quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Oitava meditação dos Exercícios Espirituais:

"Crer em Deus é, portanto, crer na misericórdia"
Padre José Tolentino Mendonça, sacerdote português convidado pelo Papa Francisco para pregar o retiro anual da Curia Romana, fala na sua oitava meditação sobre o poder restaurador da misericórdia de Deus.
Cidade do Vaticano - “De verdade é importante a experiência de relação que ali se manifesta – parábola do filho pródigo – e se recompõe. (...) temos a oportunidade de observar as nossas mesmas passagens, externas e interiores, e de olhar com profundidade a nossa historia.” Assim inicia, Padre José Tolentino Mendonça, sacerdote português que está pregando o retiro ao Papa e seus colaboradores.
Na meditação sobre a parábola do filho pródigo, quando se refere ao filho mais novo, Padre José fala que “é uma historia que nos pega dentro. E nesse espelho tem tudo: o desejo de liberdade do filho mais jovem, os seus sonhos sem fundamento, os passos falsos, a fantasia da onipotência, a sua incapacidade de reconciliar desejos e leis. Com um resultado previsível: o vazio e a solidão. Se descobrira completamente sozinho”.
Fazendo uma comparação, o filho mais velho - segundo o pregador ressalta -  tem “a dificuldade de viver a fraternidade, a recusa de alegrar-se do bem do outro, e a incapacidade de viver a lógica da misericórdia. Não consegue resolver a relação com seu irmão, ainda cheia de agressividade, com uma barreira e violência. E nem mesmo a relação com o Pai é totalmente integrada: ele nutre ainda a expectativa da recompensa.” 
“No filho mais velho não é o problema com a lei, mas com a generosidade do amor. E isto é uma das doenças dos desejos”. E afirma que todos nos somos também assim: “ contradições de sentimentos. E esta completa ambivalência humana, é o maior elogio da misericórdia de Deus, que a parábola, ilumina.”
E afirma ainda, que “ dentro de nós, em verdade, não existem somente coisas bonitas, harmoniosas e resolvidas.  Dentro de nós existem sentimentos sufocados, tantas coisas que devem se tornar claras, doenças, inúmeros fios para se conectarem. Existem sofrimentos, âmbitos que devem ser reconciliado, memorias e fissuras que se devem deixar Deus curar.
“A pergunta é: a que ponto nos deixamos reconciliar? Mas reconciliar profundamente, com a logica do Evangelho, e no mais profundo de nós?”
Reforçando ainda mais a importância da misericórdia, afirma que “este excesso de amor que Deus nos ensina, está em condições de resgatar-nos. Cada um de nós possui uma riqueza interior, um mundo de possibilidades, mas também limites com os quais, em um caminho de conversão, é necessário confrontar-se”. 
Comparando os desejos, afirma que os errados, ou como define, “os desejos soltos – uma realidade que o nosso tempo promove – desencadeia em nós movimentos errados e irresponsáveis, a pura inconstância, o hedonismo  e um redemoinho enganador”. E que os verdadeiros “ao invés, é assinalado com uma carência, uma insatisfação, de uma sede que vem de um princípio dinâmico e projetivo. O desejo é literalmente insaciável, pois aspira a isto que não pode ser possuído: o senso. Assim, o desejo não se sacia: se aprofunda.”
Quando chega especificamente na figura do Pai – na parábola - reflete o poder curador da sua misericórdia. O Pai sabe que “tem dois filhos e entende que deve relacionar-se com eles de modo diferente, reservar a a cada um, olhares diferentes”, cada um com os seus desejos. Nesta reflexão sobre o Pai, Padre Jose diz:
“Jesus não perde tempo explicando a razão porque o filho mais jovem quer ir embora, mas que o Pai aceita o espaço que o filho pretende, acolhe o risco da sua liberdade, e simplesmente o ama. E que depois no seu retorno, cobre de beijos aquela vida infeliz, e a faz totalmente amável”
E não somente os desejos do filho mais novo devem ser curados pela misericórdia, diz o pregador, mas também os do seu primogênito. “O Pai vai ao seu encontro. O Pai da dignidade a indignação do filho mais velho, vai escutá-lo, sai, desce para buscá-lo. Essa misericórdia de escutar os outros até o fim. E a misericórdia gera uma das mais belas declarações de amor que um Pai possa dedicar ao filho:
“Filho, você está sempre comigo, e tudo o que é meu é teu (Lc 15,31) ”
Para concluir, afirma sobre a misericórdia: “A misericórdia é isso. Um dever a qual ninguém nos obriga, mas uma obrigação que nasce da esperança. É o bem mais precioso e deve ser vitoriosa sobre todas as mortes. Quem crê que a misericórdia seja fácil, é porque nunca a viveu e nem a experimentou. A misericórdia está entre as coisas mais exigentes e empenhativas. Porém não tem vida sem misericórdia.
