O cuidado do coração para reconhecer a presença de Deus
A poesia de
Mario Luzi, a recordação de Giorgio La Pira, as reflexões do Papa Francisco
marcaram a primeira meditação do abade beneditino Francesco Maria Gianni ao
qual foram confiados os Exercícios Espirituais ao Papa e à Cúria Romana sobre o
tema: “A cidade dos desejos ardentes: olhares e gestos pascais na vida do
mundo”
Cidade do
Vaticano - O Papa Francisco estava sentado na quarta fila para ouvir
a primeira meditação do monge beneditino Bernardo Francesco Maria Gianni,
abade de São Miniato no Monte, Florença, que abriu os Exercícios Espirituais
para a Quaresma em Ariccia, no início da noite deste domingo (10/03). Para a
primeira meditação o abade inspirou-se em uma poesia de Mario Luzi de 1997:
“Estamos aqui para isso”. A reflexão do abade parte do seu mundo, da sua casa,
da colina nos arredores de Florença, “local da geografia da graça” para Giorgio
La Pira, “o prefeito santo” como foi definido pelo beneditino. A partir disso o
Papa e seus coirmãos são convidados a olhar para Florença, para descobrir “um sinal,
um indício de como Deus habite na cidade”.
O olhar sobre o
deserto das cidades
Partindo desse
ponto segue a exortação a assumir um olhar “de graça, de gratidão, de mistério
sobre Florença”, “um olhar de fé” sobre uma cidade que muitas vezes oferece “a
cinza, empoeirada, inerte, sem sinal de vida de um fogo que não queima mais que
não arde mais”.
Portanto, um
olhar do alto: certamente não para cair nas tentações do maligno que quase
gostaria que possuíssemos todas as coisas do mundo, dominando-as,
condicionando-as; mas vice-versa, o olhar animado pelo Espírito Santo, pela
Palavra do Senhor, um olhar de contemplação, de gratidão, de vigilância se
necessário, de profecia. E é um olhar que não tem dificuldade em reconhecer
como tantas vezes – até demais! – realmente as nossas cidades são um deserto.
Reacender o fogo
do amor
Um olhar –
explica o monge Bernardo – que é estímulo para reacender um fogo, para dar
novamente vida verdadeira em Cristo, no Evangelho:
Uma cidade que,
com o amor da Igreja – como todas as cidades deste mundo – com a santidade da
Igreja pode voltar, deve voltar a se acender o fogo do amor. Essa é a modesta
contribuição que gostaria de dar a cada um de vocês, de coração: um olhar de
mistério sobre Florença, para que a nossa ação pastoral, a nossa dedicação às
pessoas que nos são confiadas pelo Senhor, possam realmente ser de novo chama
viva de desejo ardente, e voltar a ser um jardim de beleza, de paz, de justiça,
de medida, de harmonia.
Onde há amor,
também há um olhar
Citando o
místico da Idade Média, Ricardo de São Vítor, “onde há amor, também há um
olhar”, o abade de São Miniato no Monte recorda a necessidade de reconhecer “os
sinais e os indícios que o Senhor não se cansa de deixar na sua passagem na
nossa história, na nossa vida”. É naquele amor que se pode ler o olhar de
Giorgio La Pira sobre Florença, de Jesus sobre Jerusalém e sobre todos os que
encontrava. Uma perspectiva que introduz “uma dinâmica pascal” tornando-nos
conscientes que “o momento histórico é grave” porque a “amplidão universal da
fraternidade parece muito enfraquecida”. É a força da fraternidade – afirma – a
nova fronteira do cristianismo.
Cada detalhe da
vida do corpo e da alma, onde brilham o amor e o resgate da nova criatura vai
se formando em nós – gosto muito deste ‘brilhar’ do amor: de novo a luz, o fogo
– surpreende como o verdadeiro milagre de uma ressurreição já em ato.
