sábado, 29 de março de 2025

Reflexão para o seu dia:

Parábola do pai bom

 Frei Almir Guimarães

A preocupação do pai é que seu filho se sinta bem novamente. Dá-lhe de presente o anel da casa e a melhor veste. Oferece uma festa a todo o povoado. Haverá banquete, música e danças. Junto ao pai, o filho deverá conhecer a festa boa da vida, não a diversão falsa que procurava entre as prostitutas pagãs. (José Antonio Pagola)

 Vamos nos aproximando dos dias da semana santa. Estamos a realizar nosso retiro quaresmal. Tempo propício para uma mudança de vida, uma transformação do coração e ocasião para reconhecer a misericórdia de Deus a nos envolver.  Novamente a parábola do pai das misericórdias, do pai bom e da festa da volta.

 José Tolentino Mendonça assim resume a parábola que agora, pela enésima vez, acabamos de ouvir na liturgia deste domingo: “A parábola é uma história que nos apanha por dentro. E está tudo neste espelho: a necessidade de liberdade do filho mais novo, os seus sonhos sem sustentação, os passos em falso, a sua fantasia de onipotência, a sua incapacidade de sustentar desejo e lei. Com um desenlace que se podia esperar: o vazio e a solidão  a que ele se vê votado, quando sobrevém a hora da vulnerabilidade. Ele que primeiro teve tantos amigos, e um mundo à volta dele que parecia deslumbrante de promessa, ao chegar à desventura descobrir-se-á, afinal, completamente só”  (Elogio da sede, p.  109-110).

 O pai respeita a liberdade. O filho mais novo resolve fazer a vida a seu jeito. O pai não impede sua saída. Conhecemos o que aconteceu. O moço gasta os bens, vai se degradando a ponto de viver inominável solidão e ter que comer as vagens destinadas aos poucos. Conseguindo “libertar-se” da vida da casa paterna, cortando a dependência vital para com o pai e a família torna-se um trapo. Não se fica impune quando se rompe com um amor que nos cria e nos sustenta.

 Precisaria ele ter aprendido a arte do desejo. Ele substitui o pai pelos bens, coloca os bens materiais e seus desejos de coisas imediatas em lugar do pai. Um cinismo autista, autocentrado. “A sociedade de consumo, com suas ficções e vertigens, promete satisfazer tudo e todos, e falaciosamente identifica a felicidade com o estar saciado. Saciados, cheios, preenchidos, domesticados – resolvidas na festa do consumo as nossas necessidades  (ou que pensamos que sejam).  A saciedade que se obtém pelo consumo é uma prisão do desejo, reduzido a um impulso de satisfação imediata. O verdadeiro desejo, porém, é estruturalmente assinalado por uma falta, por uma insatisfação, por uma sede que se torna princípio dinâmico e projetivo. O desejo é literalmente insaciável porque aspira àquilo que não pode se possui: o sentido. Nesta linha, o desejo não se sacia, mas aprofunda-se” (Tolentino, idem, p.  113-114).

 O pai lançava seu olhar na direção do horizonte. Esperava a volta. Não podia fazer nada, a não ser esperar. Quando um vulto se desenha no fim do caminho ele desce escadas e ladeiras e literalmente se precipita para agarrar e abraçar o menino que volta. Não deixa que ele fale. Simplesmente está feliz porque ele voltou. Era preciso fazer festa.

 “Com tristeza o vê partir de casa, mas nunca o esquece. Aquele filho sempre poderá voltar para casa sem temor algum. Quando um dia o vê chegar faminto e humilhado o pai se “comove”, perde o controle e vai ao encontro do filho.  Esquece de sua dignidade de “senhor” da família e o abraça e o beija efetivamente como uma mãe. Interrompe a confissão do filho para poupar-lhe mais humilhações. Ele já sofreu bastante. Não precisa de explicações para acolhe-lo como filho. Não lhe impõe nenhum castigo. Não  exige dele um ritual de purificação. Nem sequer  parece sentir necessidade de manifestar o perdão. Não é necessário. Nunca deixou de amá-lo. Sempre procurou para ele o melhor” (Pagola, O caminho aberto por Jesus, Lucas p. 256). A misericórdia é a arte necessária para salvar a vida, a misericórdia é um caminho que todos nós precisamos aprender. Não existe misericórdia em excesso. Ela não tem limites. Misericórdia não é dar ao outro o que ele merece, mas precisamente o que ele não merece.  Dar além, ir mais longe.

