sobre
alguns aspectos da salvação cristã
Foi publicada nesta quinta-feira pelo Vaticano a Carta
Apostólica da Congregação para a Doutrina da Fé Placuit Deo aos Bispos da
Igreja Católica sobre alguns aspectos da salvação cristã. O documento é
assinado por Dom Luis Francisco Ladaria Ferrer e por Dom Giacomo Morandi,
respectivamente prefeito e secretário do Dicastério.
Dom Luis Francisco Ladaria Ferrer |
Cidade do Vaticano - A Carta pretende
destacar, na linha da grande tradição da fé e com especial referência ao
ensinamento de Papa Francisco, alguns aspectos da salvação cristã que
possam ser hoje difíceis de compreender por causa das recentes transformações
culturais.
O Texto é dividido em 4 partes com uma introdução e
uma conclusão.
Depois da introdução o segundo ponto fala do Impacto
das transformações culturais de hoje sobre o significado da Salvação cristã.
O mundo contemporâneo questiona, não sem dificuldade,
a confissão da fé cristã, que proclama Jesus o único Salvador de todo o homem e
da humanidade inteira. A carta busca combater duas tendências que estão
crescendo muito em nosso tempo, como falou Papa Francisco em seu discurso em
Florença em novembro de 2015.
“Prolifera em nossos tempos um neo-pelagianismo em
que o homem, radicalmente autônomo, pretende salvar-se a si mesmo sem
reconhecer que ele depende, no mais profundo do seu ser, de Deus e dos outros.”
Já um certo neo-gnosticismo, por outro lado, apresenta
uma salvação meramente interior, fechada no subjetivismo. Essa consiste no
elevar-se “com o intelecto para além da carne de Jesus rumo aos mistérios da
divindade desconhecida”. O texto reafirma que, a salvação consiste na nossa
união com Cristo, que, com a sua Encarnação, vida, morte e ressurreição, gerou
uma nova ordem de relações com o Pai e entre os homens.
A tentação do gnosticismo – recordava o Papa Francisco
em Florença – “leva a confiar no raciocínio lógico e claro, o qual porém perde
a ternura da carne do irmão. O fascínio da gnosticismo é o de “uma fé fechada
no subjetivismo, onde interessa unicamente uma determinada experiência ou uma
série de raciocínios e conhecimentos que se acredita podem confortar e
iluminar, mas onde o objeto em definitiva permanece fechado na iminência da sua
própria razão ou dos seus sentimentos”.
O gnosticismo não pode transcender. A diferença entre
a transcendência cristã e qualquer forma de espiritualismo agnóstico está no
mistério da encarnação. Não colocar em prática, não levar a Palavra à
realidade, significa construir sobre a areia, permanecer na pura ideia e
degenerar em intimismos que não dão frutos, que tornam estéreis o seu
dinamismo”.
O terceiro ponto destaca o desejo humano de salvação.
Toda pessoa, a seu modo, procura a felicidade e tenta
alcançá-la recorrendo aos meios disponíveis. Com frequência, tal desejo
coincide com a esperança da saúde física, às vezes assume a forma de ansiedade
por um maior bem-estar econômico, mais difusamente expressa-se através da
necessidade de uma paz interior e de uma convivência pacífica com o próximo.
A salvação plena da pessoa – evidencia o texto -, não
consiste nas coisas que o homem poderia obter por si mesmo, como o ter ou o
bem-estar material, a ciência ou a técnica, o poder ou a influência sobre os
outros, a boa fama ou a auto-realização. “A vocação última de todos os homens é
realmente uma só, a divina”.
O quarto ponto: Cristo, Salvador e Salvação
Segundo o Evangelho, - sublinha o documento -, a
salvação para todos os povos começa com o acolhimento de Jesus: “Hoje veio a
salvação a esta casa” (Lc 19,9). A Boa Nova da salvação tem um nome e um rosto:
Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador. “No início do ser cristão, não há uma
decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma
Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.
Para responder, quer seja ao reducionismo
individualista da tendência pelagiana, quer seja ao reducionismo neo-gnóstico
que promete uma libertação interior, é necessário recordar o modo como Jesus é
Salvador. Ele não se limitou a mostrar-nos o caminho para encontrar Deus, isto
é, um caminho que poderemos percorrer por nós mesmos, obedecendo às suas
palavras e imitando o seu exemplo. Cristo, todavia, para abri-nos a porta da
libertação, tornou-se Ele mesmo o caminho: “Eu sou o caminho” (Jo 14,6).
