quarta-feira, 27 de junho de 2018

Refletindo sobre a Exortação Apostólica “Alegrai-vos e Exultai”

Ser santos: um convite feito a todos
Houve um tempo, lá nos primórdios da Igreja, em que os seguidores de Jesus eram chamados de “santos”. Embora se reconhecessem como pecadores, como todos nós, levavam a sério a consagração batismal que nos faz participar da santidade do corpo de Cristo. Tinham como propósito realizar o desejo de Jesus (Mt 5,48), recomendado pelo apóstolo Pedro: “Sede santos, como vosso Pai é santo.” (1Pd 1,16)
Com o passar do tempo, a santidade passou a ser vista como difícil, coisa para uns poucos corajosos e heróicos, o processo de canonização que declara que alguém é santo passou a exigir milagres e martírios.
O Papa Francisco coloca novamente as coisas no lugar, convidando-nos a ver que a santidade pode estar entre as pessoas próximas de nós, como uma mãe, ou uma avó que criam seus filhos na fé e na coragem de ser cristãos.  “suas vidas talvez não tenham sido sempre perfeitas, mas, mesmo no meio de imperfeições e quedas, continuaram a caminhar e agradaram ao Senhor.”
Proposta do Papa Francisco
Colocar o ideal da santidade, de modo apropriado aos dias de hoje, é o que pretende o Papa Francisco com sua mais recente Exortação apostólica chamada “Alegrai-vos e Exultai”, ou em latim, como costuma ser o nome dos documentos pontifícios, “Gaudete et Exsultate”. Vale a pena ler e estudar essa Exortação, que você pode encontrar nas livrarias ou mesmo baixar no computador em português, com facilidade.
É o jeito do Papa Francisco – Este é o quarto grande documento do pontificado de Francisco (tirando “Lumen Fidei” que ele assinou, mas era quase toda do Papa Bento). Os quatro documentos têm o mesmo estilo: simples, fácil de assimilar, uma conversa de pai para filhos. Todos têm já no título a marca da alegria e do louvor a Deus, atraindo-nos pelo lado positivo, a vida como dom de Deus, um Deus próximo e amigo, amoroso e cheio de misericórdia. O Papa não faz um tratado profundo e acadêmico sobre a santidade, nem menciona a dureza de sacrifícios voluntários e flagelações.  Seus exemplos de santidade são simples e cotidianos: os pais que criam seus filhos com amor, a religiosa que envelhece e continua sorridente, o trabalhador que cumpre sua missão com honestidade e competência, o avô ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus, o servidor público que age não por interesse próprio, mas lutando pelo bem comum. Santidade não está numa esfera longínqua e inatingível, mas está ao alcance de todos. O Papa fala direto, como se olhasse nos olhos: “Não tenhas medo da santidade. Não tenhas medo de te deixares amar por Deus. Não tenhas medo de te deixares guiar pelo Espírito Santo.” (n.34)
Os inimigos da santidade – Talvez o leitor tenha a expectativa de que o Papa encontre empecilhos para a santidade nos prazeres do mundo, na corrupção e nas violências, nas injustiças, no ateísmo ou na indiferença religiosa. Por certo, essas realidades estão presentes no horizonte cultural do mundo de hoje e contrariam o Evangelho, por isso são uma constante preocupação de quem evangeliza. Mas o Papa elege como inimigos da santidade hoje, os mais perigosos porque disfarçados, e mais próximos de nós, dois deles: o gnosticismo e o pelagianismo. As duas palavras são bem estranhas porque se referem a duas heresias lá do início da Igreja. No entanto o Papa explica em que consiste cada um desses erros, e diz que eles são de uma “alarmante atualidade”. São perigosos inimigos porque são falsos modelos de santidade, que podem nos confundir. Em palavras simples e resumidas, um erro seria formar uma espécie de “seita” dentro da Igreja. Um grupo que se acha mais santo e mais perfeito, com conhecimentos mais elevados e se põe a condenar e desprezar os outros. O outro erro, o de achar que se pode chegar à salvação pelo próprio esforço e perfeição, e não por bondade gratuita de Deus. Sem