Sete situações que a grave realidade nos oferece:
ficar, faxinar, pensar, desligar, fortalecer, rezar e acreditar…
ficar, faxinar, pensar, desligar, fortalecer, rezar e acreditar…
1. Há uns cinco
anos, conheci um jovem casal, com uma filha, cujo marido e pai, piloto de avião
de uma grande companhia aérea, com muitas viagens de trabalho, me disse:
“trocaria, com alegria, minhas milhas para ficar mais em casa com a minha
família”. Essa fala me impactou profundamente. Pensei: enquanto tantas pessoas
buscam acumular milhas, com viagens e compras, para poder viajar mais,
encontrei alguém disposto a trocar milhas para não viajar e poder ficar em
casa. Hoje, diante da necessária e legítima insistência para o “isolamento
social”, me recordei desse fato. Para aqueles e aquelas que, no momento, podem
colocar em prática tal recomendação, penso que esse testemunho pode dar um
sentido profundo a essa oportunidade “forçada”, que pode se tornar extremamente
prazerosa. Quando conseguimos dar sentido às experiências vividas, tudo se
torna mais leve e suportável, principalmente as cruzes inerentes à condição
humana. É hora de ficar em casa e lembrar também dos nossos irmãos que não têm
moradia!
Dom Luiz Antonio Lopes Ricci |
3. Pensar é a
capacidade de admirar-se diante de tudo, espantar-se, ultrapassar e transcender
o que se vê, ir além. Nada é óbvio! Se não pensamos, renunciamos ao que é
próprio da natureza humana. Trata-se de buscar a verdade das coisas: o que é
bom, belo, verdadeiro e justo. Pensar não é tarefa fácil, sobretudo diante das
muitas informações que nos chegam quase em tempo real, muitas delas fake news
ou desinformação. Quantas vezes repassamos uma informação sem verificar a
autenticidade do fato e a autoria. Renunciamos à arte de pensar. Não temos
tempo nem para isso. Conheço uma pessoa que, com frequência, diz agradecer a
Deus pela insônia, porque assim ela tem mais tempo para pensar no silêncio da
noite. Que belo e profundo! Será que queremos dormir logo para não termos tempo
para pensar? Pensar dói ou cura? Pensar também é fazer poesia: a arte de ir além
da aparência. Nesse sentido, assim se expressa Adélia Prado: “Deus de vez em
quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. É certo que a
vida não é linear e às vezes experimentamos a aridez e não conseguimos ir além
da pedra. Faz parte! A vida é assim mesmo. Contudo,
até a aridez pode ser fecunda, para os que têm a coragem de pensar e enfrentar
os desertos que a vida apresenta. Agora temos tempo para pensar!
4. Circuit
Breaker: desligar o disjuntor. Não conhecia esse mecanismo utilizado pelo
Mercado financeiro nas Bolsas de Valores. Trinta minutos podem “acalmar o
Mercado” e dar maior serenidade para os investidores que estão sob pressão,
evitando assim decisões precipitadas. Desde a primeira vez em que tomei
conhecimento dessa expressão, na semana passada, fiz uma aplicação para a nossa
vida. Lembrei-me de que quando criança, minha mãe desligava a “chave geral do
relógio” de energia, para alguns consertos domésticos. Também quando
adolescente, fazia o mesmo. Não havia disjuntor. Hoje temos no quadro de
energia disjuntores específicos e o geral. Quando a rede sobrecarrega o
disjuntor cai por si… é um mecanismo de segurança… Desligar é preciso…
reiniciar também… Quantas vezes, diante de pressões e tensões, nos deixamos
levar pelas emoções e não desligamos o disjuntor. No caso humano, é melhor
desligar do que deixar cair… pode ser fatal. Pensemos nisso! Reaprender a
silenciar antes de reagir.
5. Fortaleza:
trata-se de uma virtude cardeal e Dom do Espírito Santo. Estamos na Quaresma,
enfrentando, nesse tempo favorável, uma grande e concreta provação planetária,
que requer esforço e reflexão pessoais. Entramos no Deserto com Jesus.
Portanto, “em frente” com serenidade e “enfrente” com fortaleza e fé em Cristo.
6. Rezar com Santo
Agostinho: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis
que estavas dentro e eu, fora. E aí te procurava e lançava-me nada belo ante a
beleza que tu criaste. Estavas comigo e eu não contigo. Seguravam-me longe de
ti as coisas que não existiriam, se não existissem em ti. Chamaste, clamaste e
rompeste minha surdez, brilhaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira.
Exalaste perfume e respirei. Agora anelo por ti. Provei-te, e tenho fome e
sede. Tocaste-me e ardi por tua paz”.
