Em artigo
originalmente publicado no jornal Estado de São Paulo, o Estadão, em 14 de
julho, o arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer fala da importância de
renovação do Congresso Nacional. Para o prelado, o foco das eleições recai
pouco sobre a eleição de senadores e deputados federais e mais sobre o chefe do
Executivo. O cardeal defende que o Legislativo tem um poder enorme de decisões.
Contudo, o religioso, advoga que este Congresso atual representa de
maneira muito desigual os diversos segmentos sociais, não espelhando a
proporção em que eles existem na sociedade brasileira. Além disso, para ele, o
Congresso Nacional está extremamente desacreditado, não só porque grande número
de seus membros está sendo investigado por corrupção, mas também porque sua
atual representatividade é bastante questionável.
Confira, abaixo,
a íntegra do artigo:
O desafio da
renovação do Congresso Nacional
Em menos de três
meses os brasileiros irão às urnas para votar e escolher um presidente da
República, governadores dos Estados, deputados federais e estaduais e dois
terços dos membros do Senado. As campanhas eleitorais já vão ganhando as ruas,
com lançamentos de pré-candidatos e sondagens sobre as tendências do
eleitorado. Passada a Copa do Mundo, as atenções agora se voltam cada vez mais
para as eleições que temos pela frente.
Como de costume,
as campanhas ficam focadas, sobretudo, na escolha dos chefes do Executivo, em
especial do presidente da República. Por enquanto, fala-se bem pouco dos
candidatos às duas Casas do Congresso Nacional e menos ainda dos pretendentes a
um gabinete nas Assembleias Legislativas. E aí se esconde um equívoco e até um
certo perigo para a vida política. Pretende-se, de maneira talvez inconsciente,
que o presidente da República resolva todos os problemas do Brasil e seja uma
espécie de chefe plenipotenciário. Mas, ao ser eleito, ele não recebe todos os
poderes para realizar o que o País precisa, nem mesmo para pôr em prática, sem
mais, aquilo que promete na campanha eleitoral. Nas suas decisões, ele depende
do Congresso e todas as iniciativas que pretenda tomar, salvo as do
funcionamento ordinário da máquina governamental, deverão ser autorizadas por
leis aprovadas pelo Legislativo. O presidente não governa sem a Câmara dos
Deputados e o Senado.
Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer |
Ora, tudo isso é
muito preocupante. Nosso atual Congresso está extremamente desacreditado, não
só porque grande número de seus membros está sendo investigado por corrupção,
mas também porque sua atual representatividade é bastante questionável.
O Legislativo
tem um poder enorme nas decisões sobre o que será melhor para o País. Além
disso, é o único dos três Poderes com todos os membros eleitos diretamente pelo
povo, para representarem, em suas tomadas de decisão, os diferentes interesses
presentes na sociedade. Mas este Congresso representa de maneira muito desigual
os diversos segmentos sociais, não espelhando a proporção em que eles existem
na sociedade brasileira. Com isso, minorias militantes podem impor ao País
políticas públicas que não atendem ao interesse geral da população, como também
podem ficar ignorados em seus anseios e direitos os setores não bastante
aguerridos.
Nessa
perspectiva, é muito bem-vinda a campanha supra-partidária “Um novo Congresso é
necessário, é possível e vai ser pelo voto”, recém-lançada e nascida dentro da
sociedade civil para propor aos eleitores uma reflexão maior sobre a escolha
dos deputados federais e senadores. A campanha mostra que o poder para a
renovação do Congresso está na mãos dos próprios eleitores, não é preciso
esperar, antes, por uma improvável reforma política vinda “de cima”. Os bons ou
maus congressistas da próxima legislatura serão aqueles que os próprios
eleitores escolherem. Vale recordar que somente um Congresso renovado será
capaz de realizar uma boa reforma política, tão necessária ao Brasil.
No atual
contexto da crise política, o interesse efetivo dos cidadãos na campanha
eleitoral e seu voto esclarecido e responsável serão mais importantes do que
nunca. A escolha de candidatos idôneos para o Legislativo terá um papel
decisivo para o futuro político do País. Por isso o desalento e o ceticismo em
relação à situação política brasileira deveriam dar lugar ao interesse pelos
debates, à busca de informação sobre os candidatos à Câmara e ao Senado e ao
discernimento acerca das propostas dos partidos. A eleição pode fazer renascer
a esperança e impulsionar mudanças no quadro político a partir da vontade
expressa do eleitorado.
É presumível que
um bom número dos atuais parlamentares se proponha de novo aos eleitores,
buscando mais um mandato legislativo. Nesse caso será necessário discernir a
respeito do desempenho do candidato nos mandatos anteriores, para saber se
esteve comprometido com a transparência no manuseio do patrimônio público e
atuou em favor da justiça social, da dignidade e dos direitos básicos da
pessoa. Bons candidatos precisam estar comprometidos com políticas públicas
para a defesa e a promoção da vida, com a inclusão dos pobres, dos deficientes,
dos idosos e dos jovens. Bons políticos são reconhecidos por seu compromisso
com as grandes causas no interesse da população. E todas essas expectativas em
relação à atuação dos políticos estão estreitamente unidas à preparação
pessoal, à retidão e à firmeza do caráter e à estatura moral dos pretendentes
ao mandato público.
São as
comunidades locais que têm as melhores possibilidades de unir esforços em prol
da renovação do Congresso Nacional. Os eleitores são chamados a identificar,
entre os candidatos ao Poder Legislativo, aqueles que apresentam as posturas
éticas exigidas pela função pública e que assumam um real compromisso com os
anseios mais profundos da população: de igualdade, justiça, liberdade e paz. É
pela valorização do seu voto que cada cidadão poderá ajudar a melhorar a
política brasileira.
Cardeal Odilo
Scherer - Arcebispo de São Paulo
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Fonte: cnbb.net.br
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