O Tempo Comum durante o ano
Na liturgia celebramos a vida de Cristo
desde as promessas do Messias, sua Encarnação no seio da Virgem Maria, passando
pelo seu Nascimento, Paixão, Morte, Ressurreição, até a sua Ascensão e a vinda
do Espírito Santo. Mas enquanto civilmente se comemoram fatos passados que
aconteceram uma vez e não acontecerão mais, (embora muitos desses fatos
influenciem a nossa vida até os dias de hoje), no Ano Litúrgico, além da
comemoração, vivemos na atualidade, no dia-a-dia de nossa vida, todos os
aspectos da salvação operada por Cristo. A celebração dos acontecimentos da
Salvação é atualizada, tornada presente na vida atual dos batizados.
No Ano Litúrgico, a cada Natal é Cristo que
nasce no meio das famílias humanas, é Cristo que sofre e morre na cruz na
Semana Santa, é Cristo que ressuscita na Páscoa, é Cristo que derrama o
Espírito Santo sobre a Igreja no dia de Pentecostes. De forma que, ao fazermos
memória das atitudes e dos fatos ocorridos no passado, essas mesmas atitudes e
fatos tornam-se presentes e atuantes hoje, no aqui e agora de nossa vida.
O Ano Civil começa em 1º de janeiro e
termina em 31 de dezembro. Já o Ano Litúrgico começa na véspera do 1º Domingo
do Advento (cerca de quatro semanas antes do Natal) e termina na tarde do
sábado anterior a ele. Podemos perceber, também, que o Ano Litúrgico está
dividido em “Tempos Litúrgicos”. O Ano Litúrgico da Igreja é assim dividido:
Advento, Tempo do Natal, Tempo Comum (1), Tempo Quaresmal, Tempo Pascal e Tempo
Comum (2). Além dos tempos, que têm características próprias, restam no ciclo
anual trinta e três ou trinta e quatro semanas nas quais são celebrados, na sua
globalidade, os Mistérios de Cristo, que chamamos Tempo Comum durante o ano.
Comemora-se o próprio Mistério de Cristo em sua plenitude, principalmente aos
domingos.
Com a semana, que segue ao Batismo de
Jesus, inicia-se o chamado Tempo Comum do
ano litúrgico. O Tempo Comum
não celebra um ou outro aspecto particular do
mistério de Cristo, como acontece, por exemplo,
com o Advento-Natal ou a Quaresma-Páscoa,
mas celebra o mesmo mistério, na sua globalidade. Realiza isso pela constante
referência à Páscoa, que caracteriza os domingos, assim acompanhando e
orientando o caminho pascal do povo de Deus, no seguimento de Jesus, rumo ao
cumprimento da história.
O Tempo Comum pode nos ajudar a refletir
sobre a espiritualidade desse tempo do ano e sobre o sentido do tempo como dom
de Deus. Se chama “tempo comum”, para distinguir do extraordinário, do festivo.
No Ano litúrgico, como em nossa vida, existem tempos fortes de festa e tempos
ordinários, comuns.
Mas, como fazer com que no tempo comum não
caímos em tempo de rotina? Primeiramente, devemos alimentar nossa vida naquela
fonte rica dos tempos fortes que celebramos. Assim, Natal significa nascimento,
manifestação do Senhor na história dos homens. Então, este Cristo que nasceu,
este Cristo que se manifestou, deseja prolongar a ação de nascer e
manifestar-se após as solenidades. Cristo quer encarnar-se cada dia através dos
tempos.
Outra maneira de valorizar e superar a
rotina do tempo comum é encontrar o extraordinário no comum. Como no Ano
litúrgico, em nossa vida nem sempre se verificam grandes acontecimentos.
Importa aproveitarmos as menores coisas para aí detectarmos as coisas grandes,
as realidades permanentes e eternas. Iluminados e fortificados pelo Espírito,
podemos viver, na monotonia e na rotina do dia-a-dia. o mistério pascal de
morte e vida. As grandes coisas que propusemos serão coisas grandes, quando
feitas com amor.
O Tempo Comum nos leva a valorizar o tempo
que Deus nos concede. Os grandes e os pequenos acontecimentos são percebidos no
tempo e, por outro lado, os acontecimentos nos fazem perceber o tempo. O Tempo
Comum nos convida a entrar no mistério das grandes pequenas coisas. É fácil
deixar-se inebriar pelas grandes festas que costumam deixar uma gota de
amargor. Difícil é fazer com que as pequenas coisas e pequenos acontecimentos
se tornem eloquentes. O raiar do dia será cada dia novo, se vivermos o seu
significado; se for um encontro com o sol da vida, Jesus Cristo. O trabalho
mais despretensioso e oculto será um evocar a maravilhosa capacidade do homem
de dominar a terra, participando do poder criador do próprio Deus.
Portanto, o Tempo Comum na experiência
semanal da Páscoa pela celebração do Domingo, nos proporcione mais tempo para a
reflexão sobre as coisas mais ordinárias do dia-a-dia, levando-nos a descobrir
e a viver os acontecimentos antes de tudo em nós mesmos. O tempo comum nos fará
compreender que nossa vida espiritual é um processo lento e
gradual.
Cardeal Orani João Tempesta - Arcebispo do
Rio de Janeiro (RJ)
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