Oportunidade de
mudanças
Devo confessar que
desde minha infância ouço dizer que o mundo está em crise. Aos poucos entendi a
dinâmica da história como um processo permanente de transformações. Na
história, como na vida pessoal, fatos novos se tornam oportunidade para mudanças
significativas. O aparecimento do novo coronavírus, no início deste ano,
representa uma dessas grandes ocasiões em que todos os âmbitos da vida são
atingidos e, de algum modo, interpelados. Embora sugestiva, não é factível a
proposta de Sílvio Brito: “Pare o mundo que eu quero descer”. Parece mais
realista a percepção de Cartola: “O mundo é um moinho”.
Dom João Justino de Medeiros Silva |
Das muitas medidas
para o enfrentamento da COVID-19 fala-se que algumas vieram para ficar. Uma
delas seria evitar aglomerações. Com certeza uma das mais difíceis, pois em
todos os lugares do mundo a aglomeração é um costume. As culturas geralmente
têm apreço por acontecimentos que reúnem um grande número de participantes. O
Coliseu, em Roma, e o Maracanã, no Rio de Janeiro, são dois exemplares pequenos
desse afã de abrigar um número sempre maior de pessoas em todos os tempos.
Diferentes tradições religiosas mostram isso nas grandes peregrinações. O mundo
do esporte, nos campeonatos mundiais de futebol, nas Olimpíadas e nas
Paraolimpíadas reúne um número incontável de participantes. Assim também as
manifestações sociais com reinvindicações de direitos, os grandes movimentos
migratórios, o carnaval e as Jornadas Mundiais da Juventude. Esses exemplos
denotam o quão difícil será encontrar outra forma de nos organizarmos para
evitar essas grandes aglomerações. Mas algo novo pode estar surgindo.
Por outro lado, no
âmbito familiar e nas instituições menores é possível prever algumas mudanças.
E tais mudanças se apoiariam em alguns princípios. O primeiro deles é declinar
do desejo de reunir sempre maior número de pessoas em festas, eventos e
celebrações. Não se pode celebrar e festejar um acontecimento com um número
reduzido de pessoas presentes? O segundo deles é a sobriedade no uso dos recursos.
Enquanto se desperdiçam recursos para eventos de porte maior, um planejamento
mais atento à sustentabilidade faria bem às pessoas e à Casa Comum. A chamada
“pegada ecológica” seria de menor impacto. Ainda apresento um terceiro
princípio. Avaliar criteriosamente os impactos e os resultados positivos de
cada investimento em projetos que envolvam muitas pessoas, vencendo a
megalomania de projetos sempre maiores.
Talvez essas
breves observações venham a ser consideradas fantasiosas. No entanto, postulo a
necessidade de uma vida menos sugada pela constante e volumosa demanda de tudo
o que se tornou macro e, até mesmo, impessoal. Os hipermercados descartaram os
pequenos mercados de ruas. As lojas de departamentos fizeram o mesmo com as
lojas de ruas e galerias. Constroem-se shoppings cada vez maiores. Até mesmo
igrejas são construídas como grandes auditórios capazes de acolher número
sempre maior de fiéis… Não podemos viver de modo mais simples? Não seria
interessante revalorizar as pequenas iniciativas? Há muitas experiências nessa
direção que merecem ser conhecidas e incentivadas. Nessa crise provocada pelo
novo coronavírus a oportunidade de mudanças toca a todos. Quem souber
aproveitar terá mais qualidade de vida. Pense nisso.
Dom João Justino
de Medeiros Silva - Arcebispo de Montes Claros
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Fonte: cnbbleste2.org.br
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