Com Santa Teresa
D’Avila:
“Nada te perturbe,
Nada te espante, Tudo passa, Deus não muda, A paciência tudo alcança; Quem a
Deus tem, Nada lhe falta: Só Deus basta. Eleva o pensamento, Ao céu sobe, Por
nada te angusties, Nada te perturbe. A Jesus Cristo segue, Com grande entrega,
E, venha o que vier, Nada te espante”.
E com o Papa
Francisco, Mensagem ao Clero de Roma (27-02-2020), para vencer a amargura,
texto perfeitamente aplicável a todos os fiéis cristãos.
“Nós esperávamos
que fosse Ele”, confidenciaram os discípulos de Emaús uns aos outros (cf. Lc
24, 21). Uma esperança desiludida está na raiz da sua amargura. Mas devemos
refletir: foi o Senhor que nos decepcionou ou trocamos a esperança pelas nossas
expectativas? A esperança cristã não desilude e não falha. Ter esperança não é
convencer-se de que as coisas vão melhorar, mas que tudo o que acontece faz
sentido à luz da Páscoa. Mas para esperar de maneira cristã, é necessário viver
uma vida de oração substanciosa. É assim que se aprende a distinguir entre
expectativas e esperanças. Agora, o relacionamento com Deus — mais do que
decepções pastorais — pode ser uma causa profunda de amargura. Às vezes, quase
parece que Ele não corresponde às expectativas de uma vida plena e abundante
que tivemos… Às vezes, uma adolescência inacabada não te ajuda a passar dos
sonhos para a spes (esperanças) Talvez… sejamos demasiado “bonzinhos” na nossa
relação com Deus e não ousamos protestar na oração, como o salmista faz muitas
vezes — não só por nós, mas também pelo nosso povo; porque o pastor também
carrega as amarguras do seu povo — mas os salmos também foram “censurados” e
quase nunca fazemos nossa uma espiritualidade de protesto. Então
caímos no cinismo: infelizes e um pouco frustrados. O verdadeiro protesto — do
adulto — não é contra Deus, mas diante dele, porque nasce precisamente da
confiança n’Ele: o orante recorda ao Pai quem Ele é e o que é digno do Seu
nome. Devemos santificar o seu nome, mas às vezes os discípulos têm de acordar
o Senhor e dizer-lhe: “não te importas que pereçamos?” (Mc 4, 35-41). Então, o
Senhor quer envolver-nos diretamente no Seu reino. Não como espectadores, mas
participando ativamente. Qual é a diferença entre a expectativa e a esperança?
A expectativa nasce quando passamos a vida a salvar a nossa vida: andamos atarefados
à procura de segurança, recompensas, promoções… Quando recebemos o que
queremos, quase sentimos que nunca morreremos, que será sempre assim! Porque o
ponto de referência somos nós. Ao contrário, a esperança é algo que nasce no
coração, quando decidimos deixar de nos defender. Quando reconheço as minhas
limitações, e que nem tudo começa e nem acaba comigo, então reconheço a
importância de ter confiança”.
7. Concluo com uma
pérola, que encontrei na Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Querida Amazônia”: “Com
efeito, onde houver uma necessidade peculiar, Ele (o Espírito Santo) já
infundiu carismas que permitam dar-lhe resposta”. Portanto, peçamos ao Espírito
Criador, Consolador e Defensor que venha em nosso auxílio, dando-nos
discernimento para encontrar, em meio à pandemia do Coronavirus, caminhos de
serenidade, contribuição, ajuda, fortaleza e esperança. À luz da fé cristã,
sabemos que todo bem, sabedoria e conhecimento vêm de Deus. Portanto, rezemos
para que os pesquisadores e cientistas encontrem medicamentos e vacinas capazes
de curar e prevenir… rezemos pelos médicos e profissionais de saúde que se
colocam a serviço da vida… rezemos pelos governantes e autoridades sanitárias
para que inspirados pelo Espirito Santo ofereçam eficientes respostas… rezemos
por nós, pelos nossos e por todos e todas, especialmente os mais vulneráveis,
pobres e desassistidos. Vem Espírito Santo vem, vem iluminar!
Senhor Jesus, pela
vossa Dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro!
Unidos nas orações
e solidariedade fraterna que nos fazem próximos, apesar da “distância”, pedindo
a intercessão de Nossa Senhora da Saúde, de São Camilo e São José, que hoje
celebramos, Patrono universal da Igreja e das famílias, suplicamos, com
humildade e gratidão, a Bênção do Bom Deus a cada um, a cada uma, e a toda a
família humana.
Em frente com
serenidade!
Enfrente com
coragem e fé!
Dom Luiz Antonio
Lopes Ricci - Bispo Auxiliar de Niterói (RJ)
.............................................................................................................................................................
Fonte: cnbb.org.br Foto: arqnit.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário