Na Quaresma deixar que Deus restaure a nossa beleza
Na terceira
meditação oferecida ao Papa Francisco e à Cúria Romana nos Exercícios
espirituais em Ariccia, o abade de São Miniato convidou com o poeta Luzi a
refletir sobre a indiferença, a doença de nossas cidades, e com La Pira sobre a
erradicação da vida das metrópoles. “Falamos de beleza para os jovens. É o
único modo com o qual se aceitam e aceitam os outros”.
Cidade do
Vaticano - Um convite a refletir sobre a indiferença, “proteção de si” para
proteger-se dos outros e da responsabilidade para com a realidade, sobre a
erradicação da vida da cidade, procurando a beleza e a medida que vem do ser
amado por Deus e amá-lo também nós.
Este é o centro
da terceira meditação oferecida, na manhã desta terça-feira (12/03), pelo abade
de São Miniato ao Monte em Florença, Bernardo Francesco Maria Gianni,
beneditino, ao Papa Francisco e seus colaboradores da Cúria Romana. O tema das
reflexões do pregador “O presente de infâmia, de sangue e indiferença”, é
extraído dos versos de Mario Luzi em “Felicità turbate”, a poesia dedicada à
abadia florentina em dezembro de 1997.
Olhar paras as
feridas da cidade
Quando ele
escreve, recordou o abade beneditino, Luzi tem nos olhos o massacre perpetrado
pela máfia quatro anos antes na Via dei Georgofili, as cinco vítimas inocentes
e a destruição de “uma parte preciosa do centro artístico de nossa cidade”,
disse ele.
“Somos convidados, a partir daquele evento
dramático, a olhar, como sempre estamos procurando fazer, as feridas das
cidades do mundo inteiro, até mesmo aquelas muito mais complexas e marcadas
pelas injustiças de todos os tipos, em todo o nosso planeta, e fazê-lo com um
olhar sobre a realidade que o nosso Papa nos ensinou, como prevalente respeito
à ideia.
A indiferença,
“proteção de si” para proteger-se dos outros
O pregador se
deteve num dos três “sinais do mal”, a indiferença, tão distante do “alcance
caritativo” da poesia de Luzi e da ação política de Giorgio La Pira. A
indiferença “que muitas vezes de forma sutil paralisa o nosso coração, torna o
nosso olhar” opaco, nebuloso. O que Charles Taylor descreveu como a “proteção
do eu”.
É como se a
nossa pessoa vestisse uma tela, da qual e com a qual se proteger dos outros,
daquela responsabilidade que os problemas do nosso tempo solicitam, à luz
daquela paixão evangélica que o Senhor quer acender com a força do seu Santo
Espírito em nosso coração.
Olhar para a
realidade sem sonhar cidades ideais
Citando o
teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer e sua preocupação pela vida das gerações
futuras, o abade Gianni sublinhou que deve estar em nosso coração a
possibilidade de deixar para as novas gerações “um futuro melhor que o presente
que vivemos, confiando nele, com um espírito radicalmente contrário à
indiferença, mas todos movidos pela ardente participação”. Romano Guardini nos
convidou ontem, recordou o beneditino, a acolher o futuro com responsabilidade
“realizando-o o mais próximo possível junto com o Senhor”:
Olhar para a
realidade evidentemente sem sonhar cidades ideais ou utópicas de nenhum tipo. A
utopia não é uma perspectiva autenticamente evangélica. A Jerusalém celeste,
que o visionário do Apocalipse contempla, não é uma utopia: é de fato o
conteúdo de uma promessa real e confiável que o Senhor dá às suas igrejas na
provação.
“A ação da
Igreja e dos homens e mulheres de boa vontade”, esclareceu o abade Bernardo
Francesco Maria Gianni, “acredito que seja realmente essa fecundidade gerada
pela escuta obediente e apaixonada do Evangelho da vida” de Jesus. E a poesia
de Mario Luzi, segundo o pregador, nos restitui a consciência “da tradição
representada pelo fogo de seus antigos santos”. É aquela brasa que “com a
santidade do tempo presente”, “pode realmente voltar a inflamar para ser uma
luz de esperança na noite das cidades do nosso mundo”.
A erradicação da
pessoa da vida da cidade
O abade de São
Miniato ao Monte relatou as palavras de La Pira num encontro de prefeitos do
mundo inteiro, em 2 de outubro de 1955: a crise do nosso tempo, disse o
prefeito de Florença, “é uma crise de desproporção e desmedida em relação ao
que é verdadeiramente humano”.
“A crise do
nosso tempo pode ser definida como a erradicação da pessoa do contexto orgânico
- isto é, vivo, conectivo - da cidade. Bem, essa crise só pode ser resolvida
através de uma nova radicação, mais profunda, mais orgânica, da pessoa na
cidade em que nasceu e em cuja história e tradição está organicamente
inserida”.
Os remédios da
beleza e medida
Deve ser vencida
a tentação da indiferença, da “proteção de si”, da erradicação que também leva
os homens da Igreja, a “sentirem-se estranhos, não interpelados pelo tecido
vivo com as suas dificuldades, os seus problemas, suas contradições, que
são as cidades onde somos chamados a levar, seja qual for o custo, a Palavra de
Deus, encarnando-a”. Por isso, o pregador propõe os medicamentos da beleza e da
medida: “Uma dimensão coral contra todo individualismo, um grande testemunho
que a Igreja não pode deixar de dar, com sua índole radicalmente fraterna”.
Santo Agostinho:
amando a Deus nos tornamos belos
Santo Agostinho,
comentando a Primeira Carta de São João, “nos lembra o que é a verdadeira
beleza e como é recebida”. “Que fundamento”, diz Agostinho, “teremos para amar
se Ele não nos tivesse amado por primeiro? Amando, tornamo-nos amigos, mas Ele
nos amou quando éramos seus inimigos para nos tornar amigos”:
Novamente, a
primazia de Deus, a anterioridade de seu agir, o nosso ser amados, ser feitos e
ser decorados por sua beleza. Ele nos amou por primeiro e nos deu a capacidade
de amá-lo: amando-o, nos tornamos belos.
Falar aos jovens
da beleza, é a sua única medida
“Num mundo que muito
para as aparências”, concluiu o pregador dos Exercícios ao Papa Francisco e à
Cúria Romana, “a beleza é a única medida com a qual os jovens se aceitam e
aceitam outros jovens”. Então, voltamos a Agostinho: “A nossa alma, irmãos, é
feia por causa do pecado. Ela torna-se bonita amando a Deus”:
“Como seremos
belos? Amando Ele que é sempre belo. Quanto mais cresce o amor em nós, cresce
também a beleza, a caridade, de fato, a beleza da alma. No entanto, Agostinho
reconhece que o Senhor Jesus, a fim de nos dar a sua beleza, também se tornou
feio, e o fez na cruz, aceitando aquela mudança também em seu corpo.”
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Fonte: vaticannews.va
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