Ser santos: um
convite feito a todos
Houve um tempo,
lá nos primórdios da Igreja, em que os seguidores de Jesus eram chamados de
“santos”. Embora se reconhecessem como pecadores, como todos nós, levavam a
sério a consagração batismal que nos faz participar da santidade do corpo de
Cristo. Tinham como propósito realizar o desejo de Jesus (Mt 5,48), recomendado
pelo apóstolo Pedro: “Sede santos, como vosso Pai é santo.” (1Pd 1,16)
Com o passar do
tempo, a santidade passou a ser vista como difícil, coisa para uns poucos
corajosos e heróicos, o processo de canonização que declara que alguém é santo
passou a exigir milagres e martírios.
O Papa Francisco
coloca novamente as coisas no lugar, convidando-nos a ver que a santidade pode
estar entre as pessoas próximas de nós, como uma mãe, ou uma avó que criam seus
filhos na fé e na coragem de ser cristãos. “suas vidas talvez não tenham
sido sempre perfeitas, mas, mesmo no meio de imperfeições e quedas, continuaram
a caminhar e agradaram ao Senhor.”
Proposta do Papa Francisco |
Colocar o ideal
da santidade, de modo apropriado aos dias de hoje, é o que pretende o Papa
Francisco com sua mais recente Exortação apostólica chamada “Alegrai-vos e
Exultai”, ou em latim, como costuma ser o nome dos documentos pontifícios,
“Gaudete et Exsultate”. Vale a pena ler e estudar essa Exortação, que você pode
encontrar nas livrarias ou mesmo baixar no computador em português, com
facilidade.
É o jeito do
Papa Francisco – Este é o quarto grande documento do pontificado de
Francisco (tirando “Lumen Fidei” que ele assinou, mas era quase toda do Papa
Bento). Os quatro documentos têm o mesmo estilo: simples, fácil de assimilar,
uma conversa de pai para filhos. Todos têm já no título a marca da alegria e do
louvor a Deus, atraindo-nos pelo lado positivo, a vida como dom de Deus, um
Deus próximo e amigo, amoroso e cheio de misericórdia. O Papa não faz um
tratado profundo e acadêmico sobre a santidade, nem menciona a dureza de
sacrifícios voluntários e flagelações. Seus exemplos de santidade são
simples e cotidianos: os pais que criam seus filhos com amor, a religiosa que
envelhece e continua sorridente, o trabalhador que cumpre sua missão com
honestidade e competência, o avô ensinando com paciência as crianças a seguirem
Jesus, o servidor público que age não por interesse próprio, mas lutando pelo
bem comum. Santidade não está numa esfera longínqua e inatingível, mas está ao
alcance de todos. O Papa fala direto, como se olhasse nos olhos: “Não
tenhas medo da santidade. Não tenhas medo de te deixares amar por Deus. Não
tenhas medo de te deixares guiar pelo Espírito Santo.” (n.34)
Os inimigos da
santidade – Talvez o leitor tenha a expectativa de que o Papa encontre
empecilhos para a santidade nos prazeres do mundo, na corrupção e nas
violências, nas injustiças, no ateísmo ou na indiferença religiosa. Por certo,
essas realidades estão presentes no horizonte cultural do mundo de hoje e
contrariam o Evangelho, por isso são uma constante preocupação de quem
evangeliza. Mas o Papa elege como inimigos da santidade hoje, os mais perigosos
porque disfarçados, e mais próximos de nós, dois deles: o gnosticismo e o
pelagianismo. As duas palavras são bem estranhas porque se referem a duas
heresias lá do início da Igreja. No entanto o Papa explica em que consiste cada
um desses erros, e diz que eles são de uma “alarmante atualidade”. São perigosos
inimigos porque são falsos modelos de santidade, que podem nos confundir. Em
palavras simples e resumidas, um erro seria formar uma espécie de “seita”
dentro da Igreja. Um grupo que se acha mais santo e mais perfeito, com
conhecimentos mais elevados e se põe a condenar e desprezar os outros. O outro
erro, o de achar que se pode chegar à salvação pelo próprio esforço e
perfeição, e não por bondade gratuita de Deus. Sem querer nenhuma polêmica,
evidente, o Papa expõe agora no novo documento, com clareza a razão das piores
críticas que ele próprio vem sofrendo, não de inimigos da Igreja, mas de grupos
ultraconservadores que estão dentro da própria Igreja e não aceitam a renovação
trazida pelo Concílio Vaticano II, ou dizem que o seu magistério é fraco e sem conteúdo.
