Rezemos pelos fiéis defuntos
A Igreja,
acolhendo uma tradição monástica que vem do século XI, dedica o dia 2 de
novembro à memória dos fiéis defuntos. Depois de ter celebrado a glória e a
felicidade dos Santos, no dia 1 de novembro, a Igreja dedica o dia 2 à oração
de sufrágio pelos “irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição”. Assim
fica perfeita a comunhão de todos os batizados em Cristo.
A Igreja cerca
de especial amor e devoção à memória dos fiéis defuntos, ofereendo-lhes
sufrágios. Na morte de seus filhos, a Igreja celebra o Mistério Pascal do Filho
de Deus, centro de nossa fé. O dia de finados é um convite à esperança,
enquanto aguardamos – “até que ele venha”(cf 1Cor 11,26) – a consumação do
mistério redentor em nossas vidas, através de nossa associação ao mistério da vida
e da morte de Cristo!
A festa de
finados é a rememoração da festa da Páscoa de Cristo celebrada na páscoa de
nossos irmãos e irmãs que migraram deste mundo e entraram na Morada definitiva
do Pai. A Palavra de Deus é o nosso alimento de esperança e coragem para
trilhar o caminho da vida, levando em nossas mãos as nossas dores e alegrias,
as nossas tristezas e as nossas esperanças.
Vivemos num
mundo contraditório, que por um lado banaliza a morte e, por outro, considera-a
um tabu, algo temível e a ser evitado. Será que isto que Jesus nos ensina sobre
a morte? Certamente não! Para Cristo, a morte é um mistério sagrado, o momento
em que partiremos desta vida para vivermos junto de Deus. Cristo não quis
evitar a morte, para em tudo imitar a nossa trajetória terrestre. Mas ainda:
Cristo viveu a morte com amor; ele inseriu um sentido naquilo que não parecia
ter sentido. Apesar da dor da morte daqueles que amamos, vivamos este momento
com amor: deixemos partir aqueles que Deus chama, sejamos generosos com a vida
que recebemos por um breve tempo, e um dia colheremos o cêntuplo – lá onde
“Deus enxugará a lágrima de todos os olhos”(cf. Ap 21,4).
Diante da morte
sejamos vigilantes(Cf. Lc 12,35-40) Lembre-se que a virtude da vigilância é por
si mesma, uma atitude escatológica a aguardar constantemente o retorno do
Senhor. Os servos vigilantes, a representar os membros da comunidade eclesial,
são felizes porque o próprio Senhor, por ocasião de seu advento, fará a função
de servo, cingindo-os e colocando-os à mesa. A vigilância escatológica é a
virtude de quem aguarda o fato derradeiro. Por isso, o Filho do Homem que há de
vir sobre as nuvens dos céus (Dn 7,13), por ocasião da Parusia, assemelha-se ao
ladrão que não avisa a hora do assalto. A vigilância supõe e exige um estado
constante de preparação para o juízo escatológico, colocando os fiéis de Cristo
em estado permanente de crise, de modo especial, aqueles que têm a missão de
anunciar o Reino à semelhança do administrador fiel e prudente. Neste caso, a
escatologia possui uma dimensão presente e eclesial, pois o juízo definitivo
supõe a avaliação das atividades atuais dos fiéis, mediante as penas impostas
pelo Senhor. A provação dos últimos tempos acentua a responsabilidade histórica
do cristão, sobremaneira agradecido pelos bens messiânicos: a quem muito se deu
e foi confiado, muito será pedido e reclamado.
