sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Advento: as duas primeiras pregações do cardeal Cantalamessa:

 Joāo Batista, o moralista e o profeta

Na primeira das pregações para a Cúria Romana, por ocasião do Advento, o cardeal Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia falou sobre Joāo Batista “aquele que anuncia de longe a vinda do Salvador”.

Seguindo a tradição, dos períodos da Quaresma e do Advento, a Cúria Romana, juntamente com o Papa Francisco, participa das pregações feitas pelo pregador oficial da Casa Pontifícia, o cardeal Raniero Cantalamessa. Nesta sexta-feira, 15 de dezembro, na Aula Paulo VI, houve a primeira pregação.

Ao iniciar o cardeal afirmou que as três figuras de destaque na liturgia do tempo do Advento são: Isaías, Joāo Batista e Maria e, que “este ano, tendo apenas duas meditações à disposição” resolveu dedicá-las aos dois: “ao Precursor e à Mãe.”

João Batista, pregador de conversão

Cantalamessa afirmou que “nos Evangelhos, o Precursor nos aparece em dois papéis diversos: o de pregador de conversão e o de profeta” e que dedicaria a “primeira parte da reflexão a João moralista, a segunda, a João profeta”. Segundo o cardeal “à base da pregação do Batista está a afirmação: “Convertei-vos e o reino de Deus virá a vós!”; à base da pregação de Jesus está afirmação: “Convertei-vos, pois o reino de Deus veio a vós!” Ainda segundo ele, “não é uma diferença apenas cronológica, como entre um antes e um depois; trata-se de uma diferença também axiológica, isto é, de valor. Quer dizer que não é a observância dos mandamentos que permite ao reino de Deus vir; mas é a vinda do reino de Deus que permite a observância dos mandamentos. Os homens não mudaram improvisadamente e se tornaram melhores, de modo que o Reino pôde vir sobre a terra. Não, eles são os de sempre, mas foi Deus quem, na plenitude dos tempos, enviou o seu Filho, dando-lhes assim a possibilidade de mudar e viver uma vida nova.”

Segundo o cardeal “Jesus não espera que os pecadores mudem de vida para poder acolhê-los; mas os acolhe, e isso leva os pecadores a mudar de vida. Todos os quatro Evangelhos – Sinóticos e João – são unânimes nisso. Jesus não espera que a Samaritana ponha em ordem a sua vida privada, antes de entreter-se com ela e até mesmo lhe pedir para lhe dar de beber. Mas assim fazendo, mudou o coração daquela mulher, que se torna uma evangelizadora em meio ao seu povo. O mesmo acontece com Zaqueu, com o publicano Mateus, com a pecadora anônima que lhe beija os pés na casa de Simão e com a adúltera.”

Papa Francisco e membros da Cúria Romana durante a pregação

João Batista, “profeta e mais que profeta”

Ao iniciar o segundo tema da pregação, sobre João Batista como profeta, o pregador fez a seguinte pergunta: “em que sentido (...) João Batista é um profeta? Onde está a profecia no seu caso? Os profetas anunciavam uma salvação futura. Mas João Batista não anuncia uma salvação futura; ele aponta para alguém que está presente. Em que sentido, então, pode ser chamado de profeta?”

De acordo com Cantalamessa “todos os quatro Evangelhos põem em evidência a dúplice veste de João Batista, a de moralista e a de profeta. Mas, enquanto os Sinóticos insistem mais sobre a primeira, o Quarto Evangelho insiste mais sobre a segunda. João Batista é o homem do “Ei-lo!”. “Foi dele que eu disse... Eis o Cordeiro de Deus!” (Jo 1,15.29). Que arrepio deve ter corrido pelo corpo daqueles que, com estas palavras ou outras semelhantes, receberam por primeiro a revelação. Era como uma passagem de insígnias: passado e futuro, espera e cumprimento se tocavam.”

Segundo o pregador “a tarefa profética da Igreja será a mesma de João Batista, até o fim do mundo: sacudir cada geração da sua terrível distração e cegueira que impede reconhecer e ver a luz do mundo. É esta a tarefa perene da evangelização. No tempo de João, o escândalo derivava do corpo físico de Jesus; da sua carne tão semelhante à nossa, exceto o pecado. Também hoje é o seu corpo, a sua carne a escandalizar: o seu corpo místico, a Igreja, tão semelhante ao resto da humanidade, não excluído nem mesmo o pecado. Como João Batista fez reconhecer Cristo sob a humildade da carne aos seus contemporâneos, assim é necessário hoje fazê-lo reconhecer na pobreza e na miséria da Igreja e da nossa própria vida.”

