Solidariedade contra os "cem anos de solidão"
Bogotá (RV) – O
primeiro compromisso oficial do Papa Francisco em Bogotá foi com autoridades,
diplomatas e representantes da sociedade civil. Diante do Presidente da
Colômbia, Juan Manuel Santos, o Pontífice enalteceu a biodiversidade e a
cultura do país. Mas, de modo especial, manifestou seu apreço pelos esforços
feitos nas últimas décadas para combater a violência armada e encontrar
caminhos de reconciliação.
“Os passos dados
fazem crescer a esperança, na convicção de que a busca da paz é uma obra sempre
em aberto, uma tarefa que não dá tréguas e exige o compromisso de todos”,
afirmou o Papa, recordando que no centro de toda ação política, social e
econômica deve estar a pessoa humana, a sua dignidade e o respeito pelo bem
comum.
A força da lei
“Não é a lei do
mais forte, mas a força da lei (a lei que é aprovada por todos) que rege a
convivência pacífica”, recordou Francisco. Leis que não nascem de uma exigência
pragmática de ordenar a sociedade, mas do desejo de resolver as causas
estruturais da pobreza que geram exclusão e violência. “Não esqueçamos que a
desigualdade é a raiz dos males sociais”, reiterou, encorajando a olhar para
todos aqueles que hoje são excluídos e marginalizados pela sociedade.
Cem anos de
solidão
Francisco é recebido em Bogotá |
Os colombianos
não estão sós
Para o
Pontífice, o tempo gasto no ódio e na vingança é muito, e a solidão de estar
sempre uns contra os outros aproxima-se dos cem anos. E concluiu falando do
motivo da visita apostólica: “Quis vir aqui para dizer-lhes que não estão
sozinhos, que somos muitos que queremos acompanhar esta etapa. Esta viagem quer
ser um incentivo para vocês, uma contribuição que aplane de algum modo o
caminho para a reconciliação e a paz”.
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Papa Francisco:
Jovens, mantenham viva a alegria
Bogotá (RV) - O
Papa Francisco saudou e abençoou o povo colombiano da sacada do Palácio
Cardinalício, em Bogotá, nesta quinta-feira (07/07). “Com grande alegria, os
saúdo e agradeço a calorosa recepção”, disse o Papa aos cerca de vinte e dois
mil jovens presentes na Praça Bolívar.
Paz
Citando um
trecho do Evangelho de Lucas que diz: “A paz esteja nesta casa”, o Papa
sublinhou:
Papa Francisco saúda e abençoa o povo colombiano |
“Venho também
para aprender; sim, aprender com vocês, com a sua fé e fortaleza perante a
adversidade”, disse Francisco, ressaltando que os colombianos vivem momentos
difíceis, mas que o Senhor está sempre com eles. O Papa os encorajou a
continuar buscando e desejando a paz, aquela paz autêntica e duradoura.
Alegria
“Vejo aqui
muitos jovens que vieram de toda parte do país. Para mim é sempre motivo de
alegria encontrar-me com os jovens. Digo-lhes neste dia: mantenham viva a
alegria, sinal do coração jovem que encontrou o Senhor”, frisou o Papa.
Francisco
convidou os jovens a não terem medo do futuro e a sonharem alto. Disse que os
jovens têm “uma sensibilidade especial para reconhecer o sofrimento dos
outros”.
Disponibilidade
“O voluntariado
do mundo inteiro nutre-se de milhares de jovens como vocês que são capazes de
disponibilizar o seu tempo, renunciar a comodidades, a projetos centrados em si
mesmos, para se deixarem comover pelas necessidades dos mais frágeis e
dedicar-se a eles. Mas também pode acontecer que tenham nascido em ambientes
onde a morte, o sofrimento e a divisão penetraram tão profundamente que lhes
deixaram nauseados e anestesiados: deixem-se ferir e mobilizar pelo sofrimento
de seus irmãos colombianos! E a nós, os mais velhos, ajudem-nos a não nos
acostumarmos ao sofrimento e ao abandono”.
Encontro
O Papa disse que
os jovens têm grande facilidade de se encontrar. Eles se encontram na música,
na arte, e “até uma final entre o Atlético Nacional e o América de Cali se
torna ocasião para estar juntos!”
“Vocês nos
ensinam que a cultura do encontro não significa pensar, viver ou reagir todos
do mesmo modo; mas saber que, independentemente de nossas diferenças, todos
somos parte de algo grande que nos une e transcende, somos parte desse país
maravilhoso”, sublinhou Francisco.
Perdão
O Papa destacou
que os jovens têm a capacidade duma coisa muito difícil na vida: perdoar. Pediu
aos jovens para que ensinem aos adultos a deixarem para trás as ofensas e
olharem para frente sem o obstáculo do ódio.
“Que as suas
aspirações e projetos oxigenem a Colômbia e a encham de utopias salutares”,
disse o Pontífice aos jovens. “Tenham a coragem de descobrir o país que se
esconde por detrás das montanhas: aquele país que transcende os títulos dos
jornais e não aparece nas preocupações diárias por estar tão longe; aquele país
que não se vê, mas faz parte desse corpo social que precisa de nós. A coragem
de descobrir a Colômbia profunda”, concluiu Francisco. (MJ)
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Segue, na
íntegra, o discurso do Papa Francisco
Queridos irmãos
e irmãs!
Com grande
alegria, vos saúdo e agradeço a calorosa recepção. «Em qualquer casa em que
entrardes, dizei primeiro: “A paz esteja nesta casa!” E, se lá houver um homem de
paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós» (Lc 10, 5-6).
Hoje entro nesta
casa que é a Colômbia, dizendo-vos: «A paz esteja convosco!» Tal era a forma de
saudação de todo o judeu e também de Jesus. Com efeito, quis vir aqui como peregrino
de paz e de esperança e desejo viver estes momentos de encontro com alegria,
dando graças a Deus por todo o bem que realizou nesta nação, na vida de cada
pessoa.
Venho também
para aprender; sim, aprender convosco, com a vossa fé, com a vossa fortaleza
perante a adversidade. Vivestes momentos difíceis e obscuros, mas o Senhor está
perto de vós, no coração de cada filho e filha deste país. Ele não tem
preferências, não exclui ninguém, mas abraça a todos; e todos somos importantes
e necessários para Ele. Durante estes dias, queria partilhar convosco a verdade
mais importante: Deus ama-vos com amor de Pai e encoraja-vos a continuar a
procurar e desejar a paz, aquela paz que é autêntica e duradoura.
