidade e entender cada vez melhor como o homem se compreende hoje, para desenvolver e aprofundar seu ensinamento”, afirmou o Papa em uma entrevista publicada na La Civiltà Cattolica, em 2013. “A poesia é cheia de metáforas”, dirá ele, mais tarde, à comunidade da mesma revista, em 2017. “Compreender as metáforas ajuda a tornar o pensamento ágil, intuitivo, flexível e perspicaz.”

“A Igreja deve ter cuidado para não cair na armadilha da linguagem banal, das frases repetidas de maneira mecânica e cansada”, escreveu o Papa em 2023, no prefácio do livro Uma trama divina. Jesus em contra-campo, de Spadaro. “O Evangelho – acrescenta – deve ser fonte de genialidade, de surpresa, capaz de nos provocar profundamente.”

“Faço um apelo: neste tempo de crise da ordem mundial, de guerra e grandes polarizações, de paradigmas rígidos, de desafios climáticos e econômicos graves, precisamos da genialidade de uma linguagem nova, de histórias e imagens poderosas, de escritores, poetas e artistas capazes de gritar ao mundo a mensagem evangélica, de nos fazer ver Jesus”, escreveu ainda o Papa.

“O papel dos que acreditam em Deus, e dos sacerdotes em particular, é justamente ‘tocar’ o coração do ser humano contemporâneo, para que ele se comova e se abra ao anúncio do Senhor Jesus” – acrescentou na sua Carta sobre o papel da literatura na educação – “e, nesse compromisso, a contribuição da literatura e da poesia é de valor inigualável.” No mesmo texto, Francisco destaca: “A literatura ajuda o leitor a romper com os ídolos das linguagens autorreferenciais, falsamente autossuficientes, estaticamente convencionais, que às vezes correm o risco de contaminar até mesmo o nosso discurso eclesial, aprisionando a liberdade da Palavra.”

Poetas capazes de nos levar a Jesus

Fica claro, portanto, que, além de sua importância na educação e na formação de sacerdotes e agentes pastorais, a poesia e a literatura são, no magistério do Papa Francisco, instrumentos essenciais para promover o diálogo entre a fé cristã e a cultura contemporânea, possibilitando uma melhor compreensão e comunicação da mensagem cristã.

“Eu também sinto, confesso a vocês – reafirma Francisco em sua Carta aos poetas – a necessidade de poetas capazes de gritar ao mundo a mensagem evangélica, de nos fazer ver Jesus, de nos fazer tocá-lo.”

A poética de Francisco

Em sua introdução, Spadaro aprofunda e interpreta algumas diretrizes do pensamento poético de Francisco, relacionando-as com seus autores preferidos. “A vida é – explica – a comparação das palavras, e, portanto, a palavra poética que Bergoglio ama é aquela que mantém uma relação íntima com a vida e que fornece imagens, metáforas e termos para expressá-la”. Sua “paixão pela tragédia” – e, consequentemente, pelos romances de Dostoiévski – nasce de sua atenção às “oposições polares”, como as chama Romano Guardini. O amor por uma poesia capaz de captar a “complexidade poliédrica” da existência deriva de sua predileção por um “pensamento incompleto, no qual dois mais dois nem sempre resulta em quatro” – o oposto do pensamento único e globalizado. Sua paixão pela literatura clássica, entendida como “popular”, foi cultivada através da leitura de autores argentinos como Hernández, Güiraldes e Marechal. Já sua admiração por obras que expressam a misericórdia e a poética da “classe média” se encarna nos escritos de Malègue e Manzoni. E ainda, sua afinidade com a figura do chamado homo viator, em missão, pode ser encontrada na Eneida de Virgílio, bem como em Pemán e Tolkien.

Perdemos as palavras

“Nossa humanidade – e, ainda mais, a capacidade para o ministério pastoral – não se forma sem um contato direto com as histórias narradas”, conclui acertadamente Spadaro ao comentar a “Carta aos Poetas” de Francisco. “Desenvolvemos uma formação excessivamente conceitual para que ela possa sustentar o confronto com a experiência: perdemos as palavras e repetimos as fórmulas.”

Fabio Colagrande – Cidade do Vaticano

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