Deixemo-nos
olhar por Jesus
Recordando que o
humanismo, como evidenciou Papa Francisco, é assim a partir de Cristo, o abade
convida a entrever “o rosto de Jesus morto e ressuscitado que recompõe a nossa
humanidade, também da que foi fragmentada pelos sofrimentos da vida ou marcada
pelo pecado”. É a imagem do misericordiae vultus.
Deixemo-nos
guiar por Ele. Jesus é o nosso humanismo: façamo-nos inquietar sempre pela sua
pergunta: “Vós, que dizeis que eu seja?”. Deixemo-nos ser olhados por ele para
aprender – diria – a olhar como Ele olhava. O jovem rico, fixando-o, amou-o: o
encontro de olhares de Zaqueu que sobe na árvore para olhar o Senhor Jesus, que
levanta o olhar para ir ao seu encontro.
O coração em
conversão
Um olhar que faz
desaparecer o medo de não reconhecer o Senhor que vem, como confessava Santo
Agostinho. Porém, o olhar que já mudou o coração.
“Se não estás
atento ao teu coração, não saberás jamais se Jesus está te visitando ou não”,
aludindo a Agostinho, a um cuidado do coração, que é um dos objetivos
importantes destes dias: um coração atento, em conversão que recorde e
recordando se abra para reconhecer a presença de Deus nesta nossa História e
como ela se abra a esperanças ardentes, inéditas e inauditas.
Ter o Senhor
diante dos olhos e entre as mãos
O chamado do
monge Bernardo é missão dos consagrados chamados a “uma vida simples e
profética na sua simplicidade, onde o Senhor está diante dos olhos e entre as
mãos e não se precisa de mais nada”.
“A vida é Ele, a
esperança é Ele, o futuro é Ele. A vida consagrada é esta visão profética na
Igreja: é olhar que vê Deus presente no mundo, embora a muitos passe
despercebido”. São palavras do Papa Francisco em 2 de fevereiro de 2019 no
encontro com os consagrados. Mas são palavras que creio que possam servir para
todos nós aqui presentes”.
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Abade Bernardo Gianni nos Exercícios
espirituais:
Cultivemos saudáveis utopias, não as cinzas do mundo
Prossegue em
Ariccia os Exercícios Espirituais para o Papa Francisco e a Cúria Romana na
tarde da segunda-feira (11/03) o abade Bernardo Gianni fez a meditação sobre o
tema: “Estamos aqui para reavivar as brasas com o nosso sopro”
Cidade do
Vaticano - Pinceladas de poesias, entremeadas com sonhos. O abade Bernardo
Francesco Maria Gianni, que está propondo ao Papa Francisco e aos membros da
Cúria romana as meditações para os exercícios espirituais, oferece copiosamente
citações e invocações: um sopro delicado sobre as brasas da esperança e da
confiança. O incansável construtor da paz Giorgio La Pira volta às suas
reflexões, assim como a força evocativa da poesia de Mário Luzi e de Romano
Gardini. Tudo orientado para propor um olhar evangélico sobre as cidades, para
que possam se tornar “lugares ardentes de amor, de paz e de justiça”.
É o que nos faz
celebrar Mário Luzi. A cidade que foi o sonho de Giorgio La Pira, é uma cidade
na qual reavivar o fogo, para que a humanidade volte a contemplá-la com
renovada esperança, reconhecendo-nos, como seguidamente tentamos dizer, um
lugar onde passa o Senhor, um lugar visitado e visitável pelo Senhor.
Reavivar a chama
do carisma de Deus
O beneditino
olivetano, abade de São Miniato no Monte em Florença, recorda aos presentes que
o fogo do amor de Jesus é confiado também ao “testemunho”, à “custódia” e à
“paixão” de cada um. E este tempo da Quaresma permite reavivar o fogo que ficou
menos ardente “por resignação, por hábito, por aquela “mornidão” justamente
repreendida por importantes páginas do Apocalipse”.
É verdade, a
Carta aos Romanos, capítulo 11 versículo 20 nos recorda: os dons e o chamado de
Deus são irrevogáveis. Mas como podemos nos considerar dispensados da busca
apaixonada do combustível necessário para manter acesa, ardente, e em
crescimento a chama da vocação que recebemos?