Vejo aqui muitos
jovens que vieram de toda a parte do país: originários de Bogotá (cachacos),
habitantes da costa (costeños), da região de Antioquia, Caldas, Risaralda e
Quindío (paisas), do Vale do Cauca (vallunos) e das planícies (llaneros). Para
mim é sempre motivo de alegria encontrar-me com os jovens. Eis o que vos digo
neste dia: mantende viva a alegria, sinal do coração jovem que encontrou o
Senhor. Ninguém vo-la poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Não vo-la deixeis roubar,
cuidai dessa alegria que tudo unifica no facto de saber-se amado pelo Senhor. O
fogo do amor de Cristo faz transbordar esta alegria e é suficiente para
incendiar o mundo inteiro. Então que poderia impedir-vos de mudar esta
sociedade e realizar os vossos propósitos? Não temais o futuro! Ousai sonhar
grandes coisas! É a este sonhar em grande que hoje vos quero convidar.
Vós, os jovens,
tendes uma sensibilidade especial para reconhecer o sofrimento dos outros; o
voluntariado do mundo inteiro nutre-se de milhares de jovens como vós que sois
capazes de disponibilizar o vosso tempo, renunciar a comodidades, a projetos
centrados em vós mesmos, para vos deixardes comover pelas necessidades dos mais
frágeis e dedicar-vos a eles. Mas também pode acontecer que tenhais nascido em
ambientes onde a morte, o sofrimento, a divisão penetraram tão profundamente, que
vos tenham deixado quase nauseados e como que anestesiados: deixai-vos ferir e
mobilizar pelo sofrimento dos vossos irmãos colombianos! E a nós, os mais
velhos, ajudai-nos a não nos habituarmos ao sofrimento e ao abandono.
Também vós,
moços e moças que viveis em ambientes complexos, com diferentes realidades e
situações familiares tão variadas, vos habituastes a ver que nem tudo é branco
ou preto, mas que a vida diária se apresenta numa ampla gama de diferentes
tonalidades de cinzento e que isto pode expor-vos ao risco de cair numa
atmosfera de relativismo, deixando de lado esta potencialidade que têm os
jovens de compreender a dor daqueles que sofreram. Vós não tendes apenas a
capacidade de julgar, assinalar erros, mas também a capacidade bela e construtiva
de compreender. Compreender que, mesmo por detrás de um erro (porque o erro é
erro, e não se deve mascará-lo), há uma infinidade de razões, de atenuantes.
Quanto precisa de vós a Colômbia, para se colocar na pele daqueles que, há
muitas gerações, não puderam ou não souberam fazê-lo, ou não atinaram com o
modo justo para chegar a compreender!
Para vós,
jovens, é tão fácil encontrar-vos. É suficiente um bom café, uma bebida ou
qualquer outra coisa como pretexto para suscitar o encontro. Os jovens
encontram-se na música, na arte... Até uma final entre o Atlético Nacional e o
América de Cali se torna ocasião para estar juntos! Vós podeis ensinar-nos que
a cultura do encontro não significa pensar, viver ou reagir todos do mesmo
modo; mas saber que, independentemente das nossas diferenças, todos somos parte
de algo de grande que nos une e transcende, somos parte deste país maravilhoso.
A vossa
juventude também vos torna capazes duma coisa muito difícil na vida: perdoar.
Perdoar a quem nos feriu; é digno de nota ver como não vos deixais enredar por
velhas histórias, como olhais de modo estranho quando nós, adultos, repetimos
histórias de divisão simplesmente porque estamos presos a rancores. Ajudais-nos
neste intento de deixar para trás aquilo que nos ofendeu, ajudais-nos a olhar
para a frente sem o obstáculo do ódio, porque nos fazeis ver toda a realidade
que temos à nossa frente, toda a Colômbia que deseja crescer e continuar a
desenvolver-se; esta Colômbia que precisa de todos e que nós, os mais velhos,
devemos entregar a vós.
Por isso mesmo
vós, jovens, enfrentais o enorme desafio de nos ajudar a sanar o nosso coração,
de nos contagiar com a esperança juvenil que está sempre disposta a conceder
aos outros uma segunda oportunidade. Os ambientes de desespero e incredulidade
fazem adoecer a alma: são ambientes que não encontram saída para os problemas e
boicotam aqueles que procuram encontrá-la, danificam a esperança de que toda a
comunidade necessita para avançar. Que as vossas aspirações e projetos oxigenem
a Colômbia e a encham de salutares utopias!
Só assim
encontrareis a coragem de descobrir o país que se esconde por detrás das
montanhas: aquele país que transcende os títulos dos jornais e não aparece nas
preocupações diárias por estar tão longe; aquele país que não se vê mas que faz
parte deste corpo social que precisa de nós. A coragem de descobrir a Colômbia
profunda! Os corações dos jovens sentem-se estimulados perante os grandes
desafios. Quanta beleza natural para ser contemplada, sem necessidade de a
espoliar! Quantos jovens como vós precisam da vossa mão estendida, do vosso
ombro para vislumbrar um futuro melhor!
Hoje quis viver
estes momentos convosco. Tenho a certeza de que, em vós, existe o potencial
necessário para construir a nação que sempre sonhamos. Os jovens são a
esperança da Colômbia e da Igreja; no seu caminhar e nos seus passos, vislumbramos
os do Mensageiro da Paz, d’Aquele que traz boas notícias.
Queridos irmãos
e irmãs deste amado país! Dirijo-me agora a todos – crianças, jovens, adultos e
idosos – como quem deseja ser portador de esperança; que as dificuldades não
vos oprimam, que a violência não vos abata, que o mal não vos vença. Temos fé
que Jesus, com o seu amor e a sua misericórdia que permanecem para sempre,
venceu o mal, o pecado e a morte. Basta apenas ir ao encontro d’Ele.
Convido-vos ao compromisso – não ao resultado alcançado – na renovação da
sociedade, para que seja justa, estável, fecunda. Daqui vos encorajo a confiar
no Senhor, o único que nos sustenta e encoraja para podermos contribuir para a
reconciliação e a paz.
Abraço-vos a
todos e cada um: aos doentes, aos pobres, aos marginalizados, aos necessitados,
aos idosos, aos que estão em casa... a todos; todos estais no meu coração. E
peço a Deus que vos abençoe. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.
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Papa aos bispos
colombianos:
Nenhum muro é eterno, nenhuma chaga é incurável
Bogotá (RV) - “A
Colômbia precisa da vossa visão, própria de Bispos, a fim de a apoiar na
coragem do primeiro passo para a paz definitiva, a reconciliação, o repúdio da
violência como método, a superação das desigualdades que são a raiz de tantos
sofrimentos, a renúncia ao caminho fácil mas sem saída da corrupção.”
