sábado, 21 de dezembro de 2024

Bela reflexão:

Duas mulheres de fé se encontram

Frei Almir Guimarães

A fé não é uma espécie de “capital” que recebemos no batismo e do qual podemos dispor para o resto da vida. A fé é uma atitude viva que nos mantém atentos a Deus, abertos cada dia ao seu mistério de proximidade e amor a cada ser humano. (José Antonio Pagola)

♦ É quase Natal. Quarto domingo: domingo da visita, da visitação. Grande novidade vem do seio de Isabel: uma mulher já de certa idade, estéril surpreende a irrupção da vida em seu seio. Maria, ainda jovem e apenas prometida em casamento, já vê nela florescer aquele que é o desejado das nações. É a alegria do encontro de duas mulheres de fé, duas agraciadas.

♦ Maria de Nazaré, mulher transparente, sempre buscara com sinceridade o rosto do Deus de seus pais. Balbuciava salmos, foi se deixando impregnar das palavras do Altíssimo. É, na verdade, “informada” de que o Altíssimo necessita de seu assentimento para realizar seu plano de amor: Deus quer viver na terra dos homens e convida-los a mergulhar no mistério da Trindade. Depois de breve hesitação a mulher de Nazaré dá seu assentimento. Nela se fez e se fará sempre a vontade de Deus. Ela se vê inundada de imensa alegria que precisa partilhar com alguém.

♦ Toma a decisão de ir ter com sua parenta, Isabel, grávida de seis meses. A cena da visitação já foi descrita de mil maneiras e representada na pintura com as cores da leveza, do frescor, da paz. As duas mulheres se abraçam, se congratulam. O filho de Isabel pula de alegria no ventre da mãe ao encontrar-se com o filho de Maria, Filho do Altíssimo, fazendo-se gente no seio da mãe. Visita querida, jubilosa que termina com exultação. Maria canta o Magnificat, tema de incontáveis peças musicais de refinado brilho. Visita de duas mulheres. Vem à mente a visita os anjos fazem a Abraão junto do carvalho de Mambré, de Jesus visitando Marta, Maria e Lázaro.

♦ No cotidiano da vida irmãos visitam irmãos, amigos visitam amigos. A visita é sinal de atenção, de carinho, de mútuo interesse. Oferecemos hospitalidade uns aos outros. Começamos a viver a alegria da visita antes mesmo do encontro. Seu anuncio já nos faz bem. Para o hóspede preparamos a melhor cama, sobre a mesa a mais bonita das toalhas, limpamos as janelas e colocamos flores nos cantos da sala.

♦ Os que se visitam têm coisas a se dizer. Os que chegam normalmente trazem um presente por mais singelo que seja ou até mesmo mais sofisticado: uma rosa, um bibelô, uma garrafa de vinho, um frasco de perfume. O verdadeiro presente, no entanto, é a presença do amigo.

♦ Bem no coração das visitas ficamos sabendo das alegrias, medos, receios, intuições, esperanças do amigo. Podemos até mesmo sentir que o amigo precisa de dinheiro para pagar uma conta.

♦ Há visitas com motivos grandes e por coisa de nada. “Passei por ai e entrei para te ver!” Belas as visitas em que não há tagarelice.

♦ Visitas particularmente importantes são aquelas que fazemos aos doentes, aos envelhecidos. Quebramos sua solidão e lhes damos ânimo e coragem simplesmente com nossa presença.

♦ Lembramo-nos das visitas que o Senhor nos faz através de suas inspirações, quando ouvimos seus desejos nas páginas das Escrituras, quando permanecemos com ele no sacrário ou quando ele chega perto de nós no olhar triste ou alegre de um irmão.


Relato de Isabel a respeito da visita de Maria

Meditação livre

Assim que se podia ouvir os passos leves de suas sandálias à frente da minha casa, o menino estremeceu dentro de mim.

– “Paz, Isabel!” Assim ela me saudou e sua voz me encheu de uma alegria que até então eu não conhecia. Era um transbordamento jubiloso no Espírito.

