Papa exorta a "descer do monte e ser misericordiosos"
Cidade do
Vaticano (RV) – O Papa Francisco presidiu, na manhã deste sábado (19/11), na
Basílica Vaticana, ao Consistório Ordinário Público para a Criação de 17 novos
Cardeais, provenientes de diversos países, entre os quais o Brasil, na pessoa
de Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Brasília (DF).
Em sua homilia,
o Santo Padre partiu da passagem evangélica, chamada “discurso da planície”:
depois que Jesus escolheu os Doze apóstolos, pôs-se a caminho e desceu com eles
para uma região plana, onde era aguardado por uma grande multidão, queria ouvir
suas palavras e ser curada por Ele.
A vocação dos
Apóstolos é associada a este “pôr-se a caminho” rumo à planície, para encontrar
uma multidão “atormentada”. E o Papa explicou:
«A escolha, ao
invés de mantê-los no alto da montanha, levou-os para o meio da multidão, em
meio às suas tribulações, ao nível da sua vida. Assim, o Senhor revela, a eles
e a nós, que o verdadeiro cume se alcança a partir da planície, que nos lembra
que o cume se situa em um horizonte, que se torna um convite especial: ‘Sejam
misericordiosos como o Pai é misericordioso’».
Trata-se de um
convite, acrescentou Francisco, que é acompanhado de quatro imperativos ou
quatro exortações – que o Senhor lhes dirige, para moldar a sua vocação no
dia-a-dia. São quatro ações que darão forma, encarnarão e tornarão palpável o
caminho do discípulo, como afirmou o Papa:
“Poderíamos
dizer que são quatro etapas da mistagogia da misericórdia - iniciação nos
mistérios de uma religião -: amar, fazer o bem, abençoar e rezar. Penso que,
sobre estes aspetos, que parecem razoáveis, estamos todos de acordo. São quatro
ações que facilmente realizamos com os nossos amigos, com as pessoas mais ou
menos próximas na estima, nos gostos, nos costumes”.
O problema, diz
o Pontífice, surge quando Jesus nos apresenta os destinatários destas ações:
“Amem seus inimigos, façam o bem aos que lhes odeiam, abençoem os que lhes
amaldiçoam, rezem pelos que lhes caluniam:
“Encontramo-nos
diante de uma das caraterísticas mais específicas da mensagem de Jesus, onde se
oculta a sua força e o seu segredo e da qual brota a fonte da nossa alegria, a
força da nossa missão e o anúncio da Boa Nova. O inimigo é alguém que devo
amar”.
O coração de
Deus não tem inimigos; Deus tem apenas filhos. Nós erguemos muros, construímos
barreiras e classificamos as pessoas. O amor de Deus é fiel, materno e paterno,
incondicional, que exige conversão do coração, que tende a julgar, dividir,
contrapor e condenar. E Francisco ponderou:
“A nossa época é
caraterizada por problemáticas e interrogativos fortes em escala mundial.
Vivemos em um tempo em que ressurgem, como uma epidemia nas sociedades, a
polarização e a exclusão, como única forma de se resolver os conflitos,
ao invés, se torna uma ameaça e adquire a condição de inimigo”.
O inimigo, para
muitos, explicou o Santo Padre, vem de terras distantes, tem outros costumes e
cor da pele, língua ou condições sociais diferentes; porque pensa de outro modo
ou professa outra fé. Aos poucos, essas diferenças se transformam em
hostilidade, ameaça e violência. Quantas feridas por causa desta epidemia de
inimizade e violência, desta patologia da indiferença! Quantas situações de
precariedade, sofrimento e inimizade entre os povos, existem entre nós, em
nossas comunidades, presbitérios e reuniões. E o Papa acrescentou:
“O vírus da
polarização e da inimizade permeia em nosso modo de pensar, sentir e agir.
Devemos estar atentos para que esta conduta não ocupe o nosso coração, porque
vai contra a riqueza e a universalidade da Igreja, que se reflete no Colégio
Cardinalício. Viemos de terras distantes, temos costumes, cor da pele, línguas
e condições sociais diferentes; pensamos e celebramos a fé com vários ritos.