Francisco se dirige a seus irmãos no episcopado |
Já em suas
primeiras palavras no discurso aos bispos, o Pontífice deu o tom desta sua
visita pastoral ao país andino: “Venho anunciar Cristo e, em seu nome, realizar
um caminho de paz e reconciliação. Cristo é a nossa paz! Reconciliou-nos com
Deus e entre nós!”
“Por isso, como
peregrino, me dirijo à vossa Igreja. Sou vosso irmão, desejoso de partilhar
Cristo ressuscitado, para Quem nenhum muro é eterno, nenhum medo é
indestrutível, nenhuma chaga é incurável.”
Guardiões e
sacramento do primeiro passo
“«Dar o primeiro
passo» é o lema da minha visita e constitui também a minha primeira mensagem
para vós. Bem sabeis que Deus é o Senhor do primeiro passo. Ele sempre nos
antecede”, disse Francisco.
Deus nos precede
sempre: somos os ramos e não a videira. Portanto, “não silencieis a voz
d’Aquele que vos chamou, nem vos iludais de que sejam a soma das vossas pobres
virtudes ou os elogios dos poderosos de turno que asseguram o resultado da
missão que Deus vos confiou”, exortou o Papa.
Francisco
lembrou aos bispos que a oração na vida deles é a seiva vital que passa através
da videira, sem a qual o ramo murcha tornando-se infrutífero.
Tornar visível a
identidade do bispo de sacramento do primeiro passo de Deus
“Na verdade,
tornar palpável a identidade de sacramento do primeiro passo de Deus exigirá um
êxodo interior contínuo. «De fato não há convite para amar mais eficaz do que
ser os primeiros a amar»”, pelo que nenhum campo da missão episcopal pode
prescindir desta liberdade de realizar o primeiro passo.” Dito isso, o Bispo de
Roma fez a seus irmãos no episcopado mais uma forte exortação:
“Não vos meçais
com o metro daqueles que quereriam que fósseis apenas uma casta de funcionários
submetidos à ditadura do presente. Ao contrário, mantende o olhar sempre fixo
na eternidade d’Aquele que vos escolheu, prontos a receber o julgamento
decisivo dos seus lábios.”
Lançando olhar
para a multifacetária realidade eclesial colombiana, disse:
“Na complexidade
do rosto desta Igreja colombiana, é muito importante preservar a singularidade
das suas diferentes e legítimas forças, as sensibilidades pastorais, as
peculiaridades regionais, as memórias históricas, as riquezas das peculiares
experiências eclesiais.”
“Procurai com
perseverança a comunhão entre vós. Nunca vos canseis de a construir através do
diálogo franco e fraterno, condenando como uma peste os projetos escondidos.
Sede solícitos a dar o primeiro passo, de um para o outro. Antecipai-vos na
disponibilidade a compreender as razões do outro”, acrescentou pedindo ainda
aos bispos que tenham uma sensibilidade particular para com as raízes
afro-colombianas de seu povo, que tão generosamente têm contribuído para
desenhar o rosto desta terra.
Tocar a carne do
corpo de Cristo
“Convido-vos a
não ter medo de tocar a carne ferida da vossa história e da história do vosso
povo. Fazei-o com humildade, sem a vã pretensão de protagonismo mas com o
coração indiviso, livre de comprometimentos ou servilismos. Só Deus é o Senhor
e, a nenhuma outra causa, se deve submeter a nossa alma de Pastores.”
Após ressaltar
que a Colômbia precisa da visão deles, própria de bispos, a fim de a apoiar na
coragem do primeiro passo para a paz definitiva e a reconciliação, fez um
convite à superação da miséria e da desigualdade.
«Não imaginava
que fosse mais fácil começar uma guerra do que terminá-la», disse, citando o
escritor colombiano, Nobel da Literatura (1982), Gabriel Garcia Marques.
A guerra deriva
de quanto há de mais baixo no nosso coração, disse o Papa, acrescentando, “ao
contrário, a paz impele-nos a ser maiores do que nós mesmos”.
“Colômbia
precisa de vós para se reconhecer no seu verdadeiro rosto cheio de esperança
não obstante as suas imperfeições, para se perdoarem uns aos outros não
obstante as feridas ainda não totalmente cicatrizadas”, frisou Francisco.
A palavra da
reconciliação
“Muitos podem
dar a sua contribuição para os desafios desta nação, mas a vossa missão é
peculiar. Não sois técnicos nem políticos; sois Pastores. Cristo é a palavra de
reconciliação escrita nos vossos corações e tendes a força para a poder
pronunciar nos púlpitos, nos documentos eclesiais ou nos artigos dos
periódicos, e mais ainda no coração das pessoas, no santuário secreto das suas consciências.”
Francisco
convidou ainda os bispos colombianos a manterem o olhar sempre fixo no homem
concreto, lembrando que “o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado
se esclarece verdadeiramente”.
Uma Igreja em
missão
Antes de
despedir-se, reconhecendo o generoso trabalho pastoral que realizam,
apresentou-lhes alguns anseios que traz em seu coração de pastor, movido pelo
desejo de os exortar a ser cada vez mais uma Igreja em missão.
Pediu atenção à
família, à defesa da vida em todas as suas fases, manifestou preocupação pela
chaga da violência e do alcoolismo, pela fragilidade do vínculo matrimonial e
pelos tantos jovens ameaçados pelo vazio da alma.
Por fim, pediu
aos bispos que sejam paternos para com seus sacerdotes vigiando sobre as raízes
espirituais deles e cuidando da sua formação. Atenção também pelos consagrados
e consagradas, pelos fiéis leigos.
Igreja na
Amazônia
Por fim, um
pensamento aos desafios da Igreja na Amazônia:
“Convido-vos a
não abandonar a si mesma a Igreja na Amazônia. A consolidação dum rosto
amazônico para a Igreja que peregrina aqui é um desafio para todos vós, que
depende do crescente e consciencioso apoio missionário de todas as dioceses
colombianas e de todo o seu clero. Ouvi dizer que, nalgumas línguas nativas da
Amazônia, para referir a palavra «amigo», usa-se a expressão «o outro meu
braço». Sede, pois, o outro braço da Amazônia. A Colômbia não a pode amputar,
sem ficar mutilada no seu rosto e na sua alma.” (RL)
.............................................................................................................................................................Papa aos bispos do Celam:
A missão se faz com paixão e no corpo a corpo
Bogotá (RV) – Um
dos discursos mais esperados do Papa Francisco, em Bogotá, foi dirigido aos
bispos latino-americanos e do Caribe na tarde desta quinta-feira (7). O
encontro com o Comitê Diretivo do Celam, o Conselho Episcopal Latino-Americano,
aconteceu na Nunciatura Apostólica.
