Fé inspiradora e religiosidade egocêntrica
Quem entra em
uma livraria surpreende-se logo pelo elevado número de livros de autoajuda.
Nunca se escreveu tanto acerca desta temática. E as vendas estão sempre no
topo. Sucesso, autodomínio, êxitos, conquistas e realizações pessoais. Frases,
experiências dos vencedores, narrativas laudatórias preenchem muitas páginas. E
com grande frequência o nome de Deus é associado às mais triunfais venturas.
Se esse mercado
é próspero, é porque a demanda é crescente. Na dinâmica competitiva todos nós
somos induzidos a mergulhar no ritmo dos vencedores. Não se trata de apontar
erros neste processo cultural, mas de despertar para que não sejamos enredados
por rumos e ritmos que podem ameaçar nossos relacionamentos e golpear outras
dimensões da vida. Penso que todos já vimos e ouvimos filhos ou pais a dizer,
com dor, que falta tempo ou serenidade para os afetos familiares. E, quando
isso é possível, então é o consumo a invadir os desejos.
A cruz é parte integrante da caminhada cristã |
Observemos o que
pedem: “Concede-nos, na tua glória, sentarmo-nos um à tua direita e outro à tua
esquerda” (10,37). Na glória e nos triunfos estão interessados. Movem-se.
Buscam. Pedem. É curioso que apenas algumas linhas antes o assunto de Jesus com
eles fora a cruz e a ressurreição. Mas eles abordam somente participar da
“glória”. O evangelista se mostra crítico a tais formas de seguimento. Não
pretendiam eles seguir no caminho de Jesus. Queriam, sim, servir-se do
seguimento para alcançar formas de grandeza que atendiam as suas vaidades.
Os outros dez
discípulos insurgiram-se contra aqueles dois (10,41). Não por causa da
insensatez do pedido; também eles tinham os mesmos interesses. E custava-lhes
ficar em alguma outra posição que não a primeira. Quando os anseios pessoais se
sobrepõem aos da vida comunitária sempre, e em todos os tempos, os companheiros
são também concorrentes.
Por estes
caminhos qualquer linguagem e opção de ética comunitária será torpedeada por
aquelas vias nas quais a grandeza humana gravita em torno de conquistas e
êxitos. E até o nome de Deus é invocado para tais ambições. Há o risco de
invocar o nome do Deus verdadeiro em vista de aspirações de riqueza ou de
poder. É a isso que chamo de religiosidade egocêntrica. Deus deixa de ser quem
é e, deformado por egoísmos, passa a ser uma falsa divindade que abençoaria a
desigualdade.
Termino com um
questionamento, válido sempre: em qual Deus eu creio: naquele revelado por
Jesus Cristo? Ou naquele a quem quero obediente às minhas preferências?
Dom José Antônio
Peruzzo - Arcebispo de Curitiba (PR)
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