Mundo de hoje precisa reaprender valor da gratuidade
San Cristóbal de
Las Casas (RV) - “Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se
a nossa terra oprimida e devastada, que geme e sofre as dores do parto”: foi o
que disse o Papa Francisco na missa esta segunda-feira (15/02) com as
comunidades indígenas do Chiapas, em San Cristóbal de Las Casas, numa liturgia
celebrada em espanhol e nas línguas indígenas tseltal, ch’ol e tsotsil, que
contou também com a participação de numerosos fiéis guatemaltecos.
Na saudação
dirigida ao Pontífice, um homem e uma mulher representando as comunidades
indígenas do Chiapas, do México e da Guatemala agradeceram ao Papa por ter
aprovado o uso de suas línguas nativas na liturgia.
No altar papal
apoiado na pirâmide de Palenque – evocação da cultura e história mayas –
simbolizada pelos degraus que partem da terra até o altar, a expressão de que a
fé cristã não elimina as raízes das culturas, não se separa da terra e da
história, mas as torna plenas em Jesus, faz crescer e amadurecer em Cristo. A
fé não destrói nem a história nem a cultura, mas as assume, para transformá-las
em Cristo.
Homilia do Papa Francisco |
Ao encontrar uma
realidade de exclusão social de um povo que vive à margem do progresso e do
desenvolvimento, o Papa levou uma palavra de fé e de esperança, enaltecendo a
riqueza e valores dos povos indígenas, que muito têm a nos ensinar diante da
ganância do lucro e do domínio despótico do homem sobre os bens da criação.
“A violência,
que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de
doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos”, disse o Santo
Padre em sua homilia, norteada pelo tema do cuidado da criação.
“O desafio
ambiental que vivemos e as suas raízes humanas têm a ver com todos nós (cf.
ibid., 14) e interpelam-nos. Não podemos permanecer indiferentes perante uma
das maiores crises ambientais da história. Nisto, vós tendes muito a
ensinar-nos. Os vossos povos, como reconheceram os bispos da América Latina,
sabem relacionar-se harmoniosamente com a natureza, que respeitam como «fonte
de alimento, casa comum e altar do compartilhar humano».”
No entanto,
disse Francisco, “muitas vezes, de forma sistemática e estrutural, os vossos
povos acabaram incompreendidos e excluídos da sociedade”.
“Alguns
consideram inferiores os vossos valores, a vossa cultura e as vossas tradições.
Outros, fascinados pelo poder, o dinheiro e as leis do mercado, espoliaram-vos
das vossas terras ou realizaram empreendimentos que as contaminaram. Que
tristeza! Como nos seria útil a todos fazer um exame de consciência e aprender
a pedir perdão!”
Francisco havia
iniciado sua reflexão partindo Salmo 18 “A lei do Senhor é perfeita, reconforta
a alma”, lei que o povo de Israel recebera das mãos de Moisés, um povo que
experimentara a escravidão e a tirania do Faraó, que experimentara a amargura e
os maus-tratos, até que Deus disse basta e ouviu o clamor de seu povo.
“Manifesta-se aí
o rosto do nosso Deus, o rosto do Pai que sofre com a dor, os maus-tratos, a
injustiça na vida de seus filhos; e a sua Palavra, a sua lei torna-se símbolo
de liberdade, símbolo de alegria, sabedoria e luz”, afirmou o Papa.
“No coração do
homem e na memória de muitos dos nossos povos, está inscrito o anseio por uma
terra, por um tempo em que o desprezo seja superado pela fraternidade, a
injustiça seja vencida pela solidariedade e a violência seja cancelada pela
paz”, acrescentou o Pontífice.
O nosso Pai não
só compartilha este anseio, mas Ele mesmo o suscitou e suscita dando-nos o seu
filho Jesus Cristo. N’Ele encontramos a solidariedade do Pai, que caminha ao
nosso lado.