Em sinal de
gentileza, o Santo Padre agradeceu pelo esforço da presença de cada um, já que
o encontro não pôde ser realizado na sede do organismo católico em Bogotá, “uma
casa ao serviço da comunhão e da missão da Igreja na América Latina”, além de
ser um “ponto de referência vital para a compreensão e aprofundamento da catolicidade
latino-americana”.
Francisco
alinhavou seu discurso remetendo-se ao Rio de Janeiro, quatro anos atrás,
quando falou sobre a “herança pastoral de Aparecida” e destacou a necessidade
permanente de aprender com o método local, que “coloca a missão de Jesus no
coração da própria Igreja”. Iniciativas que não são “programáticas que enchem
agendas e desperdiçam preciosas energias”, mas que são baseadas “na
participação das Igrejas locais”, com peregrinos que buscam Deus através da
manifestação da “Virgem pescada nas águas”, e se estendem “na missão
continental”.
O esforço na
realização desse método, sustentou o Papa, deve se transformar num “critério
para medir a eficácia das estruturas, os resultados do trabalho, a fecundidade
dos ministros e a alegria que são capazes de suscitar. Porque, sem alegria, não
se atrai ninguém”.
Ainda lembrando
suas manifestações no Rio, o Papa se deteve às tentações, presentes ainda hoje,
“da ideologização da mensagem evangélica, do funcionalismo eclesial e do
clericalismo”.
“Deus, quando
fala ao homem em Jesus, não o faz com um apelo vago como a um estranho, nem com
uma convocação impessoal como faria um notário, nem mesmo com uma declaração de
preceitos para cumprir como faz qualquer funcionário do sagrado. Deus fala com a
voz inconfundível do Pai que se dirige ao filho, e respeita o seu mistério pois
foi Ele que o formou com as suas próprias mãos e destinou à plenitude. O nosso
maior desafio como Igreja é falar ao homem como porta-voz desta intimidade de
Deus. [...] Por isso, não se pode reduzir o Evangelho a um programa ao serviço
de um gnosticismo na moda, a um projeto de promoção social nem a uma visão da
Igreja como burocracia que se autopromove; e a Igreja também não pode ser
reduzida a uma organização dirigida, com modernos critérios empresariais, por
uma casta clerical.”
Francisco,
assim, insistiu sobre o “discipulado missionário”, aquele “permanente sair com
Jesus” em direção aos irmãos, usando os “instrumentos” de Deus, isto é,
“proximidade e encontro”. O Papa, então, chamou a atenção para realidades
da Igreja que jamais devem ser consideradas monumentos, mas patrimônio vivo,
como de Aparecida, “um tesouro, cuja descoberta ainda está incompleta”.
“É muito mais
cômodo transformá-las em recordações, de que se celebram os aniversários: 50
anos de Medellín, 20 de Ecclesia in America, 10 de Aparecida! Trata-se, porém,
de algo diverso: salvaguardar e fazer fluir a riqueza desse patrimônio (pater
munus) constituem o munus da nossa paternidade episcopal para com a Igreja do
nosso Continente.”
O encontro com
Cristo vivo, prosseguiu Francisco, deve ser cultivado para que a missão
pastoral não perca a força e não haja retrocesso da conversão pastoral:
“Nós precisamos
ainda mais deste estar a sós com o Senhor, para reencontrar o coração da missão
da Igreja na América Latina, nas circunstâncias atuais. Há tanta dispersão
interior e também exterior! Os numerosos eventos, a fragmentação da realidade,
a instantaneidade e a velocidade do presente poderiam fazer-nos cair na
dispersão e no vazio. Reencontrar a unidade é um imperativo. Onde se encontra a
unidade? Sempre em Jesus. [...] Se a razão do nosso caminhar não é Ele, será
fácil desanimar no meio da fadiga do caminho, perante a resistência dos
destinatários da missão, face aos cenários mutáveis das circunstâncias que
marcam a história, ou pelo cansaço dos pés devido ao desgaste insidioso causado
pelo inimigo.”
O Papa, então,
questiona: “o que significa sair com Jesus em missão, hoje, na América
Latina?”. A missão no continente, insistiu Francisco, é vencer a tentação dos
“bizantinismos dos ‘doutores da lei’, e partir com Jesus que “enquanto caminha,
encontra; quando encontra, se aproxima; quando se aproxima, fala; quando fala,
toca com o seu poder; quando toca, cura e salva”. Trata-se, então, de
diariamente “trabalhar no campo, lá onde vive o Povo de Deus”. A missão “se faz
no corpo a corpo”.
Francisco também
sublinhou a “dispersão” que desagrega hoje o continente e disse para se ter
cuidado para “não ficar preso nessas armadilhas”. Segundo o Papa, “a Igreja não
está na América Latina como se tivesse as malas na mão”, pronta pra partir
depois de ter sido saqueada, como muitos fizeram ao longo do tempo:
“Homens e
utopias fortes prometeram soluções mágicas, respostas instantâneas, efeitos
imediatos. A Igreja, sem pretensões humanas, respeitosa do rosto multiforme do
Continente – que considera, não uma desvantagem, mas uma riqueza perene – deve
continuar humildemente a prestar o seu serviço ao verdadeiro bem do homem
latino-americano. Deve trabalhar incansavelmente por construir pontes, abater
muros, integrar a diversidade, promover a cultura do encontro e do diálogo,
educar para o perdão e a reconciliação, para o sentido de justiça, a rejeição
da violência e a coragem da paz. Nenhuma construção duradoura na América Latina
pode prescindir desta base invisível, mas essencial. A Igreja conhece, como
poucos, aquela unidade sapiencial que antecede toda e qualquer realidade na
América Latina.”
O Papa
Francisco, então, trouxe as imagens de Guadalupe e de Aparecida, como
“manifestações programáticas dessa criatividade divina”, “o sentido de Deus e
da sua transcendência”.
Sobre a situação
vivida hoje na América Latina, o Pontífice disse que não é permitido lamúrias,
porque “sabemos que bem que o coração latino-americano foi treinado para a
esperança” e lembrou de João Bosco:
“Como dizia um
cantor e compositor brasileiro, ‘a esperança é equilibrista; dança na corda
bamba de sombrinha’ (cf. João Bosco, O Bêbado e o Equilibrista). Quando se
pensava que tinha acabado, eis que ressurge onde menos se esperava. O nosso
povo aprendeu que nenhuma decepção é capaz de o vencer. Segue Cristo flagelado
e manso, sabe aguardar que se faça dia e permanecer na esperança da sua
vitória, porque, no fundo, está ciente de não pertencer totalmente a este
mundo.”
