Assim na Terra
como na Trindade
“A novidade cristã não está em crer que Deus
existe, e sim que ‘Deus é amor’ "(1Jo 4,8.16)
Nos primeiros anos
de ensino de teologia, no seminário e, depois, na faculdade, vivi uma
inquietação. Ensinava durante um semestre letivo disciplinas como Cristologia,
Trindade e Eclesiologia. São cursos com carga horária semanal de 4 horas. Aulas
expositivas, pesquisas, leituras, provas, elaboração de textos, faziam parte da
rotina de cada conteúdo. Eram quase sempre turmas pequenas. Isso facilitava a
relação professor-aluno, abrindo espaço para muitos diálogos. Contudo, a
inquietação estava lá. Ela nascia como pergunta: qual a incidência do estudo do
dogma de fé na vida pessoal de cada um, seja professor, seja aluno?
Dom João Justino de Medeiros Silva |
Sim, eu compreendo
que a teologia é ato segundo. Antes de tudo vem a fé. Também concordo que há
uma dimensão espiritual da teologia que nos remete ao fazer teológico de
joelhos. No entanto, a pergunta é: depois de estudar o tratado teológico da
Trindade, o que muda em nossa vida? Quais as implicações que a reflexão
teológica, sobre o mistério de Cristo, traz para a vida de um estudante de
teologia? Essa pergunta se desdobra para todos os cristãos. Como minha vida,
minha história é marcada pela fé que professo?
Então, me deparei
com uma belíssima obra intitulada “Assim na Terra como na Trindade”, de autoria
do teólogo argentino Enrique Cambón, publicada no Brasil pela Editora Cidade
Nova, no ano 2000. O subtítulo é autoexplicativo: “O que significam as relações
trinitárias na vida em sociedade?” Essa pergunta me remeteu à inquietação já
referida. Qual a implicação da fé trinitária para as relações do cotidiano? E
qual a incidência da teologia da Trindade na vida da Igreja?
O autor parte da
afirmação de que “a novidade cristã não está em crer que Deus existe, e sim que
‘Deus é amor’ (1Jo 4,8.16)”. Recorda que a lógica do amor exige que, na vida
intradivina, haja pluralidade, alteridade, comunicação, reciprocidade. Logo, se
propõe a investigar sobre qual é e o que significa concretamente a ligação
entre Trindade e existência humana. E produz uma profunda teologia que merece
ser conhecida.
Quero partilhar
com você, caro leitor, a citação que Enrique Cambon tomou dos Bispos de Navarra
e do País Basco. Ilustra bem o alcance de um estilo trinitário de vida
apresentado pelo autor: “Confessar a Trindade não quer dizer, apenas,
reconhecê-la como princípio, mas, também, aceitá-la como modelo último da nossa
vida. Quando afirmamos e respeitamos as diversidades e o pluralismo entre os
seres humanos, na prática confessamos a distinção trinitária de pessoas. Quando
eliminamos as distâncias e trabalhamos para realizar a efetiva igualdade entre
homem e mulher, entre afortunados e despossuídos, entre próximos e distantes,
afirmamos, na prática, a igualdade das pessoas da Trindade. Quando nos
esforçamos por ter ‘um só coração e uma só alma’ e aprendemos a colocar tudo em
comum, para que ninguém tenha de passar pela indigência, estamos confessando o
único Deus e acolhendo em nós a sua vida trinitária”.
Ao celebrar a
Solenidade da Santíssima Trindade, no domingo seguinte ao de Pentecostes, não
deixe de conferir se sua mentalidade, seus valores, seus princípios éticos,
suas causas... estão em sintonia com o mistério trinitário. É preciso dizer,
inclusive, que não é coerente professar a fé em Deus Uno e Trino e levantar
bandeiras antidemocráticas.
Dom João Justino
de Medeiros Silva - Arcebispo Metropolitano de Montes Claros - MG
.............................................................................................................................................................
Fonte: cnbbleste2.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário