A xenofobia é "uma doença"
A coletiva de
imprensa no voo de volta da África a Roma: Francisco recorda a alegria das
crianças que encontrou e afirma que o Estado tem o dever de cuidar da família.
Ele diz que a xenofobia é "uma doença" e pede para preservar a
identidade dos povos das colonizações ideológicas. Fala das críticas que recebe
e a uma pergunta sobre as tentações cismáticas responde: "Rezo para que
não ocorram, mas não tenho medo".
Do voo
Antananarivo-Roma - O Papa
Francisco, duas horas e meia depois da decolagem do voo Air Madagascar de
Antananarivo a Roma, encontrou-se com os jornalistas a bordo do voo papal e
falou com eles durante cerca de uma hora e meia respondendo às suas perguntas.
Julio Mateus
Manjate (Notícias, Moçambique): Durante a sua
visita a Moçambique o senhor se encontrou com o Presidente da República e com
os dois presidentes dos dois partidos presentes no Parlamento. Gostaria de
saber quais são as suas expectativas para o processo de paz e que mensagem
gostaria de deixar a Moçambique. E dois breves comentários sobre dois
fenômenos: a xenofobia que existe em África e o impacto das redes sociais na
educação dos jovens.
Papa Francisco: "O primeiro
ponto sobre o processo de paz. Hoje, se identifica Moçambique com um longo
processo de paz que teve os seus altos e baixos, mas no final conseguiram
concluí-lo com um abraço histórico. Espero que isto continue e rezo por isso.
Convido todos para que façam um esforço para assegurar que este processo de paz
prossiga. Porque tudo se perde com a guerra, tudo se ganha com a paz, disse um
Papa antes de mim (Pio XII, ndr). Isto é claro, não devemos esquecê-lo. É um
longo processo de paz porque teve uma primeira etapa, depois parou, depois
outra... E o esforço dos líderes das partes contrárias para não dizer inimigos
é o de ir ao encontro um do outro. É também um esforço perigoso, algumas
pessoas arriscavam as suas vidas, mas no final chegou-se à conclusão. Gostaria
de agradecer neste processo de paz todas as pessoas, todas as pessoas que deram
uma contribuição. Começando pelo primeiro encontro, que começou com um café...
Havia gente ali, havia um sacerdote da Comunidade de Sant'Egidio, que será
criado cardeal no próximo dia 5 de outubro (Dom Matteo Zuppi, arcebispo de
Bolonha ndr). E então, com a ajuda de tantas pessoas, também da Comunidade de
Sant'Egidio, chegou-se a este resultado. Nós não devemos ser triunfalistas
nestas coisas. O triunfo é a paz. Não temos o direito de ser triunfalistas,
porque a paz ainda é frágil no seu país, tal como é frágil no mundo. A paz deve
ser tratada da mesma forma como se tratam as coisas recém-nascidas, como as
crianças, com muita, muita ternura, com muita delicadeza, com muito perdão, com
muita paciência, para fazê-la crescer e ser robusta. É o triunfo do país: a paz
é a vitória do país, é preciso entender isso..... E isso vale para todos os
países, que se destroem com a guerra. As guerras destroem, fazem perder tudo.
Vou me delongar um pouco sobre este tema da paz, porque está no meu no coração.
Quando, há alguns meses, houve a celebração do desembarque na Normandia, é
verdade que havia chefes de governos a recordar o que foi o início do fim de
uma guerra cruel, também de uma ditadura anti-humana e cruel como o nazismo e o
fascismo... mas naquela praia morreram 46 mil soldados, é o preço da guerra.
Confesso que quando fui a Redipuglia para a comemoração da Primeira Guerra
Mundial, eu chorei: "Por favor, nunca mais a guerra! Quando fui a Anzio
para celebrar o dia de finados, no meu coração sentia que devemos criar esta
consciência: as guerras não resolvem nada, pelo contrário, fazem ganhar as
pessoas que não querem (a paz) da humanidade. Desculpem-me por este apêndice,
mas tinha que dizer diante de um processo de paz, pelo qual rezo e farei tudo o
que é possível para que avance e espero que cresça com força.