O Papa também
pediu aos bispos do Celam que, mesmo com estatísticas e notícias que trazem a
caricatura de jovens “adormecidos” ou perdidos nas drogas e em meio à
violência, que invistam tempo e recursos na formação, através de “programas
educacionais incisivos e objetivos”.
Já ao que tange
o rosto feminino da América Latina, Francisco reservou palavras de grande
admiração. O Papa as definiu como “protagonistas na Igreja latino-americana”:
“Penso nas mães
indígenas ou morenas, penso nas mulheres das cidades com o seu triplo turno de
trabalho, penso nas avós catequistas, penso nas consagradas e nas artesãs tão
discretas do bem. Sem as mulheres, a Igreja do Continente perderia a força de
renascer continuamente. São as mulheres que, com meticulosa paciência, acendem
e reacendem a chama da fé.”
Por sua vez, os
leigos, disse o Papa, continuam à espera do desafio de um papel que os veja
capazes de incidir na consolidação da democracia política e social, no
contribuir à prosperidade, à justiça e à paz nos países. Para Francisco, “a
Esperança na América Latina passa pelo coração, pela mente e os braços dos
leigos”, através de uma “simplicidade cristã que se esconde aos poderosos e
manifesta aos humildes”.
O Papa então
resumiu o seu discurso na paixão pelo servir para “transformar as ideias em
utopias viáveis”: “por favor, irmãos, peço-vos paixão, paixão evangelizadora”.
(AC)
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Bogotá (RV) –
Antes de celebrar a Missa no Parque Simon Bolívar, o Papa Francisco encontrou o
Comitê Diretivo do CELAM.
Eis a íntegra de
seu discurso (sem os acréscimos feitos espontaneamente):
“Queridos
irmãos!
Obrigado por
este encontro e pelas calorosas palavras de boas-vindas do Presidente da
Conferência do Episcopado Latino-Americano. Se o programa da viagem
consentisse, teria preferido encontrar-vos na sede do CELAM. Agradeço-vos a
delicadeza de estardes aqui neste momento.
Agradeço o
esforço que fazeis para transformar esta Conferência Episcopal Continental numa
casa ao serviço da comunhão e da missão da Igreja na América Latina; num centro
propulsor da consciência de discípulos e missionários; num ponto de referência
vital para a compreensão e aprofundamento da catolicidade latino-americana,
delineada gradualmente por este organismo de comunhão durante decênios de
serviço. E considero propícia a ocasião para encorajar os recentes esforços
tendentes a expressar esta solicitude colegial por meio do Fundo de
Solidariedade da Igreja Latino-Americana.
Francisco também enalteceu
as mulheres latino-americanas e abordou os jovens e leigos do continente
|
Há quatro anos,
no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de vos falar sobre a herança pastoral de
Aparecida, último evento sinodal da Igreja da América Latina e do Caribe. Então
destacara a necessidade permanente de aprender com o seu método, baseado
essencialmente na participação das Igrejas locais e em sintonia com os
peregrinos que caminham em busca do rosto humilde de Deus, que quis
manifestar-Se na Virgem pescada nas águas; método que se prolonga na missão
continental que pretende ser, não a soma de iniciativas programáticas que
enchem as agendas e também desperdiçam preciosas energias, mas o esforço por
colocar a missão de Jesus no coração da própria Igreja, transformando-a em
critério para medir a eficácia das estruturas, os resultados do trabalho, a
fecundidade dos ministros e a alegria que são capazes de suscitar. Porque, sem
alegria, não se atrai ninguém.
Detive-me então
nas tentações, ainda presentes, da ideologização da mensagem evangélica, do
funcionalismo eclesial e do clericalismo, porque em jogo está sempre a salvação
que Cristo nos traz. Esta deve chegar ao coração do homem com a força de
interpelar a sua liberdade, convidando-o a um êxodo permanente da sua
auto-referencialidade para a comunhão com Deus e com os irmãos.
Deus, quando
fala ao homem em Jesus, não o faz com um apelo vago como a um estranho, nem com
uma convocação impessoal como faria um notário, nem mesmo com uma declaração de
preceitos para cumprir como faz qualquer funcionário do sagrado. Deus fala com
a voz inconfundível do Pai que se dirige ao filho, e respeita o seu mistério, pois
foi Ele que o formou com as suas próprias mãos e destinou à plenitude. O nosso
maior desafio como Igreja é falar ao homem como porta-voz desta intimidade de
Deus, que o considera um filho, mesmo quando este renega tal paternidade,
porque, para Ele, somos sempre filhos reencontrados.
Por isso, não se
pode reduzir o Evangelho a um programa ao serviço de um gnosticismo na moda, a
um projeto de promoção social nem a uma visão da Igreja como burocracia que se
autopromove; e a Igreja também não pode ser reduzida a uma organização
dirigida, com modernos critérios empresariais, por uma casta clerical.
A Igreja é a
comunidade dos discípulos de Jesus; a Igreja é Mistério e Povo (cf. Lumen
gentium, 5; 9), ou melhor dito: nela realiza-se o Mistério através do Povo de
Deus.
Por isso,
insisti sobre o discipulado missionário como uma chamada divina para este tempo
de hoje, complexo e carregado de tensões, um permanente sair com Jesus para
conhecer como e onde vive o Mestre. E, ao mesmo tempo que saímos na sua
companhia, conhecemos a vontade do Pai, que sempre nos ouve. Só uma Igreja
Esposa, Mãe, Serva, que renunciou à pretensão de controlar o que não é obra sua
mas de Deus, pode permanecer com Jesus, mesmo quando o seu ninho e refúgio é a
cruz.
Proximidade e
encontro são os instrumentos de Deus, que, em Cristo, Se aproximou e sempre nos
encontrou. O mistério da Igreja é realizar-se como sacramento desta proximidade
divina e como lugar permanente deste encontro. Daqui a necessidade da
proximidade do Bispo a Deus, porque n’Ele está a fonte da liberdade e da força
do coração do Pastor, bem como da proximidade ao Povo santo que lhe foi confiado.
Nesta proximidade, a alma do apóstolo aprende a tornar palpável a paixão de
Deus pelos seus filhos.
Aparecida é um
tesouro, cuja descoberta ainda está incompleta. Tenho certeza de que cada um de
vós descobre quanto a sua riqueza se enraizou nas Igrejas que trazeis no
coração. Como os primeiros discípulos enviados por Jesus no seu projeto
missionário, também nós podemos contar com entusiasmo tudo o que fizemos (cf.
Mc 6, 30).
