As lições de Aparecida
Um grupo de
200 romeiros que pretendia visitar Aparecida em outubro pediu-me uma reflexão,
porque desejavam ir lá mais instruídos na fé. Passo aos meus leitores o
que eu disse a eles.
1° : Quebrada
e descartada. Em algum lugar antes de 1717, uma imagem quebrou e alguém a
jogou no lixo, que acabou no rio. Pode ter sido uma imagem de alguma fazenda ou
de alguma casa à beira do rio. Talvez fosse menos escura do que é. Lembra as
imagens europeias de Espanha e Portugal daquele tempo. Ficou na lama do rio,
abandonada, esquecida, marginalizada, descartada para sempre. Era para ser. Mas Maria
cuidou para que sua imagem virasse uma parábola de cura e de reintegração.
Jogada no lixo porque não mais servia, levada pelo rio, cabeça e corpo
separados, a imagem dada como perdida seria restaurada e refeita, coroada e
vestida com um manto de rainha. E voltaria bem escura, pelas mãos de pescadores
simples, num tempo em que os negros eram escravos e pobre não tinha nenhuma
chance de subir na vida. Foi a primeira lição: há uma chance para os
esquecidos e marginalizados neste país. Se não houver, nós a criaremos.
2°: Aparecida
e reencontrada. Primeiro a imagem apareceu em duas partes. O aparecimento
da primeira parte não disse nada. Era apenas um pedaço de imagem jogada no
lixo. O aparecimento da segunda parte, mais adiante, bem mais adiante, começou
a fazer sentido. De “aparecida”, tornou-se “reencontrada”. Foi encontro e
reencontro. O céu estava querendo dizer alguma coisa. Não é todo dia que um
pescador acha na sua rede duas partes abandonadas de uma imagem. A fé
achou explicações e é isso mesmo que a fé faz. Dá sentido ao que não
parecia ter sentido. Foi a segunda lição: A imagem quebrada foi
assumida. Há uma chance para os deserdados e jogados fora do processo
civilizatório brasileiro.
3º : Restaurada
e reintegrada. Alguém a limpou, lavou, tirou-lhe a lama, restaurou,
emendou, reintegrou e a imagem voltou a ser inteira. Negra e inteira… num
país onde ser negro era nascer e permanecer escravo. Coroaram a imagem
negra, deram-lhe um manto. Valia como lição de que lutar, ser negro, um
dia não seria mais humilhante. Os brancos orando diante daquela imagem
aprendiam muito mais do que imaginavam. O Brasil saiu da escravidão, os
negros ainda lutam por seu espaço, os pobres ainda sofrem a marginalização, os
feridos e desconjuntados pela vida ainda se sentem no lixo, os enfermos ainda
não recebem todo o apoio, mas sabemos que isso tem de mudar e vai mudar um dia.
Enquanto isso, Aparecida vai ensinando suas lições de libertação, de
solidariedade e de fé profunda. Foi a terceira lição.
Aparecida é lição
e sinal
Se há um templo no
Brasil onde não se pode deixar de falar da dor, da libertação do pobre, de
democracia e de reintegração e inclusão dos brasileiros excluídos, este lugar
é Aparecida. E é o que tem sido feito. Aparecida é lição e sinal. A
imagem, de Maria, quebrada, jogada fora reaparece e volta a ser inteira. E é
pequena e negra! Não dá para ir lá e orar sem pensar em mudanças para o
nosso país. Aparecida ilumina e provoca os cristãos do Brasil.
Continuaremos
brigando para ver quem é mais de Cristo, ou admitiremos que a mãe do
Cristo podia e ainda pode nos ensinar alguma coisa? Ela nem precisou aparecer
em Aparecida. Aquela imagem pequena tem falado por si mesma. Não está lá para
ser tocada, mas para nos fazer olhar para o alto e pensar. Bem do jeito de
Maria!
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