Segundo ponto, o
problema da juventude. A África é um continente jovem, tem uma vida jovem, se a
compararmos com a Europa, e vou repetir o que disse em Estrasburgo: a mãe
Europa quase se tornou "avó Europa". Envelheceu, estamos vivendo um
inverno demográfico muito grave na Europa. Li - não me recordo de que país, mas
trata-se de uma estatística oficial do governo - que em 2050 naquele país
haverá mais aposentados do que pessoas que trabalham, e isso é trágico. Qual é
a origem deste envelhecimento da Europa? Eu, é uma opinião pessoal, penso que o
bem-estar está na raiz. Agarrar-se ao bem-estar - "Mas, nós estamos bem,
eu não tenho filhos porque tenho de comprar uma casa, tenho que fazer turismo,
estou bem assim, um filho é um risco, nunca se sabe...". Bem-estar e
tranquilidade, mas é um estar bem que o leva a envelhecer. Em vez disso, a
África está cheia de vida. Encontrei na África um gesto que tinha encontrado
nas Filipinas e em Cartagena, Colômbia. As pessoas que levantavam as crianças
como se dissessem "este é o meu tesouro, esta é a minha vitória, o meu
orgulho". É o tesouro dos pobres, a criança. Mas é também o tesouro de uma
pátria, de um país. Eu vi o mesmo gesto na Europa Oriental, em Iasci, especialmente
aquela avó que mostrava a criança: este é o meu triunfo... Vocês têm o desafio
de educar esses jovens e fazer leis para esses jovens, a educação neste momento
é uma prioridade no seu país. É uma prioridade que se cresça tendo leis sobre a
educação. O primeiro-ministro de Maurício falou comigo a este respeito. Ele
disse que tinha em mente o desafio de fazer crescer o sistema de educação
gratuito para todos. A gratuidade do sistema educativo: é importante porque
existem centros educativos de alto nível, mas a pagamento. Existem centros
educativos em todos os países, mas é preciso multiplicá-los para que a educação
chegue a todos. As leis sobre a instrução e a saúde neste momento são a
prioridade ali.
Terceiro ponto:
a xenofobia. Li nos jornais sobre esta xenofobia, mas não é apenas um problema
da África. É uma doença humana, como o sarampo... É uma doença que entra num
país, entra num continente, e colocamos muros. Mas os muros deixam sozinhos
aqueles que os constroem. Sim, deixam de fora muitas pessoas, mas aqueles que
permanecerem dentro dos muros ficarão sozinhos e no final da história
derrotados por causa de grandes invasões. A xenofobia é uma doença. Uma doença
"justificável", por exemplo, para manter a pureza da raça, apenas
para falar de uma xenofobia do século passado. E muitas vezes as xenofobias
cavalgam a onda dos populismos políticos. Disse na semana passada, ou na semana
retrasada, que às vezes ouço, em alguns locais, discursos que se assemelham aos
de Hitler de 1934. É como se na Europa houvesse um pensamento de retorno.
Mas também vocês
na África têm um problema cultural que tem de ser resolvido. Recordo-me de ter
falado disso no Quênia, o tribalismo. Ali é necessário um trabalho de educação,
de aproximação entre as diferentes tribos para criar uma nação. Comemoramos há
pouco o 25º aniversário da tragédia de Ruanda: é um efeito do tribalismo.
Lembro-me no Quênia, no estádio, quando pedi a todos que se levantassem e
apertassem as mãos e dissessem "não ao tribalismo, não ao tribalismo...".