No fundo, a mesma crítica e perseguição que Jesus sofreu, no seu tempo, por
parte dos fariseus e doutores da Lei. Essas duas compreensões erradas da
santidade, muito comuns hoje em dia, foram largamente expostas numa recente
carta da Congregação para a Doutrina da Fé, chamada “Placuit Deo”. Ali se pode
ver de forma mais completa o que são essas heresias modernas que envenenam a
vida da Igreja.
O Papa e o
Vaticano II – Podemos dizer que este novo documento papal sobre a
santidade no mundo de hoje é uma continuação do Vaticano II e retoma, pela
primeira vez um dos grandes temas da “Lumen Gentiun”, a vocação universal à
santidade, desenvolvido no capítulo V desse documento, logo após o capítulo
dedicado aos leigos. O Papa expande esse tema tomando ao pé da letra cada uma
das Bem-aventuranças de São Mateus: ali está o modelo e o espelho da santidade.
Cada uma das bem-aventuranças é traduzida pelo Papa em exemplos tão concretos e
presentes no nosso dia-a-dia, que se torna difícil não compreender que se trata
de um programa para os dias de hoje. Ser despojado e pobre, cultivar a mansidão
e a paciência, sofrer pelo bem, buscar a justiça, aceitar sacrifícios e
resistir à maldade, mesmo na perseguição, tudo aceitar por amor, que grande
fonte de alegria e felicidade, caminho de santidade para os nossos dias.
A santidade nos
dias de hoje – O Papa escolhe, para os dias de hoje, cinco caminhos de
santidade. Não são os únicos nem os mais difíceis. Mas são muitas vezes
esquecidos até por aqueles que vivem na Igreja. O primeiro caminho é ser
paciente, suportar contrariedades, suportar até os defeitos e infidelidades dos
outros. Vivemos num mundo tão intolerante, briga-se por qualquer coisa, tudo é
motivo de críticas e inimizades. O segundo ponto, ligado ao primeiro, é ser
alegre, ter bom humor. Olhe para as pessoas, tantos vivem amargurados, carrancudos,
injuriados, ofendidos. O santo não perde o realismo, mas ilumina os outros com
um espírito positivo e cheio de esperança. Outro sinal de santidade é a coragem
e ousadia para inovar, para transformar, para deixar de lado a comodidade e
viver impulsionado pelo amor. Por fim, ninguém fica santo sozinho, sendo
egoísta, ensimesmado. O santo é aberto à comunidade e entende que os outros são
mais importantes que ele mesmo. E é capaz de unir-se a Deus na oração tanto
comunitária como pessoal. Deus é o seu tudo.
Um salto de
qualidade na vida cristã – O Papa nos convida a vencer o demônio que nos
joga na mediocridade e no vazio. Envenena-nos com o ódio, os vícios, a tristeza
e o medo. Nos chama ao discernimento para retomarmos as rédeas de nossa vida,
mas não sozinhos e, sim, contando com a ajuda do Espírito Santo. Pedir esse
dom, com confiança e humildade nos permite vencer a nossa incapacidade de
encontrar sozinhos a salvação. “Peçamos ao Espírito Santo – assim conclui
o Papa – que infunda em nós o desejo intenso de ser santos para a maior
glória de Deus, e animemo-nos uns aos outros nesse propósito.” (n.177)
Convido a todos
a fazer uma leitura atenta e meditada da Exortação “Gaudete e Exsultate”. É
mais um presente que o Papa Francisco nos deixa em seu pontificado, com a
simplicidade e profundidade de quem lê e se alimenta das páginas do Evangelho.
Dom João
Bosco, ofm - Bispo de Osasco
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