A quem escutar?
No centro da
passagem conhecida como “transfiguração do Senhor” (cf. Mt 17,1-9),
apresenta-se uma questão central: a quem o cristão deve escutar? A palavra
ouvida do Pai responde que aquele que é seu discípulo pelo batismo se coloca à
sua escuta. “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado.
Escutai-o” (Mt 17,5). De fato, nosso tempo carece da qualidade de “ouvir”,
sabemos melhor “olhar”. E o olhar logo produz uma reação, positiva ou negativa.
Escutar é o princípio do caminho espiritual, colocar-se disponível para uma
“Palavra” que orienta nossa vida. A diferença é básica: no olhar eu sou o
centro, o que eu vejo e o que eu julgo; na escuta, embora sempre seletiva de
nossa parte, me remete a outro que vem a mim e me fala. Escutar a Deus, no seu
Filho, e seu evangelho é o caminho cristão. A vida não se transfigura pelo
olhar, mas pela escuta. O caminho quaresmal, parafraseando o Papa Francisco,
deve nos ajudar a subir o monte e tirar a cera que se acumulou nos nossos
ouvidos, como quem já se acostumou a viver a fé, sem grandes novidades
(Mensagem aos novos bispos, 10 de setembro de 2015).
Dom Adelar Baruffi |
De fato, somente
quem tem a coragem de uma atitude de recolhimento, de subir a montanha, a
convite de Jesus (cf. Mt 17,1), conseguirá conhecer a identidade de Jesus
Cristo. Ele não é somente um grande, o mais exemplar dos humanos, mas muito
mais, ele é o “Filho de Deus”, “este é o meu filho amado” (Mt 17,5). O “Filho
amado” vem nos falar e se mostra a nós: “Escutai-o” (v.5). Os discípulos de
Jesus Cristo só terão a certeza de quem é Jesus se superarem o medo do
silêncio, de subir a montanha, de deixar a ansiedade do cotidiano, de ousar
subir o monte e estar com ele. No nosso caso, há muitos modos de realizar este
propósito. Não deixemos de aceitar um convite para um retiro de família, de
jovens, de um movimento ou das lideranças. Eles são momentos preciosos,
sobretudo neste tempo da Quaresma. Este envolvimento de estar com o Senhor
levou Pedro a dizer: “Senhor, é bom ficarmos aqui” (Mt 17,4). A transfiguração
do discípulo se dá neste encontro, que pode ter tantos nomes e caminhos, mas
sempre no silêncio com o Senhor, numa comunidade de fé, na escuta atenta da
Palavra e na vivência da caridade. Como precisamos aprender a arte de escutar
mais e, muitas vezes, também calar. Deixar que a transfiguração nos molde
conforme o olhar de Cristo.
A nós, os
participantes de nossas comunidades, o pedido de Jesus é deixar-se
constantemente transfigurar por Ele, pela sua Palavra. “Jesus quer
evangelizadores que anunciem a Boa-Nova, não só com palavras, mas, sobretudo,
com uma vida transfigurada pela presença de Deus” (EG n, 259). Mas, a vida
cristã se concretiza no cotidiano e, sobretudo na compaixão, como nos ensina a
Campanha da Fraternidade deste ano. De fato, aquele que se deixa transfigurar
pelo cotidiano encontro com o Ressuscitado terá mais condições de viver a
compaixão. Sua ação não será somente uma boa ação social. Será muito mais, uma
extensão do coração de Deus, que no seu Filho soube se aproximar e amar.
Façamos o
propósito de, a partir de nossa vivência de fé, olharmos nossos familiares com
acolhida e respeito; superarmos nossa indiferença com os “sobrantes” da
sociedade; visitar um asilo ou os doentes, muitas vezes esquecidos; ajudar uma
causa de promoção da vida humana, contra a corrupção e a violência. Assim,
poderemos “de coração purificado, entregues à oração e à pratica do amor
fraterno, preparar-nos para celebrar os mistérios pascais, que nos deram vida
nova e nos tornaram filhos e filhas vossos” (Prefácio da Quaresma I).
Dom Adelar Baruffi - Bispo de Cruz Alta (RS)
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Fonte: vaticannews.va Foto: radiocoracao.org
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