Tempo: o que aprendemos com ele?
Os Tempos
Litúrgicos estão fortemente inseridos no tempo cronológico para que, celebrando
os Mistérios de Cristo, possamos nos santificar, melhorar nosso ser, nutrir e
aumentar a nossa fé, dar sentido novo à nossa existência terrena, produzir bons
frutos e crescer no Amor, sempre à luz de Cristo, nosso Salvador e Senhor do
tempo e da história. O dramático e triste tempo da pandemia, coincidiu com
Tempos Litúrgicos de abundantes Graças, de conversão, penitência, dor, vitória,
alegria, Ressurreição, esperança e vida nova, com os quais estamos conseguindo
enfrentar de modo mais sereno esse difícil tempo, com a consciência de que “nada
poderá nos separar do Amor de Deus e que “tudo contribui para o bem daqueles
que amam a Deus”.
Dom Luiz Antonio Lopes Ricci |
Durante esse
período de quase 80 dias, o que vivenciamos? Medo, insegurança, incertezas,
ansiedade, preocupação? Aceitação, esperança, coragem, fé, amor,
autoconhecimento, resiliência, salutar convivência familiar e consigo mesmo?
Desemprego, redução salarial, crise financeira, falta de recursos? Luto, dor,
tristeza, indignação?
Infelizmente,
nesse período, quase 30 mil pessoas já morreram no Brasil, vítimas da Covid-
19. Há doentes que aguardam atendimento digno, doentes internados, hospitais no
limite, promessas não cumpridas, desprezo e descaso de Autoridades que deveriam
cuidar da vida e garantir acesso à saúde para todos. Quantas crises geradas e
ou evitáveis, quantas tensões inúteis, gritaria, violência verbal e digital,
ódio, intolerância, desrespeito, corrupção, crise política e desamor? Deixar de
chorar os mortos e de lutar pela vida, em tempo de pandemia, é desprezo que
fere a alma. É quase o mesmo que adentrar em um funeral apenas para gerar
conflito ao invés de consolar, propor e ajudar. Não é o lugar, nem o momento!
Vivenciar o luto, com respeito e solidariedade, especialmente pelas
Autoridades, é condição fundamental para adequada retomada progressiva das
atividades diárias. Sem o substrato humano e humanizante, todo projeto está
fadado ao insucesso! É hora de “focar”, todos e todas, na dor e na vida! Precisamos,
como os Apóstolos e Maria, estarmos “todos reunidos no mesmo lugar” (At 2,1).
Precisamos estar todos unidos na mesma pauta, intenção e direção! Deixemos as
diferenças justas e democráticas de lado e busquemos conjugar os esforços para
ver, sentir compaixão e cuidar da vida. Haverá muito tempo para outras
discussões civilizadas, sadias e necessárias. É hora da sinergia dialógica,
fruto de um “consenso mínimo” que garanta o indispensável para defender e
cuidar da vida. O que está em nossa pauta e agenda? Quais os principais e reais
problemas que flagelam nosso povo e país? A fé cristã deve incidir diretamente
na vida e pautar prioridades coerentes com os ensinamentos de Cristo. O
Mandamento do Amor, por conta da fé, deve estar acima de tudo, até mesmo de
nossas convicções e liberdade de expressão. Sabemos que o direito e a defesa da
vida são anteriores em relação ao direito de liberdade. Justifica-se esta
afirmação pelo fato de que, para ser livre, é preciso estar vivo e, por isso, a
vida é condição indispensável para o exercício da liberdade responsável. A vida
sempre em primeiríssimo lugar!
Urge
reaprender a conviver com as diferenças e naturais divergências de ideias e
opiniões. Reaprender a debater ideias sem ofender pessoas. Deus condena o pecado
e não o pecador. Precisamos condenar o mal, não as pessoas. “Ouvistes o que foi
dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai
os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,44). O que pensa
diferente de mim, não é meu inimigo e, mesmo se o fosse, não poderia ser
odiado, se queremos seguir Jesus. Se o ódio e julgamentos são desprezíveis em
situações normais, quanto mais o são em situação de pandemia, dor e morte!
“O fruto do
Espírito é: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade,
mansidão, domínio próprio. Se vivemos pelo Espírito, procedamos também segundo
o Espírito, corretamente” (Gl 5,22-23). Não podemos concordar com divisões
dentro e fora da Igreja, unificada e conduzida pelo Espírito Santo que opera
também dentro e fora da Igreja. “O amor haveria de reunir na Igreja de Deus
todos os povos da terra. Esta é a casa de Deus, edificada com pedras vivas.
Nela o Eterno Pai gosta de morar; nela seus olhos jamais devem ser ofendidos
pelo triste espetáculo da divisão entre seus filhos” (Dos Sermões de um Autor
africano anônimo, do séc. VI).
