O escândalo
do desenvolvimento da doutrina
Em 2000 anos
de história, a Igreja desenvolveu uma doutrina que baseia seus fundamentos na
Sagrada Escritura, na Tradição e em seu magistério vivo, crescendo cada vez
mais na inteligência da fé.
Cidade do Vaticano - O anúncio
da modificação
do Catecismo da Igreja Católica sobre o tema da pena de morte tem
gerado um intenso debate ao redor do mundo. Cada desenvolvimento
da doutrina na história da Igreja suscitou consensos ou críticas
construtivas, mas também resistências e rejeições.
Hoje pode
provocar barulho uma nota da Amoris
laetitia ou um novo ensinamento sobre a pena de morte, mas olhando
para trás, percorrendo rapidamente 2.000 anos de cristianismo, vemos que muitas
coisas mudaram e hoje chegamos a supor que sempre tenha sido assim. O fato é
que toda mudança pode gerar escândalo e confusão.
A pena de
morte na Bíblia
Basta ler a
Bíblia para compreender quanto caminho foi percorrido. Hoje ficamos
horrorizados diante de certas ordens dadas por Deus a Moisés, conforme relatado
pelas Sagradas Escrituras. Em Levítico (Capítulo 20), o Senhor ordena matar
idólatras, adúlteros, sodomitas, incestuosos e mesmo aqueles que maltratam o
pai ou a mãe deve ser condenados à morte. É certo que Moisés viveu mais de
3.000 anos atrás. Naturalmente, essas ordens estão contidas no Antigo
Testamento, mas no final da leitura sempre dizemos: Palavras do Senhor.
Progressos
doutrinais na primeira comunidade cristã
Pensemos no
trauma vivido pelos primeiros cristãos convertidos do judaísmo: quanta coragem
que tiveram ao ter de abandonar as leis fundamentais do seu povo, como a
circuncisão. Quanta abertura de mente e de espírito para aceitar os pagãos na
Igreja, na época algo considerado ilícito.
Pedro -
narram os Atos dos Apóstolos - já havia recebido o Espírito Santo, mas ainda
não o entendia. Somente diante de um centurião romano, Cornélio, e sua família,
é iluminado e diz: "Em verdade, reconheço que Deus não faz distinção de
pessoas, mas em toda nação lhe é agradável aquele que o temer e fizer o que é
justo. Deus enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando-lhes a boa
nova da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos."
Nesta frase,
"eu reconheço" há todo o gradual progresso de nosso conhecimento da
verdade de Deus. Um caminho que não termina enquanto durar a história. Cresce a
inteligência da fé.
Primeiros
Concílios Ecumênicos
Pense no
caminho da Igreja nos primeiros Concílios Ecumênicos ao estabelecer os
fundamentos das verdades cristãs, a partir da Trindade e dos dogmas
cristológicos. Tantas as lutas contra as heresias neste período sob o lema "Extra
ecclesiam nulla salus" (fora da Igreja não há salvação). Nenhum paraíso,
portanto, para os não-batizados.
No entanto,
pouco a pouco se compreendeu de maneira mais profunda este conceito, como diz a
Declaração Dominus
Jesus assinada pelo cardeal Ratzinger: "Quanto ao modo como
a graça salvífica de Deus, dada sempre através de Cristo no Espírito e em
relação misteriosa com a Igreja, atinge os não cristãos, o Concílio Vaticano II
limitou-se a afirmar que Deus a dá « por caminhos só por Ele conhecidos"
(n.21). Entendemos sempre melhor que Deus quer salvar a todos.
Heresias e
violência
A luta contra
os heréticos, contra aqueles que pensam de maneira diferente, sabemos disto,
trouxe terríveis consequências na história: guerras religiosas, fogueira,
inquisição. Ainda que muitas lendas obscuras promovidas pela propaganda
anticatólica tenham sido desmascaradas por historiadores, não nos escondamos
atrás de um dedo: a Igreja, filha de seu tempo, muitas vezes compartilhou a sua
mentalidade.
Hoje trememos
ao ler a Bula pontifícia "Ad Extirpanda", promulgada em 1252 pelo
Papa Inocêncio IV e confirmada pelo Papa Alexandre IV em 1259 e pelo Papa
Clemente IV em 1265: o documento aprovava a tortura dos suspeitos de
heresia, embora muito reduzida quando comparada com o que foi feito por
contemporâneos: não devia buscar mutilações, nem derramamento de sangue, nem a
morte. Tudo isso porque a salvação da alma era considerada acima de todas as
coisas. Quantas mudanças desde então.