Isso não nos torna inimigos, mas é uma das nossas maiores riquezas”.
O Santo Padre
concluiu sua homilia, recordando que Jesus não cessa de “descer do monte” para
nos inserir na história e anunciar o Evangelho da Misericórdia. Ele continua a
enviar-nos à “planície” dos nossos povos e a dar-lhes a vida e a esperança,
sinais de reconciliação.
Como Igreja,
disse por fim Francisco aos Cardeais, somos convidados a abrir os nossos olhos
para ver as feridas de tantos irmãos e irmãs privados e provados na sua
dignidade. Sejam misericordiosos como o Pai!
Ao término da
celebração do Consistório Ordinário Público, o Santo Padre e os novos Cardeais,
a bordo de dois microônibus, foram visitar o Papa emérito, Bento XVI, no
mosteiro Mater Ecclesiae, onde reside nos Jardins do Vaticano. (MT)
Íntegra da
homilia do Papa:
Consistório
Ordinário Público para a criação de novos Cardeais (Basílica Vaticana, 19 de
novembro de 2016)
A passagem do
Evangelho que acabamos de ouvir (cf. Lc 6, 27-36) faz parte do que muitos
chamam «o discurso da planície». Despois da instituição dos Doze, Jesus desceu
com os seus discípulos para um local plano, onde uma multidão estava à sua
espera para O escutar e ser curada por Ele. A vocação dos Apóstolos aparece
associada com este «pôr-se a caminho» rumo à planície, para encontrar uma
multidão que se sentia – como diz o texto do Evangelho – «atormentada» (Lc 6,
18). A escolha deles, em vez de os fazer permanecer lá no alto, no cimo da
montanha, leva-os para o seio da multidão, coloca-os no meio das suas
tribulações, ao nível da sua vida. Assim o Senhor revela, a eles e a nós, que o
verdadeiro cume se alcança na planície, e esta lembra-nos que o cume se situa
num horizonte e, especialmente, num convite: «Sede misericordiosos como o vosso
Pai é misericordioso» (Lc 6, 36).
Um convite
acompanhado por quatro imperativos – poderíamos dizer quatro exortações – que o
Senhor lhes dirige, para moldar a sua vocação na existência concreta do
dia-a-dia. São quatro ações que darão forma, encarnarão e tornarão palpável o
caminho do discípulo. Poderíamos dizer que são quatro etapas da mistagogia da
misericórdia: amai, fazei o bem, abençoai e rezai. Penso que, sobre estes aspetos,
é possível estarmos todos de acordo, parecendo-nos mesmo razoáveis. São quatro
ações que facilmente realizamos com os nossos amigos, com as pessoas mais ou
menos chegadas, próximas na estima, nos gostos, nos costumes.
O problema surge
quando Jesus nos apresenta os destinatários destas ações, e fá-lo com muita
clareza, sem divagações nem eufemismos. Amai os vossos inimigos, fazei bem aos
que vos odeiam, abençoai aqueles que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos
caluniam (cf. Lc 6, 27-28).
Estas ações, não
nos vem espontaneamente a vontade de as fazer a pessoas que aparecem a nossos
olhos como um adversário, como um inimigo. Ao vê-las, a nossa atitude primária
e instintiva é desqualificá-las, desacreditá-las, amaldiçoá-las; em muitos
casos, procuramos «demonizá-las» a fim de ter uma justificação «santa» para nos
livrarmos delas. Ao contrário Jesus, referindo-Se ao inimigo, a quem te odeia,
amaldiçoa ou difama, diz-nos: ama-o, faz-lhe bem, abençoa-o e reza por ele.