Quinto ponto: A salvação na Igreja, corpo de Cristo
O documento deixa claro que “o lugar onde recebemos a
salvação trazida por Jesus é a Igreja”. A Igreja é uma comunidade visível: nela
tocamos a carne de Jesus, de maneira singular nos irmãos mais pobres e
sofredores. Evidencia ainda que a participação, na Igreja, à nova ordem de
relações inauguradas por Jesus realiza-se por meio dos sacramentos, entre eles,
o Batismo que é a porta, e a Eucaristia que é fonte e culmine.
Já na conclusão da Carta sublinha-se que a consciência
da vida plena, na qual Jesus Salvador nos introduz, impulsiona os cristãos à
missão de proclamar a todos os homens a alegria e a luz do Evangelho. Fala-se
da necessidade de se estabelecer um diálogo sincero e construtivo com os
crentes de outras religiões e que a salvação integral, da alma e do corpo, é o
destino final ao qual Deus chama todos os homens.
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Dom Orani João Tempesta comenta a Carta 'Placuit Deo'
A Carta retoma o início da Dei Verbum ratificando o
caminho da salvação em Cristo que deve ser sempre aprofundado e que na
realidade hodierna torna-se de difícil compreensão diante das transformações
culturais, escreve o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro.
Cidade do Vaticano - A Congregação para a Doutrina da Fé publicou esta
quinta-feira, 1°/03, a Carta Apostólica Placuit Deo. O cardeal
arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, comenta alguns aspectos
do documento:
"Uma breve carta dirigida aos bispos, aprovada
pelo Papa Francisco aos 16 de fevereiro de 2018, oriunda da Sessão Plenária da
Congregação da Doutrina da Fé no dia 24 de janeiro de 2018, e, assinada na Sede
da Congregação aos 22 de fevereiro de 2018, publicada nesta quinta-feira, dia
1º de março de 2018, contendo sete laudas que subdividida em seis tópicos, com
15 parágrafos numéricos, incluindo a Introdução; O impacto das transformações
culturais de hoje sobre o significado da salvação cristã; O desejo humano de
salvação; Cristo, Salvador e Salvação; a salvação na Igreja, corpo de Cristo e
concluindo com o Comunicar a fé, esperando o Salvador.
A Carta retoma o início da Dei Verbum ratificando
o caminho da salvação em Cristo que deve ser sempre aprofundado e que na
realidade hodierna torna-se de difícil compreensão diante das transformações
culturais.
No segundo tópico, com três parágrafos, a realidade se
apresenta por meio do «individualismo centrado no sujeito autônomo» , cuja a
figura de Cristo corresponde a um modelo para prática da generosidade em gestos
e palavras, mas não da transformação da condição humana, configurada na
Trindade. Também apresenta uma salvação apenas interior e não de relações com
os demais e com o mundo criado. Assim a Encarnação do Verbo se torna algo cada
vez menos compreensível, distanciando-se da família humana e da história.
No Magistério Ordinário do Papa Francisco menciona
duas tendências ou desvios, semelhando-se, em linhas gerais comuns, a heresias
antigas: pelagianismo e gnosticismo . Espelhando um neo-pelagianismo o
homem atual, autônomo, salva-se sozinho, independente de Deus e dos demais,
tudo depende de suas forças individuais e cegando « novidade do Espírito de
Deus» . Já o neo-gnosticismo oferece uma salvação subjetiva, «com o intelecto
para além da carne de Jesus rumo aos mistérios da divindade
desconhecida».
Libertando, pois, a pessoa do corpo e do mundo
material. Esses erros antigos têm algo de familiar com os atuais movimentos,
apesar das diferenças do contexto histórico. As duas tendências — o
individualismo neo-pelagiano e o desprezo neo-gnóstico do corpo — desconfiguram
a fé em Cristo . A salvação é a nossa união com Cristo Encarnado, Irmão Maior,
que viveu, sofreu, morreu e ressuscitou, proporcionando nova ordem relacional
com o Pai e entre os homens e mulheres, levando-nos ao dom de seu Espírito.
