“Novo Ano Novo”: 2023!
“Novo ano novo” não pode ser apenas
um trocadilho compondo augúrios compartilhados. As urgências contemporâneas,
evidentes a partir de simples contemplação da realidade, interpelam por novas
posturas. Essas urgências gritam pedindo respostas para graves problemas que
impactam, principalmente, a vida dos mais pobres, de migrantes e de tantas
pessoas indefesas. Indispensável é a composição espiritual e humanística de
propósitos, com força para encetar novos rumos e caminhos, tendo diante dos
olhos os descompassos e as injustiças que ferem a humanidade. É preciso deixar
arder na própria pele os sofrimentos dos que estão excluídos, de muitas
maneiras, das vítimas de preconceitos e ódios. Trata-se de corajosa atitude
para contribuir com processos de mudança, particularmente na sociedade
brasileira.
Dom Walmor |
Dentre as metas para o novo ano,
indicado é buscar um novo estilo de vida, mais simples, sem desperdícios. Todos
possam se compadecer daqueles que não têm o que comer, lembrando que o Brasil
novamente está inserido no mapa da fome. As estatísticas comprovam que a adoção
de um estilo de vida mais simples, mundo afora, pode resgatar muitos da
miséria: aproximadamente um terço dos alimentos produzidos no planeta são
desperdiçados. Esse volume, se adequadamente aproveitado, seria suficiente para
vencer a fome e a insegurança alimentar. A busca por um novo modo de agir no
mundo precisa contemplar ainda o compromisso com a promoção da paz, o que
significa fazer da própria interioridade um coração da paz. Isto é muito
necessário quando se considera, por exemplo, as ameaças de violência inseridas
no cotidiano da realidade brasileira. Urge um célere resgate humano e social.
O respeito incondicional a cada
pessoa é o caminho efetivo para a paz, meta insubstituível para um autêntico humanismo
integral, alicerçando um futuro sereno e de igualdade social. Não se alcançará
a paz, dom de Deus, sem cotidianamente reafirmá-la, vivenciá-la, fazendo do
próprio coração um templo da paz. É preciso agir na contramão de ressentimentos
e de soberbas que tomam o lugar da gratidão, instalando um “campo de guerra” na
interioridade humana. Seja, pois, meta de cada um forrar o coração de amor
fraterno, para expulsar o ódio e, assim, desencadear uma profunda transformação
humanística no planeta. É o caminho para efetivar uma dinâmica transformadora,
alicerçada no reconhecimento de que todas as pessoas partilham a mesma
dignidade, têm o mesmo valor, são iguais. O reconhecimento da igualdade humana
derruba castelos de vaidades e soberbas, que podem tomar o coração até daquelas
pessoas mais inteligentes e competentes no exercício de suas responsabilidades.
Cultivar cotidianamente um coração
pacífico é atitude tão importante e necessária que se torna até difícil a
mensuração de suas consequências, na geração de mudanças e de novas respostas
para problemas graves. É atitude que transforma o ser humano em instrumento
testemunhal do amor verdadeiro, aquele que tudo perdoa e reconcilia, conforme
canta o hino da caridade do apóstolo Paulo, escrevendo aos coríntios, no
capítulo 13. Vale a recomendação de recitar esse hino e deixar-se fecundar por
seus versos, com propósitos que farão a diferença impulsionando a paz e a
justiça social. Sublinhe-se: aqueles que fazem de si um coração da paz adquirem
qualificadas aptidões para promover a boa política, um desafio urgente. A
política é um meio fundamental para (re)construir a cidadania. Tudo desaba
quando políticos não vivem a serviço da coletividade, ambicionando somente
privilégios, permanecendo-se indiferentes à realidade dos mais pobres.
Por isso mesmo, no conjunto de
propósitos para o novo ano, busque-se tratar a política a sério, em todos os
seus níveis, para fomentar a consciência de pertencimento a uma sociedade que
pode e precisa ser, urgentemente, justa e fraterna. Inspira a busca por esse
objetivo a citação das bem-aventuranças de um político, segundo o Cardeal
vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, falecido em 2002: “Bem-aventurado
o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência de seu papel; bem-aventurado
o político cuja pessoa irradia a credibilidade; bem-aventurado o político
que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses; bem-aventurado
o político que permanece fielmente coerente; bem-aventurado o político que
realiza a unidade; bem-aventurado o político que está comprometido na
realização de uma mudança radical; bem-aventurado o político que sabe escutar;
bem-aventurado o político que não tem medo”.
A litania da bem-aventurança do
político ainda tem uma lista grande a ser acrescentada, como o combate a
privilégios, a partir de inovações no exercício do poder, inspiradas no direito
e na justiça. O direito e a justiça, vividos e testemunhados, promovem a
consciência de que cada pessoa pertence à mesma família – a humanidade – que
precisa ser comunidade de paz. Dessa maneira, para fecundar o “novo ano novo”,
vale acolher o pedido do Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial da
Paz de 2018: cultivar um olhar contemplativo dirigido ao mundo. A
sabedoria da fé nutre esse olhar contemplativo que permite fortalecer a
compreensão de que todos fazem parte da mesma comunidade humana, trabalhando
para torná-la mais inclusiva e dialogal. Um olhar contemplativo, isto é, um
olhar de fé, capaz de perceber a presença de Deus na própria casa, nas ruas e
nas praças, inspirando em todos a solidariedade, a fraternidade, o desejo de se
promover o bem, a verdade e a justiça. Por muitos outros propósitos, o momento
pede que cada um se torne artífice da paz, para que seja verdadeiramente novo o
ano novo de 2023.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Nenhum comentário:
Postar um comentário