Estamos perante
uma das caraterísticas mais específicas da mensagem de Jesus, onde se esconde a
sua força e o seu segredo; daí dimana a fonte da nossa alegria, a força da
nossa missão e o anúncio da Boa Nova. O inimigo é alguém que devo amar. No
coração de Deus, não há inimigos; Deus tem apenas filhos. Nós erguemos muros,
construímos barreiras e classificamos as pessoas. Deus tem filhos, e não foi
para Se livrar deles que os quis. O amor de Deus tem o sabor da fidelidade às
pessoas, porque é um amor entranhado, um amor materno/paterno que não as deixa
ao abandono, mesmo quando erraram. O nosso Pai não espera pelo momento em que
formos bons, para amar o mundo; para nos amar, não espera pelo momento em que
formos menos injustos, ou mesmo perfeitos; ama-nos porque escolheu amar-nos,
ama-nos porque nos deu o estatuto de filhos. Amou-nos mesmo quando éramos seus
inimigos (cf. Rm 5, 10). O amor incondicional do Pai para com todos foi, e é,
uma verdadeira exigência de conversão para o nosso pobre coração, que tende a
julgar, dividir, contrapor e condenar. Saber que Deus continua a amar mesmo
quem O rejeita, é uma fonte ilimitada de confiança e estímulo para a missão.
Nenhuma mão, por mais suja que esteja, pode impedir a Deus de colocar nela a
Vida que nos deseja oferecer.
A nossa época
carateriza-se por problemáticas e interrogativos fortes à escala mundial.
Tocou-nos atravessar um tempo em que ressurgem, à maneira duma epidemia nas
nossas sociedades, a polarização e a exclusão como única forma possível de
resolver os conflitos. Vemos, por exemplo, como rapidamente quem vive ao nosso
lado não só possui a condição de desconhecido, imigrante ou refugiado, mas
torna-se uma ameaça, adquire a condição de inimigo. Inimigo, porque vem duma
terra distante, ou porque tem outros costumes. Inimigo pela cor da sua pele,
pela sua língua ou a sua condição social; inimigo, porque pensa de maneira
diferente e mesmo porque tem outra fé. Inimigo, porque... E, sem nos darmos
conta, esta lógica instala-se no nosso modo de viver, agir e proceder.
Consequentemente, tudo e todos começam a ter sabor de inimizade. Pouco a pouco
as diferenças transformam-se em sintomas de hostilidade, ameaça e violência.
Quantas feridas se alargam devido a esta epidemia de inimizade e violência, que
se imprime na carne de muitos que não têm voz, porque o seu clamor foi
esmorecendo até ficar reduzido ao silêncio por causa desta patologia da
indiferença! Quantas situações de precariedade e sofrimento são disseminadas
através deste crescimento da inimizade entre os povos, entre nós! Sim, entre
nós, dentro das nossas comunidades, dos nossos presbitérios, das nossas
reuniões. O vírus da polarização e da inimizade permeia as nossas maneiras de
pensar, sentir e agir. Não sendo imunes a isto, devemos estar atentos para que
tal conduta não ocupe o nosso coração, pois iria contra a riqueza e a
universalidade da Igreja que podemos constatar palpavelmente neste Colégio
Cardinalício. Vimos de terras distantes, temos costumes, cor da pele, línguas e
condições sociais distintas; pensamos de forma diferente e também celebramos a
fé com vários ritos. E nada de tudo isto nos torna inimigos; pelo contrário, é
uma das nossas maiores riquezas.
Amados irmãos,
Jesus não cessa de «descer do monte», não cessa de querer inserir-nos na
encruzilhada da nossa história para anunciarmos o Evangelho da Misericórdia.
Jesus continua a chamar-nos e a enviar-nos à «planície» dos nossos povos,
continua a convidar-nos a gastar a nossa vida apoiando a esperança do nosso
povo, como sinais de reconciliação. Como Igreja, continuamos a ser convidados a
abrir os nossos olhos para vermos as feridas de tantos irmãos e irmãs privados
da sua dignidade, provados na sua dignidade.
Amado irmão
neo-cardeal, o caminho para o céu começa na planície, no dia-a-dia da vida
repartida e compartilhada, duma vida gasta e doada: na doação diária e
silenciosa do que somos. O nosso cume é esta qualidade do amor; a nossa meta e
aspiração é procurar na planície da vida, juntamente com o povo de Deus,
transformar-nos em pessoas capazes de perdão e reconciliação.
Amado irmão,
aquilo que hoje se te pede é que guardes no teu coração e no coração da Igreja
este convite a ser misericordioso como o Pai, sabendo que «se alguma coisa nos
deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos
irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus
Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e
de vida» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 49).
Assista:
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Fonte: radiovaticana.va news.va
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