Quaresma da
Misericórdia
“Cuidado! Não
pratiqueis vossa justiça na frente dos outros, só para serdes notados”
(Mt 6,1)
Em meio a um
mundo desumanizado e sacudido pela violência, lutas fraticidas, intolerância e
egoísmo exacerbado, o papa Francisco nos convida a viver um Jubileu
extraordinário, colocando a Misericórdia no centro de nossas vidas e
respondendo ao chamado que Cristo nos faz: “sede misericordiosos como o
Pai”.
De maneira
especial, o tempo Quaresmal pode ser um momento privilegiado para que deixemos
transparecer no mundo a missão de testemunhas da Misericórdia de Deus
Pai-Mãe.
A Quaresma pode
ser o ponto de partida de uma transformação de vida; os quarenta dias de
duração são um tempo propício para viver a “operação saída”, ou seja, expandir
a vida em novas direções, rompendo com aquilo que é rotineiro, estreito e
atrofiante. Se, nesse tempo, algo calar fundo, o ano se tornará pequeno para
aquele que vive uma existência com mais intensidade, coerência e
solidariedade.
Este tempo
litúrgico especial certamente mobilizará e ativará todas as dimensões de nosso
ser: nossos sentidos se expandirão, olhando, escutando e sentindo a realidade
que nos envolve; nossa mente tornar-se-á mais clara, sabendo discernir e não se
deixando manipular; nosso coração se fará mais atento e misericordioso diante
do sofrimento humano; nossa alegria que será o fermento do pão cotidiano, compartilhado
com os outros. E se dedicarmos mais tempo ao silêncio e à oração, recobraremos
energia e sentido, necessários para sair da “normose doentia” de todos os
dias.
Eis tempo da verdadeira conversão! |
A Igreja nos
proporciona este momento litúrgico como parada estratégica em meio à voracidade
do caminho e perguntar-nos se vivemos como realmente desejamos viver; se haverá
algum reajuste necessário para reorientar nossos passos de maneira mais
acertada, para estabelecer uma harmonia entre cabeça e coração, desejos e
hábitos. A Vida de Jesus, testemunhada nos evangelhos, nos convida a viver de
um modo mais integrado.
Somos o que
somos graças a essa matriz de relações que nos conecta conosco mesmos, com os
outros, com o Outro e com as criaturas. Não nos estranhará, então, que a
liturgia nos convide a perguntar a nós mesmos como nos relacionamos
com nossos desejos/impulsos/decisões (jejum), como consideramos os nossos
semelhantes (esmola) e como cuidamos de nossa amizade com Deus (oração).
Neste
perspectiva, as três disciplinas espirituais da Quaresma (oração, jejum e
esmola), encontram sua relação com as três dimensões do amor: a Deus, ao
próximo e a si mesmo. Não é preciso estar publicando no Facebook ou no WhatsApp
cada pequeno passo adiante. De fato, nos diz Jesus: “Vosso pai, que vê no
segredo, vos recompensará”.
Neste ano em que
celebramos o Jubileu extraordinário da Misericórcia, as práticas quaresmais que
a liturgia busca ativar (oração, jejum e esmola) vão mais além de nós mesmos:
elas devem ter impacto na relação com os outros, em especial com aqueles que
mais sofrem e se encontram mais excluídos.
Com a
Quarta-feira de Cinzas damos início à Quaresma e entramos num movimento de
discernimento: de quê jejuar e com quê saciar-nos nesse tempo litúrgico? Mais
que jejum de alimento e bebida, podemos jejuar de soberba, de vaidade, de
consumismo, de fazer-nos centro de tudo, de ativismo, de afetos desordenados (smarts, internet...), jejuar de desculpas frágeis e de distâncias, de
indiferença e de frieza nos relacionamentos...
Tudo aquilo de
que jejuamos, deixa um vazio imenso em nosso interior e que só o amor poderá
preencher. O jejum ativa o dinamismo do amor que nos faz mais compassivos,
solidários, misericordiosos...
Em definitiva, o
jejum e a abstinência nos conduzem ao autocontrole e à autoestima e são
sinônimos de desintoxicar-se, desconectar, desapegar-se, desprender-se... Ou
seja, fazer tudo o que nos leve a ser pessoas mais equilibradas, autônomas e
livres... que tem mais tempo para amar a Deus e ao próximo.
A esmola
(“elemosyne”) sempre esteve ligada à compaixão e piedade. Quem partilha do
que tem é compassivo e misericordioso (“eleémon”). Trata-se, fundamentalmente,
da inclinação para os desfavorecidos. A misericórdia (qualidade da esmola) é a
atitude própria de quem tem um coração sensível à miséria do outro. Mantém
indissoluvelmente unidos o sentimento de compaixão e ternura com a
solidariedade efetiva. Está atenta à necessidade de cada pessoa, que em uns
casos será econômica, em outras psicológica, em muitos afetiva...
A esmola –
misericórdia em ação – é uma atitude central para o cristão. Uma das suas
qualidades mais atraentes é precisamente sua capacidade para criar laços
de comunhão. Se cada um põe seus dons e bens a serviço dos outros e se deixa
socorrer em suas necessidades, criará verdadeira comunidade.
A oração nos
ajuda a amar a Deus e a colocá-Lo como centro de nossa vida. A vivência da
oração e de todas as práticas associadas a ela, como o silencio, a solidão, a
reflexão, a “consciência plena”, a meditação bíblica, a participação na
liturgia da comunidade, a leitura de um livro de espiritualidade..., nos
preparam e nos ajudam a entrar em sintonia com a ação de Deus no mais profundo
de nosso ser.
Quando oramos,
conhecemos e amamos mais a Deus, sentimos sua misericordiosa presença em nosso
dia-a-dia, alimentamos nossa vida interior, somos menos artificiais, nos
fixamos mais naquilo que nos é dado continuamente como graça, vivemos em
contínua gratidão por estarmos rodeados de tanta ternura e beleza, mesmo em
meio às situações conflitivas, despertamos empatia para com aqueles que mais
sofrem, recobramos novo ânimo para ajudá-los, somos conscientes de nossa
fragilidade e pequenez, ao mesmo tempo que cresce em nós a percepção de nossa
maravilhosa dignidade de filhos ou filhas de Deus.
À luz da
misericórdia, a esmola, a oração e o jejum não são cargas pesadas sobre nossas
costas neste tempo quaresmal e que podemos esquecê-las dentro de algumas
semanas. Não são um evento, mas um modo de proceder que tem ressonância na
nossa vida. Por isso mesmo, tais práticas quaresmais são uma autêntica
revolução e uma alternativa para viver com sentido.
Aqueles que se
empenham pacientemente em dar à sua vida um perfil mais evangélico acabam se
deparando com o valor do pequeno e do que não é ostentoso, daquilo que nasce
do mais profundo e que tem a autenticidade das coisas verdadeiras.
Esse é o
movimento de vida despertado pelo tempo quaresmal.
Texto
bíblico: Mt 6,1-6.16-18
Na oração: A
oração é o lugar onde se pode indicar “o escondido”, onde aprendemos a decifrar
a vida, onde buscamos ter acesso ao nosso tesouro mais apreciado, aquele que
não pode ser arrebatado à força e não pode ser comprado por nenhum valor,
embora podemos facilmente perdê-lo.
Pe. Adroaldo
Palaoro sj - Casa de Retiros Vila Kostka- Itaici-SP
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Fonte: catequesehoje.org.br
Fonte: catequesehoje.org.br
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