A presunção de
não precisar de nada
O abade alerta
sobre a presunção de não “precisar de nada”, com o qual, frisa, “nos
consideramos realmente dispensados de considerar seriamente e cuidar deste dom
imenso que o Senhor nos doou”, com “uma vida de oração, de escuta da sua
Palavra, alimentando-nos da santa e divina Eucaristia, vivendo uma fraternidade
radical que derive da escuta da Palavra e da conformação à lógica eucarística
com a qual a vida divina se abre entrando dentro de nós”. “E realmente se
entra”, insiste, “misticamente com a força do Espírito Santo”.
Um sopro que é a
força do Espírito Santo que se digna de passar através de nós, que se digna
transformar as nossas fraquezas, as nossas fragilidades, tornando-nos capazes
de reacender novamente aquela chama dos desejos ardentes.
A sinfonia das
estações
Recordando mais
uma vez as palavras do profeta da esperança Giorgio La Pira, o monge lembra que
um homem pode “nascer quando é velho”: e isso acontece “se nos sentimos
necessitados da necessidade e desejosos do desejo”, quando realmente
participamos “a este evento pascal de um autêntico renascimento a partir do
alto”.
E então trata-se
de redescobrir que dentro de nós há uma sinfonia, há uma polifonia no espírito
muito mais rica e articulada do que aquela que o tempo mecânico dos nossos
relógios parecem nos sugerir. São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios, usa
palavras de extraordinária força evocativa e de grande verdade espiritual e
antropológica: “Por isso, não desanimamos. Mesmo se o nosso físico vai se
arruinando, o nosso interior, pelo contrário, vai-se renovando dia a dia”.
Resistir às
cinzas do mundo
Portanto, não se
deve se render “às cinzas dentro e fora de nós” porque esta “segunda criação
pode se realizar em cada homem, através de cada palavra, através de cada
acontecimento”.
Uma perspectiva
que a mim parece restituir à condição humana uma dignidade à qual não se deve
banalmente se congratular com uma auto referencialidade pecaminosa. Pelo
contrário, leva-a a uma inquietude que gere Páscoa por tudo e de qualquer modo
em uma perspectiva que decidimos contemplar no espaço da convivência citadina,
porque advertimos que principalmente ali, está reunida a grande tentação de se
reconhecer só e somente como cinza inerte, fruto de uma combustão que deflagrou
as esperanças e os sonhos principalmente - permitam-me dizer – das novas
gerações.
A partir disso a
importância de não buscar “resultados imediatos que produzam rendimentos
políticos fáceis, rápidos e efêmeros”, mas ações capazes de gerar “novos
dinamismos na sociedade”, capazes de dar plena floração ao ser humano.
A possibilidade
de um novo início
Certamente a
vida é “hábito, como uma constrição, como um relógio”, mas há sempre “o momento
da decisão”: e esta é a “força do início”, a “força da novidade” que “nasce do
espírito, do coração”. Na escolha ganha intensidade a liberdade do homem, que
deveria se plasmar no exemplo de Cristo ao invés de dar “atenção às pessoas
desiludidas e infelizes”, a “quem recomenda cinicamente de não cultivar
esperanças na vida”, a quem “derrota logo todo o entusiasmo dizendo que nada
vale o sacrifício de uma vida toda”.
Não ouçamos os
“velhos” de coração que sufocam a euforia juvenil; vamos aos velhos que têm os
olhos que brilham de esperança. Cultivemos saudáveis utopias. Deus nos quer
capazes de sonhar como Ele e com Ele enquanto caminhamos atentos à realidade.
Sonho, fogo, chama. Sonhar um mundo diverso e se um sonho se apaga voltar a
sonhá-lo de novo, extraindo com esperança da memória das origens, e das brasas
que talvez depois de uma vida não tão boa, estejam escondidas sob as cinzas do
primeiro encontro com Jesus.
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Fonte: vaticannews.va
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