Um imperativo ético emergente e urgente!
Vivemos hoje uma
verdadeira “crise de humanização” cujos sintomas mais evidentes se manifestam
sob o descuido, descaso, indiferença e abandono da vida mais vulnerável que
clamam aos céus. Para citar apenas alguns exemplos: encontramo-nos com crianças
famintas perambulando nos cruzamentos de nossas cidades, aumento do número dos
excluídos das benesses do progresso, descaso para com os idosos, utilitarismo
depredatório em relação ao meio ambiente e instituições de saúde tecnicamente
impecáveis, equipadas com tecnologias de última geração, mas infelizmente
frias, sem calor e alma humana!
Felizmente
estamos começando a ter exemplos e testemunhos de sensibilidade e solidariedade
em relação à vida humana vulnerabilizada pela doença e sofrimento que nos
deixam esperançosos ao nos apontar que a essência da vida é o cuidado. Desde o
nível pessoal até o cósmico ecológico (“o cuidado da nossa casa comum”), a
garantia de vida digna e de existência no futuro hoje passa pelo grito ético da
necessidade do cuidado. O grande desafio para todos os profissionais que
trabalham no âmbito da saúde hoje, para além da competência tecnocientífica, é
também ser capaz de vivenciar competência humano e ética, que se traduz no
cuidado respeitoso.
Mas o que
entender por cuidado? Etimologicamente a expressão terapêutica deriva do grego
therapéuo, que significa ”eu cuido”. Na Grécia antiga, “o thérapeuter” era
aquele que se colocava junto a quem sofria, que compartilhava da experiência da
doença do doente para poder compreendê-la, e então mobilizar seu conhecimento e
sua arte de cuidar, sem saber se poderia realmente curar. Para compreender a
doença, ele se interessava pela totalidade de vida do doente, inclinando-se
para ouvi-lo e examiná-lo. Essa inclinação (klinos, em grego, termo do qual
deriva a palavra “clínica”) significava também uma reverência e respeito ante o
sofrimento do doente.
Cuidar sempre é
possível, mesmo quando cura não é mais possível. Sim, deparamo-nos com doentes
ditos “incuráveis”, mas que nunca são, e nunca deveriam deixar de ser
“cuidáveis”. Cuidar mais que um ato isolado, é uma atitude constante de
ocupação, preocupação e ternura com o semelhante, que sabe unir competência
técnico-científica, com humanismo e ternura humana.
Nas palavras de
um paciente, partilhamos a reflexão de um amigo camiliano, Tom O´Connor, sobre
o que significa a experiência de cuidar.
Cuidar é quando
você:
- Se aproxima de
mim, mesmo sabendo que não pode atender meu mais profundo desejo, isto é, minha
cura;
- Visita-me,
mesmo sabendo o que todos sabemos, que estou me despedindo da vida;
- Continua a me
ver, mesmo sendo um dos representantes de uma das profissões que falharam em me
curar e porque acredita em mim, tenha ou não cura a doença;
- Perde tempo
comigo, embora eu esteja numa situação tão frágil e incapaz de dar algo em
troca. Não posso nem dizer “obrigado” com elegância;
- Faz-me sentir
como alguém especial, embora eu seja como todos os outros pacientes;
- Não me vê
apenas como um caso perdido, mas como alguém e assim me ajuda em me concentrar
no viver.
- Relembra
pequenas coisas minhas, se interessa pelo meu passado, meu futuro e minha
família;
- Diz “boa
noite” que não significa “adeus”, mas me dá a certeza de que você estará de
volta ao amanhecer;
- Não se
concentra no meu “mau humor”, mas sim em mim, como pessoa.
- Aproxima-se de
mim sem ares de profissionalismo insensível, mas como pessoa humana sensível
que todos somos.
- Ouço minha
família falar bem de você e se sente confortada na sua presença e você faz-me
sentir seguro em suas mãos.
O cuidado
autêntico e respeitoso, na verdade não é outra coisa senão um verdadeiro
testemunho do respeito amoroso por mim!
O descuido e a
indiferença facilmente nos animalizam, mas o cuidado nos resgata como humanos e
nos humaniza. Isto é sentido principalmente nos momentos de vulnerabilidade
máxima, que são basicamente em dois momentos chaves de nossas vidas, ou seja,
quando passamos a existir e fazer parte do grande show da vida (nascimento) bem
como o momento quando, depois de muito viver, somos silenciosamente convidados
a sair de cena (despedida da vida).
Enfim, somente o
cuidado respeitoso nos remete à construção de pontes de comunhão e comunicação,
que se eleva para uma dimensão de sentido e transcendência da vida, em que
descobrimos que não somente passamos pela vida, mas deixamos um legado de
sentido e valores para as gerações futuras, de que valeu apena viver!
Acreditamos que este é o milagre do cuidado, como atitude de vida! Portanto,
cuidemo-nos, cuidando dos outros!
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Fonte: a12.com Foto: shutterstock
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