Mas é necessário
estar atentos. As realidades indispensáveis da vida humana e da Igreja não são
jamais um monumento, mas um patrimônio vivo. É muito mais cômodo transformá-las
em recordações, de que se celebram os aniversários: 50 anos de Medellín, 20 de
Ecclesia in America, 10 de Aparecida! Trata-se, porém, de algo diverso: salvaguardar
e fazer fluir a riqueza desse patrimônio (pater munus) constituem o múnus da
nossa paternidade episcopal para com a Igreja do nosso Continente.
Bem sabeis que a
renovada consciência, de que no início de tudo está sempre o encontro com
Cristo vivo, exige que os discípulos cultivem a familiaridade com Ele; caso
contrário, ofusca-se o rosto do Senhor, a missão perde força, retrocede a
conversão pastoral. Assim, rezar e cultivar o relacionamento com Ele é a
atividade mais improrrogável da nossa missão pastoral.
Aos seus
discípulos, entusiasmados com a missão cumprida, Jesus dizia: «Vinde,
retiremo-nos para um lugar deserto» (Mc 6, 31). Nós precisamos ainda mais deste
estar a sós com o Senhor, para reencontrar o coração da missão da Igreja na
América Latina, nas circunstâncias atuais. Há tanta dispersão interior e também
exterior! Os numerosos eventos, a fragmentação da realidade, a instantaneidade
e a velocidade do presente poderiam fazer-nos cair na dispersão e no vazio.
Reencontrar a unidade é um imperativo.
Onde se encontra
a unidade? Sempre em Jesus. O que torna permanente a missão não é o entusiasmo
que inflama o coração generoso do missionário, embora sempre necessário; mas
sim a companhia de Jesus por meio do seu Espírito. Se em missão não sairmos com
Ele, rapidamente perderemos o caminho, arriscando-nos a confundir as nossas vãs
necessidades com a sua causa. Se a razão do nosso caminhar não é Ele, será
fácil desanimar no meio da fadiga do caminho, perante a resistência dos
destinatários da missão, face aos cenários mutáveis das circunstâncias que
marcam a história, ou pelo cansaço dos pés devido ao desgaste insidioso causado
pelo inimigo.
Não faz parte da
missão ceder ao desânimo, quando porventura, passado o entusiasmo do início,
chega o momento em que tocar a carne de Cristo se torna muito duro. Numa
situação como esta, Jesus não acalenta os nossos medos. E, como sabemos muito
bem que não há mais ninguém para quem possamos ir porque só Ele tem palavras de
vida eterna (cf. Jo 6, 68), consequentemente é necessário aprofundar a nossa
vocação.
Concretamente,
que significa sair com Jesus em missão, hoje, na América Latina? O advérbio
«concretamente» não é um detalhe de estilo, mas pertence ao núcleo da pergunta.
O Evangelho é sempre concreto, nunca um exercício de estéreis especulações.
Conhecemos bem a tentação frequente de perder-se em bizantinismos dos «doutores
da lei», de saber até aonde se pode ir sem perder o controle do próprio
território demarcado ou do suposto poder que os limites garantem.
Muito se falou
sobre a Igreja em estado permanente de missão. Sair, partir com Jesus é a
condição desta realidade. O Evangelho fala de Jesus que, saído do Pai,
percorre, com os seus, os campos e as povoações da Galileia. Não é inútil este
percurso do Senhor. Enquanto caminha, encontra; quando encontra, aproxima-Se;
quando Se aproxima, fala; quando fala, toca com o seu poder; quando toca, cura
e salva. Levar ao Pai aqueles que encontra é o objetivo do seu permanente sair,
sobre o qual devemos refletir continuamente. A Igreja deve reapropriar-se dos
verbos que o Verbo de Deus conjuga na sua missão divina. Sair para encontrar,
sem passar ao largo; reclinar-se sem desleixo; tocar sem medo. Trata-se de ir
dia após dia trabalhar no campo, lá onde vive o Povo de Deus que vos foi
confiado. Não é lícito deixar-nos paralisar pelo ar condicionado dos
escritórios, pelas estatísticas e pelas estratégias abstratas. É necessário
dirigir-se à pessoa na sua situação concreta; não podemos afastar o olhar dela.
A missão realiza-se num corpo a corpo.
Uma Igreja capaz
de ser sacramento de unidade
Vê-se tanta
dispersão ao nosso redor! E não me refiro apenas à rica diversidade que sempre
caracterizou o Continente, mas às dinâmicas de desagregação. É preciso ter
cuidado para não ficar preso nestas armadilhas. A Igreja não está na América
Latina como se tivesse as malas na mão, pronta a partir depois de a ter
saqueado, como muitos fizeram ao longo do tempo. Aqueles que assim se
comportam, olham com um sentido de superioridade e desprezo para o seu rosto
mestiço; pretendem colonizar a sua alma com as mesmas fórmulas, falidas e
recicladas, sobre a visão do homem e da vida, repetem receitas iguais matando o
paciente enquanto enriquecem os médicos que os mandam; ignoram as razões
profundas que habitam no coração do seu povo e que o tornam forte precisamente
nos seus sonhos, nos seus mitos, apesar dos numerosos desencantos e falimentos;
manipulam politicamente e atraiçoam as suas esperanças, deixando atrás de si
terra queimada e o terreno pronto para o eterno retorno do mesmo, ainda que se
reapresente com novas vestes. Homens e utopias fortes prometeram soluções
mágicas, respostas instantâneas, efeitos imediatos. A Igreja, sem pretensões
humanas, respeitosa do rosto multiforme do Continente – que considera, não uma
desvantagem, mas uma riqueza perene – deve continuar humildemente a prestar o
seu serviço ao verdadeiro bem do homem latino-americano. Deve trabalhar
incansavelmente por construir pontes, abater muros, integrar a diversidade,
promover a cultura do encontro e do diálogo, educar para o perdão e a
reconciliação, para o sentido de justiça, a rejeição da violência e a coragem
da paz. Nenhuma construção duradoura na América Latina pode prescindir desta
base invisível, mas essencial.
Francisco com bispos do CELAM |
Guadalupe e
Aparecida são manifestações programáticas desta criatividade divina. Bem
sabemos que isto faz parte do fundamento sobre o qual se apoia a religiosidade
popular do nosso povo; faz parte da sua singularidade antropológica; é um dom
com que Deus Se quis dar a conhecer ao nosso povo. As páginas mais luminosas da
história da nossa Igreja foram escritas precisamente quando soubemos nutrir-nos
desta riqueza, falar a este recôndito coração que palpita salvaguardando, como
um pequeno tição aceso sob as cinzas aparentes, o sentido de Deus e da sua
transcendência, a sacralidade da vida, o respeito pela criação, os laços de
solidariedade, a alegria de viver, a capacidade de ser felizes sem condições.