Compreensão
gradual da liberdade de consciência
E quanto
caminho foi percorrido em relação à doutrina da Encíclica Mirari
vos do Papa Gregório XVI, de 1832. É óbvio, estamos em um contexto
histórico muito difícil para o papado, passaram-se quase 200 anos, mas algumas
frases nos fizeram compreender melhor as razões dos progressos doutrinais.
Gregorio XVI
define a liberdade de consciência como um "delírio" um "erro
venenoso", que abre o caminho para "aquela total e irrestrita
liberdade de opinião, que aumenta cada vez mais em detrimento da Igreja e do
Estado", em acréscimo "àquela péssima, nunca suficientemente
execrável, detestável e abominável "liberdade da imprensa" em
divulgar escritos de qualquer tipo". A Igreja aprendeu melhor a entender o
que é a liberdade também daqueles que não estão na Igreja.
Escandalizado
por uma doutrina em mudança
O escândalo
do desenvolvimento da doutrina esconde um problema central da fé: uma Lei que
não muda dá segurança e poder ao homem que, desta forma, consegue controlar os
seus comportamentos religiosos e também a manipular as exigências das normas
divinas. Uma Lei que muda, tira esse poder e o coloca nas mãos de um Outro.
Esta foi a grande batalha de Jesus com os fariseus. Jesus se colocou como Lei
viva, enquanto os fariseus pediam uma Lei escrita e silenciosa que eles
pudessem administrar.
Se a Lei é
viva, ela não deixa de falar e de dizer coisas novas e, acima de tudo, nos
força a mudar. Isto não nos agrada, porque em cada um de nós existe sempre um
fariseu que aparece com as suas razões imutáveis e imóveis. A lei do amor, no
entanto, nos move, nos impele a um contínuo êxodo do eu para o tu. É um
contínuo progredir no conhecimento da verdade absoluta que é Deus e Deus é
amor. E o amor nos obriga a mudar para o outro. A beleza é que também Deus -
que é o mesmo ontem, hoje e sempre - mudou por amor a nós: e se fez homem.
Pertencer à
verdade
Voltando
Pedro perante os pagãos, estava aprendendo que não era ele o mestre da verdade,
mas que ele pertencia à Verdade. Enquanto falava, o Espírito Santo desceu sobre
todos os que ouviam seu discurso: "Os fiéis da circuncisão, que tinham
vindo com Pedro, profundamente se admiraram, vendo que o dom do Espírito Santo
era derramado também sobre os pagãos; pois eles os ouviam falar em outras
línguas e glorificar a Deus. Então Pedro tomou a palavra: Porventura pode-se
negar a água do batismo a estes que receberam o Espírito Santo como nós? “. É
Deus que nos faz compreender sempre melhor a Si mesmo. Nos faz compreender que
a essência do cristianismo é o amor.
Nenhum Pedro
será contra a Igreja
Por fim, para
aqueles que contrapõe Bento XVI e João Paulo II a Francisco, podemos recordar
as reconfortantes palavras pronunciadas pelo Papa Ratzinger em 27
de maio de 2006 em Cracóvia, diante de um milhão de jovens.
Aos jovens
crescidos na fé fé pelo Papa Wojtyla, Papa Bento XVI diz com força: "Não
tenha medo de construir sua vida na Igreja e com a Igreja! Tenha orgulho do
amor por Pedro e pela Igreja que lhe foi confiada. Não se deixe enganar por
aqueles que querem se opor a Cristo para a Igreja! (...) Vocês jovens
conheceram bem o Pedro dos nossos tempos. Não tenhais medo de construir a vossa
vida na Igreja e com a Igreja! Sede orgulhosos do amor a Pedro e à Igreja que
lhe foi confiada (...). Vós, jovens, conhecestes bem o Pedro dos nossos tempos.
Por isso, não vos esqueçais que nem aquele Pedro que da janela de Deus Pai está
a observar o nosso encontro, nem este Pedro que agora se encontra diante de
vós, nem qualquer Pedro sucessivo jamais será contra vós, nem contra a
construção de uma casa duradoura sobre o rochedo. Ao contrário, ele há-de
empenhar o seu coração e ambas as suas mãos para vos ajudar a edificar a vossa
vida sobre Cristo e com Cristo".
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