Devemos dizer não. Trata-se de um fechamento. E há também a xenofobia
doméstica, mas em todo caso uma xenofobia. Temos de lutar contra isso: seja a
xenofobia de um país em relação a outro, seja a xenofobia interna, que, no caso
de alguns lugares na África e com o tribalismo, conduz a uma tragédia como a de
Ruanda".
Marie Fredeline
Ratovoarivelo (Rádio Dom Bosco, Madagascar): O senhor falou
sobre o futuro dos jovens durante sua visita apostólica, penso que a fundação
de uma família é muito importante para o futuro. Os jovens de Madagascar vivem
em situações familiares muito complexas por causa da pobreza. Como pode a
Igreja acompanhar os jovens diante do fato que os seus ensinamentos são
considerados ultrapassados e diante da revolução sexual de hoje?
Papa Francisco: "A família
certamente tem a responsabilidade da educação dos filhos. Foi emocionante como
os jovens de Madagascar se expressaram, vimos isso também em Maurício e também
com os jovens de Moçambique do encontro inter-religioso pela paz. Dar valores
aos jovens, fazê-los crescer. Em Madagascar, o problema da família está ligado
ao problema da pobreza, à falta de trabalho e muitas vezes também à exploração
do trabalho. Por exemplo, na pedreira de granito os trabalhadores ganham um
dólar e meio por dia... São fundamentais as leis que protegem o trabalho e a
família. E também os valores familiares, que existem, mas são muitas vezes
destruídos pela pobreza: não os valores, mas a capacidade de transmiti-los e de
continuar a educação dos jovens. Vimos em Madagascar a obra de Akamasoa, o
trabalho que se faz com os pequenos para que possam crescer em uma família que
não é a natural, sim, mas é a única possibilidade. Ontem em Maurício, depois da
Missa, encontrei monsenhor Rueda com um policial, alto, grande, segurando uma
criança pela mão, tinha mais ou menos dois anos. Ela se perdeu e chorava porque
não se conseguia encontrar os pais. Tinham sido dado o anúncio e enquanto isso
o policial a acariciava e ali eu vi (entendi) o drama de tantas crianças e
jovens que por acaso perdem seus laços familiares apesar de viverem em uma
família - neste caso foi apenas um acidente. É também o papel do Estado
protegê-las e levá-las adiante. O Estado deve cuidar da família, dos jovens. E
é dever do Estado de levá-los adiante. Então, repito, para uma família ter um
filho é um tesouro. E vocês têm essa consciência, têm a consciência do tesouro.
Mas agora é necessário que toda a sociedade tenha consciência de fazer crescer
este tesouro, de fazer crescer o país, de fazer crescer a pátria, de fazer crescer
os valores que darão soberania à pátria. Uma coisa sobre as crianças que me
impressionou nos três países é que as pessoas me saudavam. Havia também
crianças pequenas que também saudavam, estavam muito alegres. Mas sobre a
alegria eu gostaria de falar mais tarde".
Jean Luc
Mootoosamy (Radio One, Mauritius): O
primeiro-ministro de Maurício lhe agradeceu por sua preocupação com o
sofrimento dos nossos concidadãos que foram obrigados a abandonar o próprio
arquipélago do Reino Unido depois da ilícita separação desta parte do nosso
território antes da independência. Hoje, na ilha de Diego Garcia, há uma base
militar estadunidense. Santo Padre, os chagossianos em exílio forçado há
50 anos querem regressar a suas terras e as respectivas administrações dos Estados
Unidos e do Reino Unido não permitem que isso aconteça não obstante exista uma
resolução das Nações Unidas de maio passado. Como o senhor poder apoiar a
vontade dos chagossianos e ajudar o povo de Chagos a voltar para casa?