Para falar a
esta alma que é profunda, para falar à América Latina profunda, a Igreja deve
aprender continuamente com Jesus. O Evangelho diz que falava só em parábolas
(cf. Mc 4, 34). Imagens que co-envolvem e tornam participantes, que transformam
os ouvintes da sua Palavra em personagens das suas narrações divinas. O santo
Povo fiel de Deus na América Latina não compreende outra linguagem sobre Ele.
Somos convidados a ir em missão não com conceitos frios que se contentam com o
possível, mas com imagens que continuamente multiplicam e desenvolvem as suas
forças no coração do homem, transformando-o em grão semeado em terreno bom, em
fermento que aumenta a capacidade de fazer pão da massa, em semente que esconde
a força da árvore fecunda.
Uma Igreja capaz
de ser sacramento de esperança
Muitos se
lamentam duma certa falta de esperança na América Latina de hoje. A nós, não é
permitido ser lamurientos, porque a esperança que temos vem do Alto. Além
disso, sabemos bem que o coração latino-americano foi treinado para a
esperança. Como dizia um cantor e compositor brasileiro, «a esperança é
equilibrista; dança na corda bamba de sombrinha» (cf. João Bosco, O Bêbado e a
Equilibrista). Quando se pensava que tinha acabado, eis que ressurge onde menos
se esperava. O nosso povo aprendeu que nenhuma decepção é capaz de o vencer.
Segue Cristo flagelado e manso, sabe aguardar que se faça dia e permanecer na
esperança da sua vitória, porque, no fundo, está ciente de não pertencer
totalmente a este mundo.
Não há dúvida
que a Igreja, nestas terras, é de modo particular um sacramento de esperança,
mas é necessário vigiar sobre a concretização desta esperança. Quanto mais
transcendente, tanto mais deve transformar o rosto imanente daqueles que a
possuem. Peço-vos que vigieis sobre a concretização da esperança e permiti que
vos lembre alguns dos seus rostos já visíveis nesta Igreja latino-americana.
A esperança na
América Latina tem um rosto jovem
Fala-se
frequentemente dos jovens (proclamam-se estatísticas sobre o Continente do
futuro); alguns referem notícias sobre a sua alegada decadência e quanto
estejam adormecidos, outros aproveitam-se do seu poder de consumir, e não falta
quem lhes proponha o papel de peões dos tráficos ilícitos e da violência. Não
vos deixeis capturar por tais caricaturas sobre os jovens. Fixai-os nos olhos e
procurai neles a coragem da esperança. Não é verdade que estão prontos a
repetir o passado. Abri-lhes espaços concretos nas Igrejas particulares que vos
estão confiadas, investi tempo e recursos na sua formação. Proponde programas
educacionais incisivos e objetivos a realizar, pedindo-lhes – como os pais
pedem aos filhos – que ponham em ato as suas potencialidades e educando o seu
coração para a alegria da profundidade, não da superficialidade. Não vos
contenteis com retóricas ou opções escritas nos planos pastorais mas jamais
postas em prática.
Escolhi
precisamente o Panamá, o istmo deste Continente, para a Jornada Mundial da
Juventude de 2019, que será celebrada seguindo o exemplo da Virgem que
proclama: «Eis aqui a serva» e «faça-se em mim» (Lc 1, 38). Tenho a certeza de
que, em cada jovem, se esconde um «istmo»; no coração de todos os nossos moços
e moças, há um pedaço estreito e comprido de terreno que se pode percorrer para
os levar rumo a um futuro que só Deus conhece e a Ele pertence. Cabe a nós
apresentar-lhes grandes propostas, para despertar neles a coragem de arriscar
juntamente com Deus e se tornar disponíveis como a Virgem Maria.
A esperança na
América Latina tem um rosto feminino
Não há
necessidade de me alongar sobre o papel da mulher no nosso Continente e na
nossa Igreja. Dos seus lábios, aprendemos a fé; quase com o leite do seu seio,
adquirimos os traços da nossa alma mestiça e a imunidade contra qualquer
desespero. Penso nas mães indígenas ou morenas, penso nas mulheres das cidades
com o seu triplo turno de trabalho, penso nas avós catequistas, penso nas
consagradas e nas artesãs tão discretas do bem. Sem as mulheres, a Igreja do
Continente perderia a força de renascer continuamente. São as mulheres que, com
meticulosa paciência, acendem e reacendem a chama da fé. É uma séria obrigação
compreender, respeitar, valorizar e promover a força eclesial e social do que
elas fazem. Acompanharam Jesus missionário; não se retiraram do pé da cruz; na
solidão, esperaram que a noite da morte devolvesse o Senhor da vida; inundaram
o mundo com a sua presença ressuscitada. Se quisermos uma fase nova e vital da
fé neste Continente, não a obteremos sem as mulheres. Por favor, não as reduzamos
a servas do nosso clericalismo recalcitrante; mas sejam, ao invés,
protagonistas na Igreja latino-americana: no seu sair com Jesus, no seu
perseverar, mesmo no meio do sofrimento do seu povo; no seu agarrar-se à
esperança que vence a morte; na sua maneira jubilosa de anunciar ao mundo que
Cristo está vivo, ressuscitou.
A esperança na
América Latina passa através do coração, da mente e dos braços dos leigos
Gostaria de
repetir o que disse recentemente à Pontifícia Comissão para a América Latina. É
indispensável superar o clericalismo que torna infantis os christifideles laici
e empobrece a identidade dos ministros ordenados.
Embora se tenha
feito um notável esforço e tenham sido dados alguns passos, os grandes desafios
do Continente permanecem sobre a mesa e continuam à espera da realização
serena, responsável, competente, clarividente, articulada e consciente dum
laicado cristão, que esteja disposto a contribuir, como crente, nos processos
dum desenvolvimento humano autêntico, na consolidação da democracia política e
social, na superação estrutural da pobreza endémica, na construção duma
prosperidade inclusiva fundada em reformas duradouras e capazes de tutelar o
bem social, na superação das desigualdades e na salvaguarda da estabilidade, no
delineamento de modelos de desenvolvimento econômico sustentável que respeitem
a natureza e o verdadeiro futuro do homem – que não passa pro um consumismo
ilimitado – e também na rejeição da violência e na defesa da paz.
Mais ainda:
neste sentido, a esperança deve sempre fixar o mundo com os olhos dos pobres e
a partir da situação dos pobres. Ela é pobre como o grão de trigo que morre
(cf. Jo 12, 24), mas tem a força de promover os planos de Deus.
