Três belas lições para o tempo da Quaresma
“Deixa ainda a figueira este ano.., pode ser que ainda dê fruto”
Continuamos nossa grande revisão de vida no tempo quaresmal. Mesmo na agitação de cada um desejamos que a Quaresma seja retiro do povo que quer ser do Senhor. Tempo de busca do deserto, do silêncio, de pedir ao Senhor que nos perdoe, tempo de pedir-lhe que nos dê ainda um tempo para frutificar. Um coração contrito e humilhado Deus não rejeita.
Tira as sandálias dos teus pés porque esta terra é santa.
♦ O Senhor apareceu a Moisés. O Senhor é esse Mistério que procuramos, que nos envolve. Chamamo-lo de Deus, Altíssimo, Magnifico, Magnânimo. É o Senhor, aquele que não cabe em nossos conceitos. Não é uma ideia, um primeiro motor. Um oceano de beleza. Um borbulhar de vida.
♦ Um arbusto ardia e ardia sem parar. Um fogo que não se consumia. Um amor ardente. Uma beleza santa. Uma presença que pedia amoroso respeito e prostração de nossas entranhas. Não podemos nos aproximar desse fogo com empáfia, cobranças e posturas de autossuficiência. Somos convidados a tirar as sandálias dos pés. Ele será nossa proteção. Tirar as sandálias. Apresentar-se diante dele em nossa nudez primigênia.
♦ “Eu sou o Deus de teus pais, desde sempre caminho junto de teus ancestrais”. Descalços aproximamo-nos desse que é fornalha. “Moisés cobriu o rosto, pois temia olhar para Deus”. Ouvira mesmo dizer que não se pode ver a Deus e continuar a viver.
♦ Um Deus que ouve o clamor dos oprimidos. Aquele que se chama “eu sou” diz a Moisés. “Ouvi o clamor do povo. Estou perto. Tu, Moisés, vais tirar minha gente da escravidão. Tu vais preparar a saída do povo da terra estrangeira. Tu lhes dirás a meu respeito: Eu sou enviou-me a voz”. O nome de Deus é eu sou. Moisés experimenta Deus e é convidado a ser guia do povo para um mundo novo.
♦ Paulo escrevendo aos coríntios lembra que na travessia do deserto houve muita murmuração. A viagem da vida é longa. A travessia não é fácil. Travessia daquele povo e nossa travessia.
♦ A nuvem, quer dizer, o Altíssimo, acompanhava o povo. Bebiam e comiam à mesa servida por Deus. Maná, água do rochedo. Um Deus presente, embora aparentemente ausente, esperando fé e confiança em sua ação.
♦ Alguns murmuraram e não chegaram a bom termo. Como em nossa trajetória existencial e cristã. A vida é movimento. Nada é definitivo. Tudo está em vir a ser. A gente escuta o Evangelho, começa a viver segundo seus ditames… mas há o cansaço. Desânimo, rotina, Deus parece distante, fica difícil caminhar sempre na noite de nossas dúvidas. Crescemos exteriormente e não atentamos que interiormente deveríamos também crescer, estar atentos às transformações. Não esquecer nosso esforço. Não será sinal de maturação, reclamar e murmurar contra Deus. “Quem julga estar de pé, cuide para não cair.
♦ Até que ponto confiamos nossa vida ao Senhor? Lutamos em nossos serviços pastorais para que as pessoas não percam a esperança? Por que lá por dentro de nós, não poucas vezes, há tanta falta desconfiança da ação de Deus? Olhai os lírios dos campos… Mesmo na noite escura não esquecer que estamos nas pupilas dos olhos do Senhor.
Tempo de cavar em volta da figueira
♦ Vida, vida de todos os dias. Casados, solteiros, marido e mulher, filhos e pais, padeiros, balconistas, advogados e vereadores. Nós e muitos “vocês”. Sorrisos, mesa de refeições, cansaço, férias, missa de domingo. Tudo isso e tanto mais. Somos uma figueira plantada no mundo. Corpo, inteligência, vontade, desejos, sonhos… Fomos plantados na terra dos homens para frutificar, ser para, levantar os caídos à beira do caminho, destruir o ídolo que vive dentro de nós que se chama “eu e sempre eu”. Sacerdotes, homens, mulheres, jovens e idosos: que frutos andamos produzindo? O tempo da vida é curto. O tempo da Quaresma nos convida a uma transformação interior. Tempo de capinar os campos, limpar a estrada, tirar os entulhos para que a voz do Senhor possa ecoar entre nós e fazer de nós criaturas plasmadas pelo Mistério, seres densos, seres santos, sal da terra, luz do mundo e fermento na massa. “Se não vos converterdes, todos vós perecereis”. Fazemos nosso o pedido do dono da figueira: “Senhor, deixa a figueira ainda esse ano. Vou cavar envolta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tua a cortarás”.
♦ Meu Deus, o que podemos fazer para que figueira da vida dê frutos:
◊ Será preciso que desvencilhemo-nos de nós mesmos. Que tenhamos a coragem de descer do trono. Deixar de cultuar-nos a nós mesmos.
◊ Será fundamental bater à porta de Deus, pedir que abra, que nos escute, que nos levante, que acolha nosso grito e a imensa alegria. Perseverar na oração, na busca do Senhor, persistentemente. Uma postura diária de entrega. E sempre repetir a pergunta: “O que queres de mim, Senhor?”
◊ Prestar atenção aos caídos à beira do caminho. Com o Papa Francisco vivemos uma Igreja em saída, que deixa o cercado quente de nosso mundo paroquial, de vida nos movimentos.
◊ Prestar atenção nos caídos quer dizer amar, dar tempo aos outros, escutar as batidas dos corações dos irmãos.
◊ O que nos liberta é a verdade. Transparência na fala, nas intenções, pureza de coração. Rezar em espalhafata. Excluir comportamentos e posturas falsas, farisaicas.
◊ Perseverar mesmo durante a noite. Nada de desespero. Nada de deixar cair o ânimo, na secura da oração, nas provações de todos os dias (doença, filhos nas drogas e encarcerados, falta de transparência mesmo no seio de nossas comunidades). Caminhar com pé firme mesmo no escuro.
Oração
Converte-me primeiro a mim para que eu comunique a outros a Boa Notícia.
Dá-me audácia.
Neste mundo cético e autossuficiente tenho vergonha e medo.
Dá-me esperança.
Nessa sociedade receosa e fechada, eu também tenho pouca confiança nas pessoas.
Dá-me amor.
Nesta terra insolidária e fria, eu também sinto pouco amor.
Dá-me constância.
Nesse ambiente cômodo e superficial, eu também me canso facilmente.
P. Loidi
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FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
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