Papa Francisco: «Eu gostaria de
repetir aquilo o que diz a Doutrina da Igreja a respeito. As organizações
internacionais, quando nós as reconhecemos e atribuímos a elas a capacidade de
julgar em escala mundial – pensemos no tribunal internacional de Haia ou nas
Nações Unidas – no momento em que fazem afirmações se somos uma humanidade (um
consenso civil), temos o dever de obedecer. É verdade que nem sempre as coisas
que parecem justas para toda a humanidade o são para o bolso, mas se deve
obedecer às instituições internacionais, para isso foram criadas as Nações
Unidas, foram criados os tribunais internacionais. Depois há outro fenômeno
que, porém, o digo claramente, não sei se tem pertinência a este caso. Quando
chega a libertação de um povo (um povo obtém a independência) e o Estado
dominante deve ir embora– na África verificaram-se muitos processos de
independência da França, da Grã-Bretanha, da Bélgica, da Itália, todos tiveram
que deixar, alguns amadureceram bem – mas em todos há a tentação de ir embora
com algo no bolso: sim eu dou a liberdade a este povo, mas algumas migalhas eu
levo embora… Dou a liberdade ao país, mas do solo para cima, o subsolo
permanece meu. É um exemplo, não sei se é verdade, mas para dizer: sempre há
aquela tentação … Eu creio que as organizações internacionais têm que fazer um
processo de acompanhamento, reconhecendo às potências dominantes aquilo que
fizeram àquele país e reconhecendo a boa vontade de ir embora e ajudando-os a
deixar totalmente, com liberdade, em espírito de fraternidade. É um trabalho
cultural lento da humanidade e, nisto, as instituições internacionais nos
ajudam tanto, sempre, e devemos ir avante fortalecendo as instituições
internacionais: as Nações Unidas que retomem bem o seu papel, que a União
Europeia seja mais forte, não no sentido do domínio, mas no sentido da
justiça, da fraternidade, da unidade para todos. Isto creio seja uma das coisas
importantes. E há outra coisa que eu gostaria de aproveitar para dizer depois
de sua intervenção. Hoje não existem colonizações geográficas – pelo menos não tantas…
mas existem colonizações ideológicas, que querem entrar na cultura dos povos e
transformar aquela cultura e homogeneizar a humanidade. É a imagem da
globalização como uma esfera, todos os pontos equidistantes do centro. Ao
invés, a verdadeira globalização não é uma esfera, é um poliedro onde cada povo
preserva a própria identidade, mas se une a toda a humanidade. Ao invés, a
colonização ideológica busca cancelar a identidade dos outros para torná-los
iguais e chegam com propostas ideológicas que vão contra a natureza daquele
povo, a história daquele povo, contra os valores daquele povo. E devemos
respeitar a identidade dos povos, esta é uma premissa a ser defendida sempre.
Deve ser respeitada a identidade dos povos e assim expulsamos todas as colonizações.
Antes de dar a
palavra para a EFE – que é privilegiada, é “idosa”, tem 80 anos – eu gostaria
de dizer algo a mais sobre a viagem que me impressionou muito. Do seu país me
impressionou muito a capacidade de unidade inter-religiosa, de diálogo inter-religioso.
Não se cancela a diferença das religiões, mas se destaca que todos somos
irmãos, que todos devemos falar. Este é um sinal de maturidade do seu país.
Falando com o primeiro-ministro ontem, fiquei surpreso de como eles, vocês,
tenham elaborado esta realidade e a vivam como necessidade de convivência. Há
uma comissão intercultural que se reúne… A primeira coisa que encontrei ontem
entrando no episcopado – uma anedota – foi um maço de flores belíssimo. Quem o
enviou? O grande Imã. Somos irmãos, a fraternidade humana que está na base e
respeita todas as crenças. O respeito religioso é importante, por isso aos
missionários digo que não façam proselitismo. O proselitismo que o façam no
mundo da política, do esporte – torça pelo meu time, pelo seu… - mas não n0a
fé. Mas o que significa para o senhor, Santo Padre, evangelizar? Há uma frase
de S. Francisco que me iluminou muito. Francisco de Assis dizia aos seus
frades: “Levem o Evangelho, se for necessário, também com as palavras”. Isto é,
evangelizar é aquilo que lemos no Livro dos Atos dos Apóstolos: testemunho. E
aquele testemunho provoca a pergunta: “Mas você por que vive assim, por que faz
isso?”. E ali explico: “É pelo Evangelho”. O anúncio vem antes do testemunho.