Uma evangelização nova no fervor

O cardeal afirmou que “São João Paulo II caracterizou a nova evangelização como uma evangelização “nova no fervor, nova nos métodos e nova nas expressões”. João Batista é mestre para nós sobretudo na primeira destas três coisas, o fervor. Ele não é um grande teólogo; tem uma cristologia bastante rudimentar. Ainda não conhece os mais altos títulos de Jesus: Filho de Deus, Verbo, e nem mesmo o de Filho do homem.” Ainda segundo Cantalamessa “a nova evangelização pode e deve ser, sim, nova “no fervor, no método e na expressão”, mas não nos conteúdos, que permanecem os de sempre e que derivam da revelação. Em outras palavras: que pode e deve haver uma nova evangelização, mas não um novo Evangelho.”

Segundo o cardeal “a pregação de João Batista nos oferece a ocasião para uma observação atual e importante justamente a propósito deste “crescimento” da palavra de Deus que o Espírito Santo opera na história. A tradição litúrgica e teológica pegou dele sobretudo o grito: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”. Na realidade, porém, esta é apenas metade da profecia do Batista sobre Cristo. Ele logo acrescenta, quase de um só fôlego, e em todos os quatro Evangelhos: “Ele vos batizará com o Espírito Santo!” (cf. Jo 1,33), e ainda: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11). A salvação cristã não é, portanto, algo apenas de negativo, um “tirar o pecado”. É sobretudo algo de positivo: é um “dar”, um infundir: vida nova, vida do Espírito. É um renascimento.”

O cardeal concluiu sua pregação afirmando que “os santos amam continuar, do céu, a missão que desempenharam quando vivos sobre a terra. Santa Teresa do Menino Jesus pôs isso como uma espécie de condição a Deus para ir ao céu. São João Batista ama, também ele, ser ainda o precursor de Cristo, ama preparar-lhe os caminhos. Emprestemos-lhe a nossa voz!”

Padre Pedro André, SDB – Vatican News

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Cantalamessa:

pela fé, Maria esperou contra toda esperança

A anunciação do anjo a Maria, a peregrinação de fé da Mãe de Deus e o convite a abrir as portas do coração a Jesus, foram os temas centrais da segunda pregação do Advento para o Papa e os membros da Cúria Romana na manhã desta sexta-feira, 22 de dezembro, conduzida pelo cardeal Raniero Cantalamessa, Ofm. Cap., Pregador da Casa Pontifícia.

"Bem-aventurada aquela que acreditou", esta passagem bíblica, do Evangelho segundo Lucas (1, 45), que será proclamada no Quarto Domingo do Advento, foi o fio condutor da Segunda Pregação para o Papa e os membros da Cúria Romana, conduzida pelo cardeal Raniero Cantalamessa, Ofm. Cap., Pregador da Casa Pontifícia, na manhã desta sexta-feira, 22 de dezembro, na Sala Paulo VI do Vaticano.

Depois de ter apresentado, na sexta-feira passada, a figura do precursor João Batista, hoje o cardeal capuchinho convidou-nos a deixar-nos conduzir pela mão da Mãe de Jesus para "entrar" no mistério do Natal. Nesse sentido, a história da Anunciação, destacou o Pregador, nos lembra como Maria concebeu e deu à luz a Cristo e como nós também podemos concebê-lo e dar à luz a Ele: pela fé!

O progresso da fé de Maria

Antes de explicar o mistério da fé de Maria, o cardeal Cantalamessa disse que aconteceu com ela a mesma coisa que com a pessoa de Jesus, ou seja, a questão do progresso de Jesus em conhecer a vontade do Pai e obedecê-la:

Algo de semelhante, eu dizia, se repetiu, tacitamente, para a fé de Maria. Dava-se por pressuposto que ela tivesse cumprido o seu ato de fé no momento da Anunciação e nele tivesse permanecido estável por toda a vida, como quem com a sua voz, alcançou de uma vez a nota mais aguda e a mantém interruptamente por todo o resto do canto. Dava-se uma explicação reconfortante de todas as palavras que pareciam dizer o contrário.