Bento XVI
advertiu: “Caros amigos, a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de
todos os fiéis defuntos dizem-nos que somente quem pode reconhecer uma grande esperança
na morte, pode também levar uma vida a partir da esperança. Se nós reduzirmos o
homem exclusivamente à sua dimensão horizontal, àquilo que se pode sentir de
forma empírica, a própria vida perde o seu profundo sentido. O homem tem
necessidade de eternidade, e para ele qualquer outra esperança é demasiado
breve, é demasiado limitada. O homem só é explicável, se existir um Amor que
supere todo o isolamento, também o da morte, numa totalidade que transcenda até
o espaço e o tempo. O homem só é explicável, só encontra o seu sentido mais
profundo, se Deus existir. E nós sabemos que Deus saiu do seu afastamento e
fez-se próximo, entrou na nossa vida e diz-nos: «Eu sou a ressurreição e a
vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e
crê em mim, jamais morrerá» (Jo 11, 25-26).
O Papa Francisco
coloca como obra de misericórdia rezar pelos mortos: “A última obra de
misericórdia espiritual pede para rezar pelos vivos e pelos defuntos. A essa
podemos acrescentar também a última obra de misericórdia corporal, que convida
a enterrar os mortos. Este último pode parecer um pedido estranho; e, em vez
disso, em algumas partes do mundo que vivem sob o flagelo da guerra, com
bombardeios que dia e noite semeiam medo e vítimas inocentes, esta obra é
tristemente atual. A Bíblia tem um belo exemplo a propósito: aquele do velho
Tobit que, arriscando a própria vida, enterrava os mortos apesar da
proibição do rei (cfr Tb 1, 17-19; 2, 2-4). Também hoje há quem arrisca a vida
para dar sepultura às pobres vítimas das guerras. Portanto, esta obra de
misericórdia corporal não está distante da nossa exigência cotidiana. E nos faz
pensar naquilo que acontece na Sexta-Feira Santa, quando a Virgem Maria,
com João e algumas mulheres, estavam junto à cruz de Jesus. Depois da sua
morte, vem José de Arimateia, um homem rico, membro do Sinédrio, mas que se
tornou discípulo de Jesus, e oferece para ele o seu sepulcro novo, escavado na
rocha. Foi pessoalmente a Pilatos e pediu o corpo de Jesus: uma verdadeira obra
de misericórdia feita com grande coragem (cfr Mt 27, 57-60)! Para os cristãos,
a sepultura é um ato de piedade, mas também um ato de grande fé. Colocamos no
túmulo o corpo dos nossos entes queridos, com a esperança de sua ressurreição
(cfr 1 Cor 15, 1-34). Este é um rito que permanece muito forte e sentido no
nosso povo, e que encontra ressonâncias especiais neste mês de novembro
dedicado em particular à recordação e à oração pelos defuntos. Rezar pelos
defuntos é, antes de tudo, um sinal de reconhecimento pelo testemunho que
deixaram e o bem que fizeram. É um agradecimento ao Senhor por tê-los dado e
pelo seu amor e sua amizade. A Igreja reza pelos defuntos de modo
especial durante a Santa Missa. Diz o sacerdote: “Lembrai-vos, Senhor, dos
vossos filhos que nos precederam com o sinal da fé e dormem o sono da paz. Dai
a eles, Senhor, e a todos que repousam em Cristo, a beatitude, a luz e a paz”
(Cânon romano). Uma recordação simples, eficaz, cheia de significado, porque
confia os nossos entes queridos à misericórdia de Deus. Rezemos com esperança
cristã que estejam com Ele no paraíso, à espera de nos encontrarmos juntos
naquele mistério de amor que não compreendemos, mas que sabemos ser verdadeiro
porque é uma promessa que Jesus fez. Todos ressuscitaremos e todos
permaneceremos para sempre com Jesus, com Ele.”
Rezemos pelos
fiéis defuntos! Hoje essa será nossa devoção. Amanhã será nossos irmãos que
rezarão em favor de nossas almas. E, por favor, não se esqueça de rezar pelas
almas do purgatório! Amém!
Dom Eurico dos Santos Veloso - Arcebispo Emérito de Juiz de Fora
....................................................................................................................................... Fonte: cnbbleste2.org.br Ilustração: soucatequista.com.br
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