terça-feira, 14 de julho de 2020

Refletindo com Dom Rubens Sevilha

As tempestades da vida

Ficamos sem chão. Essa é uma das claras sensações fortes que todos estamos experimentando. A tradição espiritual cristã sempre considerou o tempo de tempestade, onde o barco da vida perde sua estabilidade e segurança, como uma das etapas necessárias para o amadurecimento da alma.
Dom Rubens Sevilha, OCD
Nos tempos de calmaria vamos criando nossa zona de conforto feita de fantasias. Inventamos seguranças e certezas, e criamos engenhosas explicações para justificá-las. Mentimos para nós mesmos e acreditamos na nossa mentira e, pior ainda, vamos convencendo os outros sobre nossas verdades inventadas e vamos nos contaminando até ao ponto em que não sabemos mais distinguir o que é verdade ou ilusão.
Um dia a casa cai. A casa construída sobre a areia, diante da tempestade, vai desabar (cf. Mt 7,21). Deus permite as tempestades históricas. Hoje estamos vivenciando uma delas para que os enganos sejam desmascarados e a verdade aflore. É rasgar uma ferida para curá-la e isto dói muito. Deus é o divino médico que, por amor e para que tenhamos saúde existencial, quando necessário, rasga cirurgicamente a nossa vida para expurgar o mal e favorecer a vida saudável que Ele deseja para todos os seus filhos e filhas.
O tempo estranho e difícil que estamos vivendo é um tempo rico, um tempo de graça de Deus, pois até do mal Deus tira o bem, como afirma Santo Agostinho. Claro que no momento da tempestade ou no meio da cirurgia, não percebemos bem algum, pelo contrário, sentimos medo, insegurança, ansiedade, terror. A vida não é fácil para ninguém e, como já dizia o poeta, ela é um combate que os fracos abate e que somente os bravos e fortes podem vencer (cf. Gonçalves Dias).
Uma das virtudes cristãs é a coragem, virtude em baixa nos nossos dias. Muitos estão confundindo coragem com agressividade, com arrogância e intolerância. Somente no meio da tempestade perfeita percebe-se, de fato, quem é corajoso. Aliás, sem Deus nenhum homem é forte, sem Deus o homem terminará aniquilado e desesperado ao perceber a sua real pequenez. As tempestades existenciais têm a capacidade de quebrar a casca das nossas ilusões e fazer evaporar a nossa egoística mania de grandeza. Ficamos nus e desamparados e, de algum modo, gritamos as palavras de Jesus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste” (Mt 27,46).
Sem a fé, entendida como confiança no infinito amor de Deus, nenhum homem é forte. Quem tem fé sabe que jamais está sozinho, pois sabe que quando cair ele terá um Pai que está ao seu lado para lhe socorrer, sabe que quando for ferido será curado, quando sujo pelo pecado será perdoado, quando perdido e sem rumo, terá o Bom Pastor que irá ao encontro da sua ovelha amada, esteja onde ela estiver.
No meio da tempestade o homem de fé sabe aplicar o silêncio interior que aprendeu na oração durante os tempos calmos. A oração é um exercício que fortalece a musculatura da alma. Quem se exercita regularmente, colocando-se diariamente diante de Deus, em profundo silêncio e abandono confiante nos braços do Pai, estará preparado para silenciar no meio da tempestade enquanto o coração mudo “grita”: “Sei em quem pus a minha confiança” (2 Tim 1,12). Aconteça o que acontecer, o crente dirá: Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu, acreditando em uma das promessas de Jesus “Felizes os que choram, porque serão consolados” (Mt5, 4). Somente em Deus encontraremos refúgio e proteção. Somente em Deus nossa vida tem sentido, inclusive nas tempestades. Coragem. Estamos sem chão, mas não sem céu. Corações ao alto. O nosso coração está em Deus. Que assim seja.
                                                                        Dom Rubens Sevilha, OCD - Bispo de Bauru
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