“N’Ele vemos
como aquela lei perfeita assume uma carne, assume um rosto, assume a história,
para acompanhar e sustentar o seu povo; faz-se Caminho, faz-se Verdade, faz-se
Vida, para que as trevas não tenham a última palavra e a aurora não cesse de
vir sobre a vida dos seus filhos.
“De muitas
formas e maneiras se procurou silenciar e cancelar este anseio, de muitas
maneiras procuraram anestesiar-nos a alma, de muitas formas pretenderam pôr em
letargo e adormecer a vida das nossas crianças e jovens com a insinuação de que
nada pode mudar ou trata-se de sonhos impossíveis.”
Contra estas
formas, a própria criação sabe levantar a sua voz:
“Esta irmã clama
contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos
bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e
dominadores, autorizados a saqueá-la (...). Por isso, entre os pobres mais
abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que
“geme e sofre as dores do parto.”
“O mundo de
hoje, espoliado pela cultura do descarte, necessita de vós”, disse o Papa na
conclusão exortando os jovens a conservarem a sabedoria dos anciãos:
“Os jovens de
hoje, expostos a uma cultura que tenta suprimir todas as riquezas e
características culturais tendo em vista um mundo homogéneo, precisam que não
se perca a sabedoria dos vossos anciãos. O mundo de hoje, prisioneiro do
pragmatismo, tem necessidade de voltar a aprender o valor da gratuidade.”
Ao término da
celebração, as palavras comoventes de agradecimento ao Papa Francisco feitas
por dois representantes das comunidades indígenas.
“Mesmo se muitas
pessoas nos desprezam, quiseste visitar-nos e levar-nos em consideração, como
fez a Virgem de Guadalupe com San Juan Dieguito”, disse ele.
“Mesmo se vives
em Roma, ti sentimos muito próximo de nós. Continuas a transmitir-nos a alegria
do Evangelho e a ajudar-nos a cuidar da nossa irmã e mãe terra, que Deus nos
doou. E recorda-te de nós em tuas orações, a fim de que possamos realizar as
obras de misericórdia”, pediram os representantes indígenas. (RL)
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Papa às famílias:
Papa às famílias:
"Solidão e isolamento, maus conselheiros"
Tuxtla Gutiérrez
(RV) – Encerrando esta segunda-feira (15/02), o Papa cumpriu um evento que
consta quase sempre na agenda de suas viagens internacionais: o encontro com as
famílias.
Antes de
ingressar no estádio de Tuxtla Gutiérrez, o Papa deu voltas com o papamóvel,
aproximando-se das milhares de pessoas que estavam nas redondezas. Dentro do
estádio, mais de 50 mil o aguardavam cantando o hino preparado para a visita,
“Francisco, amigo”, e dançando músicas típicas. O encontro começou com uma
saudação do Arcebispo Fabio Martínez Castilla, que entregou como presente a
Francisco uma estola bordada com rostos de crianças. A seguir, foi a vez de
quatro famílias darem o seu testemunho.
Famílias
diversas, iguais testemunhos de amor
O primeiro
testemunho foi o de Manuel, 14 anos, vítima de distrofia muscular. Ele
agradeceu ao Papa por ser amigo dos jovens e por levar a sua mensagem ao povo
do Chiapas e lhe pediu para rezar por todos os adolescentes que vivem
desanimados e atravessam momentos difíceis.
A família continua sendo um modelo atual |
Em seguida, um
casal ofereceu um depoimento sobre a sua vida de seus pais, que têm 50 anos de
casados. Falaram da aliança matrimonial, do amor fiel e de sua participação nos
sacramentos.
A terceira
família era formada por um casal de divorciados e recasados civilmente, que não
têm acesso à comunhão, mas participam da comunidade e têm a percepção de
recebê-la, segundo revelaram, através do serviço a seus irmãos mais carentes,
doentes ou encarcerados.
O último
testemunho foi o de Beatriz, enfermeira e mãe solteira, de origem simples, que
renunciou ao aborto várias vezes e criou seus filhos sozinha. Ela pediu a Deus
que, assim como ela foi amada e acolhida pela Igreja, outras mulheres tenham
esta mesma bênção.