Uma nova dimensão da fé de Maria

Neste sentido, o Pregador disse que o dom que o Espírito Santo deu à Igreja, com a renovação da Mariologia, foi a descoberta de uma dimensão nova da fé de Maria. A Mãe de Deus – afirmou o Concílio Vaticano II – “avançou pelo caminho da fé” (LG 58). Não acreditou de uma vez por todas, mas caminhou na fé e progrediu nela. A afirmação foi retomada e tornada mais explícita por São João Paulo II na Encíclica Redemptoris Mater:

As palavras de Isabel: “Bem-aventurada aquela que acreditou” não se aplicam apenas àquele momento particular da Anunciação. Esta representa, sem dúvida, o momento culminante da fé de Maria na expectação de Cristo, mas é também o ponto de partida, no qual se inicia todo o seu caminho para Deus, toda a sua caminhada de fé (RM 14).

Maria acreditou, esperando contra a esperança

Depois da Anunciação e do Natal, o cardeal Cantalamessa destacou que, pela fé, Maria apresentou o Menino ao templo, pela fé ela o seguiu, mantendo um perfil discreto, em sua vida pública, pela fé ela ficou sob a cruz, pela fé ela esperou por sua ressurreição.

Está lá, impotente diante do martírio do filho, mas consente ao amor. É uma réplica do drama de Abraão, mas quão imensamente mais exigente! Com Abraão, Deus se detém no último momento, com ela não. Aceita que o filho seja imolado, o entrega ao Pai, com o coração dilacerado, mas de pé, forte pela sua fé inabalável. É aqui que a voz de Maria alcança a nota mais alta. De Maria, deve-se dizer com maior razão o que o Apóstolo diz de Abraão: esperando contra toda esperança, Maria acreditou e, assim, tornou-se mãe de muitos povos (Rm 4,18).

Greccio 1223

O Natal deste ano, disse o cardeal Cantalamessa, recorre o VIII centenário da primeira realização do presépio em Greccio. É o primeiro dos três centenários franciscanos, o qual seguirão, em 2024, o dos Estigmas do santo e, em 2026, o da sua morte. O seu primeiro biógrafo, Tomás de Celano, refere as palavras com que São Francisco de Assis explica a sua iniciativa: 

“Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e contemplar com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro”.

Abramos a porta de nosso coração para Jesus

Infelizmente, continua o pregador da Casa Pontifícia, com o passar do tempo, o presépio se afastou daquilo que representava para Francisco. Tornou-se, frequentemente, uma forma de arte ou de espetáculo do qual se admira a montagem externa, mais do que o significado místico. Ainda assim, contudo, ele desempenha a sua função de sinal e seria tolo renunciar a ele.

O presépio é, portanto, uma tradição útil e bela, mas não podemos nos contentar com os tradicionais presépios externos. Devemos montar para Jesus um presépio diverso, um presépio do coração. Corde creditur: crê-se com o coração. Christum habitare per fidem in cordibus vestris: que Cristo venha habitar em vossos corações pela fé (Ef 3,17). Maria e o seu Esposo continuam, misticamente, a bater às portas, como fizeram naquela noite em Belém.

Não se trata de uma bela e poética ficção

Por fim, disse o cardeal Cantalamessa, em nosso coração, de fato, há lugar para muitos hóspedes, mas apenas para um dono. Deixar Jesus nascer significa deixar morrer o próprio “eu”, ou ao menos renovar a decisão de não mais viver para nós mesmos, mas por Aquele que nasceu, morreu e ressuscitou por nós (cf. Rm 14,7-9).

“Onde nasce Deus, morre o homem”, afirmou um certo existencialismo ateísta. É verdade! Morre, porém, o homem velho, corrompido e destinado, em todo caso, a terminar com a morte, e nasce o homem novo, “criado em justiça e santidade da verdade” (Ef 4,24). É uma empresa que não terminará com o Natal, mas pode começar com ele.

Antes de desejar a todos um Feliz Natal, o Pregador da Casa Pontifícia enalteceu a Mãe de Deus, que “concebeu Cristo no seu coração antes que no seu corpo”, nos ajude a realizar este propósito. “Feliz aniversário a Jesus – e Feliz Natal a todos: Santo – e amado – Padre, Papa Francisco, venerados Padres, irmãos e irmãs”, concluiu Cantalamessa.

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