Com frequência,
a riqueza auto-suficiente priva a mente humana da capacidade de ver tanto a
realidade do deserto como os oásis lá escondidos. Propõe respostas de manual e
repete certezas de «talk-show»; balbucia a projeção de si mesma, vazia, sem
aderir minimamente à realidade. Tenho a certeza de que, neste momento difícil e
confuso, mas provisório que vivemos, as soluções para os problemas complexos
que nos desafiam nascem da simplicidade cristã que se esconde aos poderosos e
manifesta aos humildes: a pureza da fé no Ressuscitado, o calor da comunhão com
Ele, a fraternidade, a generosidade e a solidariedade concreta que brotam
também da amizade com Ele.
E gostaria de
resumir tudo isto numa frase que vos deixo como síntese e recordação deste
encontro: se queremos servir, como CELAM, a nossa América Latina, temos de o
fazer com paixão. Hoje faz falta paixão. Pôr o coração em tudo o que fazemos,
paixão do jovem enamorado e do idoso sábio, paixão que transforma as ideias em
utopias viáveis, paixão no trabalho das nossas mãos, paixão que nos transforma
em incessantes peregrinos pelas nossas Igrejas como – deixai lembrá-lo – São
Toríbio de Mogrovejo, que não se instalou na sua sede: de 24 anos de
episcopado, 18 passou-os nas localidades da sua diocese. Por favor, irmãos,
peço-vos paixão, paixão evangelizadora.
À proteção da
Virgem, invocada com os nomes de Guadalupe e Aparecida, vos confio – vós,
irmãos Bispos do CELAM, as Igrejas locais que representais e todo o povo da
América Latina e do Caribe – com a serena certeza de que Deus, que falou a este
Continente com o rosto mestiço e moreno da sua Mãe, não deixará de fazer
resplandecer a sua luz benigna na vida de todos”.
Papa Francisco
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Papa a colombianos:
Colocar o bem comum acima dos interesses particulares
Bogotá (RV) -
“Jesus convida-nos a perder medos que nos paralisam e atrasam a urgência de ser
construtores da paz, promotores da vida.” Foi que disse o Papa em seu último
compromisso desta quinta-feira (07/09) em terras colombianas, na primeira celebração
eucarística desta sua 20º viagem apostólica internacional.
A missa
votiva pela paz e a justiça, presidida no Parque Simón Bolívar da capital
Bogotá, teve a participação, entre outros, de um grupo de crianças em situação
de dificuldades e necessitadas de cuidados especiais, as quais acolheram o
Santo Padre em sua chegada ao local da celebração.
Atendo-se à
página do Evangelho pouco antes proclamada na liturgia, Francisco ressaltou
tratar-se, em todo o Evangelho de Lucas, da única vez em que Jesus prega junto
do chamado mar da Galileia.
Missa no Parque Simon Bolivar |
No mar aberto
confundem-se a esperada fecundidade do trabalho com a frustração pela
inutilidade dos esforços vãos, frisou o Santo Padre. “Segundo uma antiga
interpretação cristã, o mar também representa a vastidão onde convivem todos os
povos. Finalmente, pela sua agitação e obscuridade, evoca tudo aquilo que
ameaça a existência humana e que tem o poder de a destruir”, explicou.
Descrevendo o
cenário apresentado pelo evangelista, Francisco observou que Jesus tinha atrás
d’Ele o mar e, à sua frente, uma multidão que O seguiu ao ver como Ele se
comovia perante o sofrimento humano.
Após
evidenciar que a Palavra de Jesus não deixa ninguém indiferente, destacou
que esta tem o poder de converter os corações, mudar planos e projetos. É uma
Palavra corroborada pela ação, “não são conclusões redigidas no escritório,
expressões frias e distantes do sofrimento das pessoas; por isso, é uma Palavra
que serve tanto para a segurança da margem como para a fragilidade do mar”.
Francisco
lembrou que a querida cidade de Bogotá e o belo país que é a Colômbia têm muito
destes cenários apresentados pelo Evangelho:
“Aqui – disse
o Papa – vivem multidões que anseiam por uma palavra de vida, que ilumine com a
sua luz todos os esforços e mostre o sentido e a beleza da existência humana.
Estas multidões de homens e mulheres, crianças e idosos habitam uma terra de
fertilidade inimaginável, que poderia dar frutos para todos.”
Mas também
aqui, como noutras partes do mundo - continuou – há densas trevas que ameaçam e
destroem a vida:
“As trevas da
injustiça e da desigualdade social; as trevas corruptoras dos interesses
pessoais ou de grupo, que consomem, egoísta e desaforadamente, o que se destina
para o bem-estar de todos; as trevas da falta de respeito pela vida humana que
diariamente ceifa a existência de tantos inocentes, cujo sangue brada ao céu;
as trevas da sede de vingança e do ódio que mancha com sangue humano as mãos de
quem faz justiça por conta própria.”
Evidenciando
a figura de Pedro, a quem naquele encontro Jesus tornara pescador de homens, o
Papa frisou que assim como Pedro também nós somos capazes de confiar no
Mestre, “cuja Palavra suscita fecundidade mesmo onde a inospitalidade das
trevas humanas torna infrutíferos muitos esforços e fadigas”.
O mandato de
lançar as redes não é dirigido apenas a Simão Pedro – advertiu o Pontífice; “a
ele, coube-lhe fazer-se ao largo, como aqueles que na vossa pátria foram os
primeiros a ver o que era mais urgente fazer, aqueles que tomaram iniciativas
de paz, de vida”.
“Lançar as
redes implica responsabilidade. Em Bogotá e na Colômbia, peregrina uma
comunidade imensa, que é chamada a tornar-se uma rede vigorosa que congregue a
todos na unidade, trabalhando na defesa e cuidado da vida humana,
particularmente quando é mais frágil e vulnerável”, acrescentou.
Bogotá e a
Colômbia são, ao mesmo tempo, “margem, lago, mar aberto, cidade por onde Jesus
passou e passa para oferecer a sua presença e a sua palavra fecunda, para nos
fazer sair das trevas e conduzir-nos para a luz e a vida”.
Dito isso,
Francisco fez uma premente exortação a todos os colombianos: “Chamar os outros,
chamar a todos para que ninguém seja deixado ao arbítrio das tempestades; fazer
entrar na barca todas as famílias, santuário de vida; colocar o bem comum
acima dos interesses mesquinhos ou particulares, ocupar-se dos mais frágeis
promovendo os seus direitos”.
“Jesus, como
a Simão, convida-nos a fazer-nos ao largo, impele-nos a compartilhar o risco, a
deixar os nossos egoísmos e a segui-Lo; convida-nos a perder medos que não vêm
de Deus, que nos paralisam e atrasam a urgência de ser construtores da paz,
promotores da vida”, concluiu o Papa. (RL)
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Assista:
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Fonte: radiovaticana.va news.va
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