querer nenhuma polêmica, evidente, o Papa expõe agora no novo documento, com clareza a razão das piores críticas que ele próprio vem sofrendo, não de inimigos da Igreja, mas de grupos ultraconservadores que estão dentro da própria Igreja e não aceitam a renovação trazida pelo Concílio Vaticano II, ou dizem que o seu magistério é fraco e sem conteúdo. No fundo, a mesma crítica e perseguição que Jesus sofreu, no seu tempo, por parte dos fariseus e doutores da Lei. Essas duas compreensões erradas da santidade, muito comuns hoje em dia, foram largamente expostas numa recente carta da Congregação para a Doutrina da Fé, chamada “Placuit Deo”. Ali se pode ver de forma mais completa o que são essas heresias modernas que envenenam a vida da Igreja.
O Papa e o Vaticano II – Podemos dizer que este novo documento papal sobre a santidade no mundo de hoje é uma continuação do Vaticano II e retoma, pela primeira vez um dos grandes temas da “Lumen Gentiun”, a vocação universal à santidade, desenvolvido no capítulo V desse documento, logo após o capítulo dedicado aos leigos. O Papa expande esse tema tomando ao pé da letra cada uma das Bem-aventuranças de São Mateus: ali está o modelo e o espelho da santidade. Cada uma das bem-aventuranças é traduzida pelo Papa em exemplos tão concretos e presentes no nosso dia-a-dia, que se torna difícil não compreender que se trata de um programa para os dias de hoje. Ser despojado e pobre, cultivar a mansidão e a paciência, sofrer pelo bem, buscar a justiça, aceitar sacrifícios e resistir à maldade, mesmo na perseguição, tudo aceitar por amor, que grande fonte de alegria e felicidade, caminho de santidade para os nossos dias.
A santidade nos dias de hoje – O Papa escolhe, para os dias de hoje, cinco caminhos de santidade. Não são os únicos nem os mais difíceis. Mas são muitas vezes esquecidos até por aqueles que vivem na Igreja. O primeiro caminho é ser paciente, suportar contrariedades, suportar até os defeitos e infidelidades dos outros. Vivemos num mundo tão intolerante, briga-se por qualquer coisa, tudo é motivo de críticas e inimizades. O segundo ponto, ligado ao primeiro, é ser alegre, ter bom humor. Olhe para as pessoas, tantos vivem amargurados, carrancudos, injuriados, ofendidos. O santo não perde o realismo, mas ilumina os outros com um espírito positivo e cheio de esperança. Outro sinal de santidade é a coragem e ousadia para inovar, para transformar, para deixar de lado a comodidade e viver impulsionado pelo amor. Por fim, ninguém fica santo sozinho, sendo egoísta, ensimesmado. O santo é aberto à comunidade e entende que os outros são mais importantes que ele mesmo. E é capaz de unir-se a Deus na oração tanto comunitária como pessoal. Deus é o seu tudo.
Um salto de qualidade na vida cristã – O Papa nos convida a vencer o demônio que nos joga na mediocridade e no vazio. Envenena-nos com o ódio, os vícios, a tristeza e o medo. Nos chama ao discernimento para retomarmos as rédeas de nossa vida, mas não sozinhos e, sim, contando com a ajuda do Espírito Santo. Pedir esse dom, com confiança e humildade nos permite vencer a nossa incapacidade de encontrar sozinhos a salvação. “Peçamos ao Espírito Santo – assim conclui o Papa – que infunda em nós o desejo intenso de ser santos para a maior glória de Deus, e animemo-nos uns aos outros nesse propósito.” (n.177)
Convido a todos a fazer uma leitura atenta e meditada da Exortação “Gaudete e Exsultate”. É mais um presente que o Papa Francisco nos deixa em seu pontificado, com a simplicidade e profundidade de quem lê e se alimenta das páginas do Evangelho.
                                                                               Dom João Bosco, ofm - Bispo de Osasco
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                                                               Fonte: cnbbsul1.org.br    Banner: padresmaristas.com.br

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