 O filho mais velho também precisava aprender a lição da misericórdia. Ele havia permanecido perto do pai, fazendo o que era preciso fazer. Agora reclama do tratamento dado pelo pai ao pródigo. “O pai sai para convida-lo com o mesmo carinho com que acolheu o irmão. Não grita com ele nem lhe dá ordens.  Com amor humilde procura persuadi-lo a entrar na festa da acolhida. É então que o filho explode, deixando a descoberto todo o seu ressentimento. Passou toda a vida cumprindo as ordens do pai, mas não aprendeu a amar com ele ama. Só sabe exigir seus direitos e  denegrir o irmão” (Pagola, op. cit., p.261)

 O filho mais velho, com efeito, é aquele que fica junto do pai. Parece não ter a inconsistência do filho mais novo. Não conseguiu, no entanto, resolver a relação com o irmão que é de competitividade. Não é gratuito. Quer recompensa.  Lembra que o pai nunca lhe deu um cabrito. Falta-lhe, de fato, o sentido da gratuidade. A cólera e o ressentimento fazem com o rapaz não consiga olhar com compaixão e alegrar-se com a volta do tresloucado irmão.

 Sentimento de inveja: o outro deixa de ser um parceiro e torna-se um rival. Sentimento estranho esse da inveja infiltrado em toda parte, que queima por dentro, capaz de fazer em cacos ambientes familiares, locais de trabalho, e mesmo nossas comunidades cristãs.

Conclusão

 Uma parábola que retrata nossa história, história do mundo e a história da comunidade dos discípulos de Jesus. A Igreja é a hospedaria para onde podem voltar os que andaram se machucando na aventura da vida e nas estradas da existência. É possível voltar. Com o coração na mãos somos abraçados pelo Pai que não cessa de espreitar nossa volta.

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Oração

SOU TEU FILHO PRÓDIGO

Filho pródigo, filho ingrato, rompi a relação contigo, meu Pai.
Quis fazer a vida sozinho. Inventar minha felicidade longe de ti.
Não compreendi a gratuidade de teu amor que era minha casa, minha riqueza e minha vida.
Quis apossar-me da herança imediatamente, para mim, só para mim.
Quis ficar com teus dons como se me fossem devidos, cego e inconsciente que eu estava.
Tu nada disseste: deixaste que eu partisse  para o distante país de meus sonhos  onde gastei  todos os bens.
Esta parcela de vida, esta parcela de amor, delapidei egoisticamente, gulosamente, bobamente.
E quando já havia gasto tudo, houve fome no meu coração.  O pecado é o pais da fome e do tédio, do desgosto e da privação.
Decepcionado, satisfeito, dei-me conta que me achava no vazio.
Mergulhando em mim mesmo, tive sede de outra coisa: lembrei-me de tua casa e decidi levantar-me e voltar.
De longe já me percebeste.
Andavas me esperando  na encruzilhada  de meus caminhos.
Correste em minha direção.
Me estreitaste em teus ombro e em teu peito enormes.
Estavas, efetivamente, mais emocionado do que eu.
Nada me perguntaste a respeito do que havia feito de minha vida.
Pressentias que eu vivera  experiências doloridas e doídas.
Tu me deste roupa nova, sandálias novas.
Mandaste que  fosse colocado mais um prato com talheres à mesa e disseste: “Comamos, festejemos:  meu filho está de volta”.
Muito obrigado, Senhor, tu és meu Pai, minha Casa, meu Amor, minha  Vida!
Não esquecerei nunca que não quiseste a humilhação de teu filho, porque queres que ele viva.

Michel  Hubaut

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FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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                                   Fonte: franciscanos.org.br    Banner: Frei Fábio M. Vasconcelos

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