Obrigado por nos
deixar sentar em suas mesas
O Papa iniciou
seu discurso agradecendo estas famílias, que “nos permitiram sentar à sua
‘mesa’ onde partilham o pão que as alimenta e o suor perante as dificuldades
diárias: o pão das alegrias, da esperança, dos sonhos, e o suor perante as
amarguras, as decepções e as quedas: Obrigado por nos ter permitido sentar à
sua mesa e conhecer o seu lar”.
Partindo das
palavras de Manuel, que se “encheu de vontade” para a vida, Francisco refletiu
que “é isto o que Deus sempre sonhou: quando chegou a plenitude dos tempos,
Deus Pai encheu de vontade a humanidade para sempre, dando-nos o seu Filho”. O
Papa emocionou todos ao citar o exemplo dos pais de Manuel, que ouviram
ajoelhados o testemunho do menino.
E sempre com
mais vigor, Francisco disse, quase gritando, que “Deus Pai encheu de vontade a
nossa vida, porque o seu nome é amor, é dom gratuito, é dedicação, é
misericórdia. Ele nos mostrou isso tudo, em toda a sua força e clareza, no seu
Filho Jesus, que gastou a sua vida até à morte para tornar possível o Reino de
Deus; um Reino que tem sabor de família, que tem sabor de vida partilhada”.
Precariedade e
isolamento, maus conselheiros
Lembrando o
testemunho de Beatriz, Francisco afirmou que “a precariedade ameaça não só o
estômago (o que é já muito!), mas pode ameaçar também a alma, pode insinuar-se
em nós sem nos darmos conta: é a precariedade que nasce da solidão e do
isolamento; e o isolamento é sempre um mau conselheiro”.
A receita para
combater esta situação, que nos torna vulneráveis a muitas soluções aparentes,
pode ser concretizada, por exemplo, por meio de leis que protejam e garantam o
mínimo necessário para que as famílias e cada pessoa cresçam através do estudo
e de um trabalho digno. Outro caminho é o compromisso pessoal, como sublinharam
os testemunhos de Humberto e Cláudia: transmitindo o amor de Deus no serviço e
na assistência aos outros. “Leis e engajamento pessoal são um binômio muito
útil para romper a espiral de precariedade”, frisou o Pontífice.
Abordando as
dificuldades que fragilizam as famílias hoje e que tornam suas vidas por vezes
árduas e dolorosas, o Papa disse preferir uma família ferida que cada dia
procura harmonizar o amor, a uma sociedade doente pelo confinamento e a
comodidade do medo de amar. E criticou a "colonização ideológica que
apresenta a família como um 'modelo superado'".
"Prefiro
famílias feridas"
“Prefiro uma
família que procura uma vez e outra recomeçar a uma sociedade narcisista e
obcecada com o luxo e o conforto. Prefiro uma família com o rosto cansado
pelos sacrifícios aos rostos embelezados que nada entendem de ternura e
compaixão”.
Terminando seu
discurso, Francisco pediu a todos que rezassem com ele a Ave Maria e levou
flores a uma imagem da Sagrada Família.
Outro momento
tocante foi quando o Papa interrompeu o andamento do encontro e às beiras do
palco, pediu que erguessem um menino com deficiências, cadeirante, até o ponto
em que o pudesse tocar e beijar. Em vários momentos do evento, o Pontífice
trocou o seu carinho com as crianças presentes.
Promessas
matrimoniais renovadas
Na sequência,
cerca de 200 casais com mais de 50 anos de matrimônio renovaram suas promessas
matrimoniais diante do Papa e cantaram o hino “Amar é entregar-se”. Uma família
fez uma oração, cantaram todos juntos o Pai Nosso e o Papa concedeu a bênção,
encerrando o encontro.
Em seguida, o
Papa se dirigiu ao aeroporto da cidade, de onde voou até Cidade do México, para
passar a noite na Nunciatura Apostólica. (CM)
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Fonte: radiovaticana.va news.va
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