O homem, na ânsia de saber quem é, pois existe, busca
a felicidade utilizando-se de meios diversos para alcança-la. No entanto, a
felicidade se mescla com a esperança da saúde física, com o bem-estar
financeiro, de uma paz interior e convivência pacífica com o outro. A par
disso, o desejo de salvação torna-se um compromisso frente um bem maior,
marcado pela resistência e superação da dor, levando-nos a lutar pelo bem,
defendendo-nos do mal .
«A vocação última de todos os homens é realmente uma
só, a divina». A plenitude da Salvação é o rejeitar a autossuficiência
humana, pensando que coisas e bens materiais lhe proporcionaram a
autorrealização . A revelação é algo mais, pois «Se a redenção, ao contrário,
devesse ser julgada ou medida pela necessidade existencial dos seres humanos,
como poderíamos evitar a suspeita de termos simplesmente criado um Deus-Redentor
à imagem de nossas próprias necessidades?» .
O mundo todo é bom, biblicamente falando! O mal nasce
no coração do homem que se fecha em si mesmo, separando-se da fonte de comunhão
e vida que é Deus . A fé nos leva a uma salvação do homem todo, da pessoa humana
inteira que é chamada a ter vida e vida plena .
Deus nunca desiste do homem e na história da salvação
vemos desde Adão esta fidelidade e o insistir terno de uma aliança que nós
rompemos constantemente. O homem cai, Deus vem e o ajuda a levantar uma, duas,
três e quantas vezes, for necessário. Deus não desistindo de nós, na plenitude
dos tempos, nos envia Jesus que anuncia o Reino e ao acolhê-l’O, acolhemos a
Salvação .
Tradicionalmente a Salvação sempre se dá por
iniciativa e dom de Deus, ou seja, de forma descendente. Com Jesus, dar-se-á
numa dinâmica inversa, de forma ascendente. O agir não será de uma maneira
individualista, mas sempre em comunhão, uma vez que agir humano e agir divino
se coadunam para um único fim: a salvação. Assemelhando-nos a Cristo,
impulsionados pelo Espírito Santo, realizamos as obras do Criador .
Em Jesus Encarnado, O Filho nos faz filhos e irmãos
uns dos outros, tornando-nos uma só família humana numa nova relação com Deus.
Porquanto, Jesus Encarnado possibilita a mediação concreta da salvação de Deus
com os filhos de Adão .
Enfim, nem reducionismo individualista da tendência
pelagiana e nem reducionismo neo-gnóstico que promete uma libertação interior ,
respondem a salvação, uma vez que Jesus é Salvador e Salvação, e «em certo
modo, o princípio de toda graça segundo a humanidade».
Igreja é o local da salvação trazida por Jesus. A
Igreja é mediadora da salvação, «sacramento universal de salvação»,
garantindo que a realização se dá na comunhão de pessoas em comunhão com a Trindade
. Através do Batismo entramos na vereda da Salvação. Podendo crescer sempre
mais com a Eucaristia, fonte e cume do amor. E mesmo caindo podemos ser
regenerados e reconciliados com o Pai e os irmãos, por meio do sacramento da
Penitência .
Esta economia soteriológica dos sacramentos compreende
o corpo humano, que longe de ser peso, torna-se linguagem sacramental. Na
encanação de Jesus e no mistério pascal perpetua-se a obra de misericórdia do
Pai para com os filhos , compadecendo dos sofrimentos destes.
«A salvação integral, da alma e do corpo, é o destino
final ao qual Deus chama todos os homens» . Conscientes da vida plena somos
impulsionados e nos comprometemos a proclamar a todos com alegria e luz a
Boa-Nova: o Evangelho! Para tanto é mister uma relação dialógica, construtiva
com as demais religiões, pois Deus opera em todos, de boa vontade, mesmo que
veladamente. O último inimigo a ser vencido é a morte. Com as virtudes
teologais – fé, esperança e caridade – e o exemplo de Maria e das Testemunhas
cremos que somos cidadãos dos céus e gozaremos da glória eterna .
Vamos aprofundar o texto, deixar que ele ilumine a
nossa realidade de hoje e consequentemente colocar em prática esta importante
carta da Congregação para a Doutrina da Fé e que, mesmo diante das mudanças
sociais, a salvação seja sempre anunciada e oferecida para que muitas pessoas
continuem enamoradas pelo Divino Redentor.
Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
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Fonte: www.vaticannews.va
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