A misericórdia é um dos atos soberanos de Deus. Crer em Deus é, portanto, crer na misericórdia”.
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Nona Meditação:
Escutar a sede das periferias
Na tarde desta quinta-feira o padre José Tolentino propôs a nona reflexão ao Papa Francisco e à Cúria romana, reunidos em Ariccia para os Exercícios Espirituais de Quaresma: a partir de Jesus, o cristianismo também se encontra em uma realidade periférica.
Cidade do Vaticano - “É essencial estar com olhos bem abertos à realidade do mundo que está em torno a nós.”
Com estas palavras, o padre José Tolentino iniciou a nona meditação no retiro do Papa Francisco com seus colaboradores da Cúria Romana. Ele ressaltou que a “voz de Deus deverá sempre confrontar-se com a pergunta feita as origens: onde está o teu irmão?”
Um dos exemplos importantes que o pregador chamou à reflexão foi o problema da falta de água nas grandes periferias do mundo. Cita um pequeno trecho da Encíclica de Papa Francisco,Laudato Si, sobre este tema: “Um problema particularmente sério é aquele da qualidade da água disponível para os pobres, que provoca mortes a cada dia”.   E afirma que “diante da sede das periferias, urge adotar uma autêntica conversão dos estilos de vida e de coração”.
Em outro tema importante da meditação sobre as periferias, o padre José recorda que Jesus é um “homem periférico”, de que Ele também foi um homem de periferia.
Jesus “não nasceu cidadão romano, não pertencia ao primeiro mundo da época, nasceu em Belém, e em Nazaré, de onde recebeu o nome, é tão insignificante em ser uma das raras localidades da Palestina. Quem escutava falar de Nazaré mostrava um ar sarcástico e perguntava, fingindo uma perplexidade: de Nazaré pode vir alguma coisa de bom? ” (Jo 1.46)
Jesus viveu completamente esta realidade de periferia, desde o seu nascimento até o momento de sua morte. Era da periferia de Israel e consequentemente da periferia do Império, do domínio romano.
Porém “a mensagem de Jesus, pega aquela via do mundo periférico. Marcos, autor da primeira narração evangélica, põe o encontro de Jesus ressuscitado com os seus discípulos ainda na periferia: 'Ele os precede na Galileia. Ali os verão, como os disse'” (Mc 16,7).
E convidou a recordarem que a partir de Jesus, o cristianismo também se encontra em uma realidade periférica.
“O território transformou-se, e não é mais o que era antes. A população mudou de lugar. Em torno às catedrais, por exemplo, não há mais a verdadeira vida: os centros urbanos se tornaram um polo de atividades burocráticas e comerciais.”
“Também nestes lugares a Igreja é chamada a sair de si mesma e descobrir um novo ardor missionário”
Segundo o pregador, a Igreja do Século XXI será certamente mais periférica, e nos desafiará a redescobrir que as periferias não são vazias do religioso, mas os endereços de Deus.
Dentre todas as periferias, o pregador relata várias experiências nas diversas partes da cidade, desde o abandono aos índices de criminalidade, doentes e presidiários, que para ele são periferias onde a Igreja está presente.
“Ali onde se encontra a vulnerabilidade humana devemos ser cada mais o rosto de Cristo”
Padre José fala do perigo da separação da vivência do Sacramento da Eucaristia do Altar, com o sacramento da vida  dos pobres, citando Dom Helder Câmara, que com estas palavras exortava a Igreja do seu tempo: “O que fizemos da Igreja de Cristo? Como pode a multidão dos excluídos, dos esquecidos, dos sem tetos, dos sem nada, crer ainda que o Criador é um Pai que os ama, se nós, nós que ousamos dizer-se cristãos, nós que temos tudo, continuamos a deixar seus pratos vazios..., não sejamos somente crentes. Busquemos ser credíveis”.   
Por fim, recorda que a humanidade necessita ser abraçada, principalmente aquela que está ferida, quando se sente leprosa, diminuída, sufocada pela exclusão e pelos estigmas. E podemos dizer com a nossa presença simples e fraterna: Estou aqui, não estás sozinho.
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