Sobre a
defesa da vida, acolhida como dom e compromisso, como não recordar com gratidão
sincera os profissionais da saúde, os trabalhadores dos serviços essenciais, os
voluntários de diversas instituições, projetos e iniciativas religiosas e civis
que incansavelmente não deixaram de visitar e socorrer os mais vulneráveis,
pobres, necessitados e população em situação de rua? Como não recordar e
agradecer as doações feitas por pessoas, grupos, empresas e instituições para o
enfrentamento da pandemia? Como não reconhecer os esforços do Estado, Poder
Público e Autoridades, embora ainda insuficientes, para salvar vidas, distribuir
recursos e salvar empresas e empregos? Como não recordar e agradecer ao Bom
Deus a cura de milhares de infectados pela Covid-19? Enfim, no retorno ao Tempo
Comum, que tem a cor verde, sendo um tempo da esperança, como não encorajar a
todos e todas a manter a esperança invencível, mesmo diante do cenário incerto?
É um Tempo para frutificar a vida e os dons recebidos, em vista do bem comum:
“produzir frutos no Amor para a vida do mundo” (OT, n.16).
Quantas
experiências, sentimentos e fatos nesse dramático tempo? O que aprendemos e
desaprendemos? Em que melhoramos e pioramos? O que perdemos e ganhamos? Qual a
nossa avaliação desse tempo cronológico, vivido, é claro, à luz da fé em
Cristo? Não se trata de um tempo para se esquecer, mas para evoluir e nos
humanizar ainda mais. O que é mais difícil, vencer um vírus ou modificar a
maneira de pensar e de agir? Converter-nos o não mudar? O que, por meio
de mim e de nós, viralizou nesse tempo? Amor ou ódio, proximidade ou
distanciamento, entendimento ou confusão, fé ou descrença, compaixão ou
indiferença, esperança ou pessimismo, verdade ou desinformação, babel ou
Pentecostes?
O Espírito
Santo que nos foi dado, habita em nós. Portanto, somos habitação do Amor.
Estamos capacitados para perseverar no Amor, mesmo num cenário adverso e
dramático. Revestidos do Alto, podemos passar do momento babel para o momento
Pentecostes. Eis um nobre propósito pessoal e coletivo: buscar o diálogo, o
entendimento e a aproximação, em vista da emergencial opção primeira que é salvar
vidas e vencer a pandemia. Qual a minha e nossa opção: babel ou Pentecostes? À
luz da fé cristã a resposta é clara. Deixar-nos guiar pelo Espírito Santo e
viver segundo o Espírito é o mesmo que Amar e fazer a Vontade de Deus e o bem,
sempre, sobretudo em situações adversas. Por feliz providência encerramos,
neste ano, o Tempo Pascal com a festa da Visitação de Maria. Ela foi
apressadamente visitar sua prima Isabel, idosa e grávida. Ela nos visita! Maria
está atenta às nossas dores e necessidades. Ela pede a seu Filho por nós! É
hora de imitar a nossa Mãe Maior e nos dirigirmos apressadamente para
Pentecostes, deixando de lado as “babéis”, internas e externas, criadas ou
persistentes. Essa é a nossa única opção como cristãos e membros da família
humana. A linguagem do Amor é a única capaz de produzir entendimento e unidade
na diversidade. “Nossa única possibilidade de sobrevivência humana está
depositada no preceito cristão da caridade” (G.Vattimo), no Mandamento do Amor.
Dirigir-nos apressadamente para fazer o bem; esperar paciente e prudentemente o
novo normal; fazer o bem e evitar o mal; voltar ao litúrgico Tempo Comum,
desejando viver o tempo de modo comum e novo. Vamos em frente, com esperança
renovada. Vem Espirito Criador, nos recriar e renovar a face da terra.
Renova-nos Senhor, para que renovados, renovemos o mundo e nosso amado Brasil.
Rezemos: “Iluminai todos os seres humanos com a luz do vosso Espírito, e
afastai para longe as trevas do nosso tempo, para que o ódio se transforme em
amor, o sofrimento em alegria e a guerra em paz” (Prece, I Vésperas de
Pentecostes). Vem Espírito Santo vem, vem iluminar! Vem nos recordar o
essencial e ensinar o que ainda falta para sermos melhores, mais humanos e
conforme ao querer de Deus. Vem nos recriar, para frutificar e ser sinal de
Vossa Luz. Amém! Vem Maria vem, vem nos ajudar! Vem nos visitar!
Com o meu
abraço fraterno, proximidade, gratidão e benção.
Dom Luiz Antonio Lopes Ricci - Bispo de Nova Friburgo
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Fonte: cnbb.org.br
Fonte: cnbb.org.br
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