Abraçamo-nos em silêncio e foi então que eu tive o pressentimento que não éramos apenas três, quer dizer eu, ela e meu filho. Havia algo a ser perscrutado. Depois do abraço ela colocou suas mãos no meu ventre e olhou para mim sorrindo ao sentir os pés do menino que impaciente se remexia dentro de mim.

Sentamo-nos à sombra do limoeiro. Falei-lhe longamente dos anos da minha esterilidade, anos de desolação e obscura vergonha. Falei de minha reação tão parecida com a de Sara no momento em que meu marido Zacarias voltou mudo do santuário e fez com que eu soubesse que nossa oração fora atendida. No começo não acreditei até o momento em que me dei conta a vida brotava dentro de mim. O Altíssimo havia se lembrado de mim, como se recordara de nossas mães e me havia visitado com o dom da fecundidade. Resolvi, por isso, recolher-me por uns meses. Precisava dar tempo ao meu coração para exprimir toda gratidão no silêncio e na solidão.

Quando terminei meu relato, Maria começou a falar e foi só então que pude abeirar-me de poço profundo em que se escondia seu mistério. Ao ouvi-la, meus olhos deslumbrados viam apenas seu rosto transparente refletido na água. Estava diante de mim a cheia de graça, a verdadeira filha de Sião convocada para ser grande anunciadora de uma alegria e ser também orgulho de seu povo. Nesse momento lembro que lhe disse: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto de teu ventre. Ditosa és tu porque confiaste em Deus como nosso Pai Abraão”.

Recebeu minhas palavras como que acolhendo a água clara de um ribeiro cristalino iluminado pelo sol: “Não te fixes em mim, Isabel, é ao Senhor que cabe louvar, ele que se inclinou para olhar a menor de suas filhas. Encontrou em mim todos aqueles e aquelas que nada possuem, nada pode e somente nele se apoiam. Quando alguém confia em seu amor, ele opera maravilhas. Senta-se à sua mesa. Os que se acham importantes, são afastados de sua presença. Eu nada mais era do que uma terra vazia e pobre e ele pronunciou sobre mim uma palavra exatamente como na manhã da criação. Fez brilhar a luz de um nome novo, o deste filho que cresce dentro de mim. Deus aproximou-se de tal modo de nós como a semente penetra na terra e começa a germinar. Eu não poderia ter dito outra coisa, senão: “Faça-se em mim…” e deixar de lado qualquer inquietação… Não sei como os passos vão se desenrolar. O que posso dizer é que amparo protegida por sua sombra, que nele tenho colocado os meus olhos, como os olhos da escrava se fixam nas mãos de sua senhora (cf Sl 123,2).

Por um momento guardamos silêncio. De repente percebi que ela acariciava minhas mãos ásperas e rugosas e repetia: “Como os olhos da escrava estão fixos nas mãos de sua senhora…” Vamos, Isabel, não te levantes, vou buscar água para que lavar a roupa”.

Já estava saindo com o cântaro, quando de repente parou, voltou-se para mim e disse: “Ainda não te falei o nome de meu filho… Ele vai se chamar Jesus”.

Na calma daquela tarde aquele nome ficou como que suspenso no ar enquanto eu a contemplava, ela que ia cantando… Pensei que teria sido aqui que Zacarias deveria estar oferecendo incenso para que seu perfume se misturasse com a erva colhida, a lenha e o pão que estava para ser feito. Sim, porque o santuário do Santo de Israel era aquela moça que, com o cântaro no ombro, ia deixando atrás de seus passos um rastro de silêncio e uma sinfonia de pássaros nos ciprestes no caminho que leva ao poço.

Dolores Aleixandre, rscj   (Vida Nueva 2330 dez. 2000, p, 8-9)


Maria é o melhor modelo de uma fé viva e confiante. É a mulher que sabe ouvir Deus no fundo de seu coração e vive aberta aos desígnios da salvação. Sua prima Isabel a elogia com estas palavras: “Feliz és tu, porque creste” . Feliz também tu se aprenderes a crer. É a melhor coisa que te pode acontecer na vida,

José Antonio Pagola

____________________________________________________________________________________

FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

______________________________________________________________________________
                                                                                                           Fonte: franciscanos.org.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário