Parábola do pai bom
Frei Almir Guimarães
♦ Vamos nos aproximando dos dias da semana santa. Estamos a realizar nosso retiro quaresmal. Tempo propício para uma mudança de vida, uma transformação do coração e ocasião para reconhecer a misericórdia de Deus a nos envolver. Novamente a parábola do pai das misericórdias, do pai bom e da festa da volta.
♦ José Tolentino Mendonça assim resume a parábola que agora, pela enésima vez, acabamos de ouvir na liturgia deste domingo: “A parábola é uma história que nos apanha por dentro. E está tudo neste espelho: a necessidade de liberdade do filho mais novo, os seus sonhos sem sustentação, os passos em falso, a sua fantasia de onipotência, a sua incapacidade de sustentar desejo e lei. Com um desenlace que se podia esperar: o vazio e a solidão a que ele se vê votado, quando sobrevém a hora da vulnerabilidade. Ele que primeiro teve tantos amigos, e um mundo à volta dele que parecia deslumbrante de promessa, ao chegar à desventura descobrir-se-á, afinal, completamente só” (Elogio da sede, p. 109-110).
♦ O pai respeita a liberdade. O filho mais novo resolve fazer a vida a seu jeito. O pai não impede sua saída. Conhecemos o que aconteceu. O moço gasta os bens, vai se degradando a ponto de viver inominável solidão e ter que comer as vagens destinadas aos poucos. Conseguindo “libertar-se” da vida da casa paterna, cortando a dependência vital para com o pai e a família torna-se um trapo. Não se fica impune quando se rompe com um amor que nos cria e nos sustenta.
♦ Precisaria ele ter aprendido a arte do desejo. Ele substitui o pai pelos bens, coloca os bens materiais e seus desejos de coisas imediatas em lugar do pai. Um cinismo autista, autocentrado. “A sociedade de consumo, com suas ficções e vertigens, promete satisfazer tudo e todos, e falaciosamente identifica a felicidade com o estar saciado. Saciados, cheios, preenchidos, domesticados – resolvidas na festa do consumo as nossas necessidades (ou que pensamos que sejam). A saciedade que se obtém pelo consumo é uma prisão do desejo, reduzido a um impulso de satisfação imediata. O verdadeiro desejo, porém, é estruturalmente assinalado por uma falta, por uma insatisfação, por uma sede que se torna princípio dinâmico e projetivo. O desejo é literalmente insaciável porque aspira àquilo que não pode se possui: o sentido. Nesta linha, o desejo não se sacia, mas aprofunda-se” (Tolentino, idem, p. 113-114).
♦ O pai lançava seu olhar na direção do horizonte. Esperava a volta. Não podia fazer nada, a não ser esperar. Quando um vulto se desenha no fim do caminho ele desce escadas e ladeiras e literalmente se precipita para agarrar e abraçar o menino que volta. Não deixa que ele fale. Simplesmente está feliz porque ele voltou. Era preciso fazer festa.
♦ “Com tristeza o vê partir de casa, mas nunca o esquece. Aquele filho sempre poderá voltar para casa sem temor algum. Quando um dia o vê chegar faminto e humilhado o pai se “comove”, perde o controle e vai ao encontro do filho. Esquece de sua dignidade de “senhor” da família e o abraça e o beija efetivamente como uma mãe. Interrompe a confissão do filho para poupar-lhe mais humilhações. Ele já sofreu bastante. Não precisa de explicações para acolhe-lo como filho. Não lhe impõe nenhum castigo. Não exige dele um ritual de purificação. Nem sequer parece sentir necessidade de manifestar o perdão. Não é necessário. Nunca deixou de amá-lo. Sempre procurou para ele o melhor” (Pagola, O caminho aberto por Jesus, Lucas p. 256). A misericórdia é a arte necessária para salvar a vida, a misericórdia é um caminho que todos nós precisamos aprender. Não existe misericórdia em excesso. Ela não tem limites. Misericórdia não é dar ao outro o que ele merece, mas precisamente o que ele não merece. Dar além, ir mais longe.
♦ O filho mais velho também precisava aprender a lição da misericórdia. Ele havia permanecido perto do pai, fazendo o que era preciso fazer. Agora reclama do tratamento dado pelo pai ao pródigo. “O pai sai para convida-lo com o mesmo carinho com que acolheu o irmão. Não grita com ele nem lhe dá ordens. Com amor humilde procura persuadi-lo a entrar na festa da acolhida. É então que o filho explode, deixando a descoberto todo o seu ressentimento. Passou toda a vida cumprindo as ordens do pai, mas não aprendeu a amar com ele ama. Só sabe exigir seus direitos e denegrir o irmão” (Pagola, op. cit., p.261)
♦ O filho mais velho, com efeito, é aquele que fica junto do pai. Parece não ter a inconsistência do filho mais novo. Não conseguiu, no entanto, resolver a relação com o irmão que é de competitividade. Não é gratuito. Quer recompensa. Lembra que o pai nunca lhe deu um cabrito. Falta-lhe, de fato, o sentido da gratuidade. A cólera e o ressentimento fazem com o rapaz não consiga olhar com compaixão e alegrar-se com a volta do tresloucado irmão.
♦ Sentimento de inveja: o outro deixa de ser um parceiro e torna-se um rival. Sentimento estranho esse da inveja infiltrado em toda parte, que queima por dentro, capaz de fazer em cacos ambientes familiares, locais de trabalho, e mesmo nossas comunidades cristãs.
Conclusão
♦ Uma parábola que retrata nossa história, história do mundo e a história da comunidade dos discípulos de Jesus. A Igreja é a hospedaria para onde podem voltar os que andaram se machucando na aventura da vida e nas estradas da existência. É possível voltar. Com o coração na mãos somos abraçados pelo Pai que não cessa de espreitar nossa volta.
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Oração
SOU TEU FILHO PRÓDIGO
Michel Hubaut
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FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
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