Antes viva como cristão e se perguntarem, fale. O testemunho é o primeiro passo
e o protagonista da evangelização não é o missionário, mas o Espírito Santo que
leva os cristãos e os missionários a dar testemunho. Depois virão as perguntas
ou não virão, mas conta o testemunho de vida. Este é o primeiro passo. É
importante para evitar o proselitismo. Quando virem propostas religiosas que
seguem o caminho do proselitismo, não são cristãs. Buscam prosélitos, não
adoradores de Deus em verdade. Eu aproveito para destacar esta experiência
religiosa de vocês, que é tão bonita. Também o primeiro-ministro me disse que
quando alguém pede uma ajuda, damos a mesma ajuda a todos, e ninguém se ofende,
porque se sentem irmãos. E isso faz a unidade do país. É muito, muito
importante. Também nos encontros não havia somente católicos, havia cristãos de
outras confissões, e havia muçulmanos, hinduístas e todos eram irmãos. Isso vi
também em Madagascar e ainda no Encontro inter-religioso pela paz dos jovens,
com os jovens de diferentes religiões que quiseram expressar como vivem seu
desejo pela paz. Paz, fraternidade, convivência inter-religiosa, nada de
proselitismo, são coisas que devemos aprender pela paz. Esta é uma coisa que
devo dizer. Depois outra coisa que me impressionou – e a vi em três países, mas
me refiro a Madagascar, partimos dali – o povo; pelas ruas havia o povo,
autoconvocado. Na missa no estádio debaixo de chuva estava o povo, que dançava
debaixo da chuva, feliz… E também na vigília noturna, a missa – que dizem que
tinha mais de um milhão, eu não sei, é o que dizem as estatísticas oficiais, eu
vou um pouco abaixo, digamos 800 mil. Mas o número não interessa, interessa o
povo, as pessoas que foram a pé na tarde precedente, ficaram na vigília,
dormiram ali – eu pensei no Rio de Janeiro em 2013 (a Jornada Mundial da
Juventude, ndr), que dormiam na praia – era o povo que queria estar com o Papa.
Eu me senti humilde, pequeníssimo diante da grandeza da soberania popular. E
qual é o sinal de que um grupo de pessoas é povo? A alegria. Havia pobres,
tinha gente que não tinha comido naquela tarde para estar ali, estavam alegres.
Ao invés, quando as pessoas ou os grupos se separam daquele sentido popular da
alegria, a perdem. É um dos primeiros sinais, a tristeza dos solitários, a
tristeza daqueles que esqueceram as suas raízes culturais. Ter consciência de
ser um povo é ter consciência de ter uma identidade, de ter uma consciência, de
ter modo de entender a realidade e isso congrega as pessoas. Mas o sinal de que
você está no povo e não numa elite, é a alegria, a alegria comum. Isso quis
destacar. E por isso as crianças saudavam assim, porque os pais as contagiavam
com a alegria».
Cristina
Cabrejas (da agência espanhola EFE que celebra os 80 anos de fundação): Antes de tudo,
vamos dar como consolidado que um de seus futuros planos é ir à Espanha, e
esperemos que seja possível. A primeira pergunta que quero fazer-lhe: nesses
oitenta anos da EFE, perguntamos a diversas pessoas, a líderes mundiais: como
acredita que será a informação do futuro?
Papa Francisco: «Precisaria de
uma bola de cristal... Irei à Espanha, se viverei, mas a prioridade das viagens
na Europa é para os países pequenos, depois os maiores. Não sei como será a
comunicação do futuro. Penso como era, por exemplo, a comunicação quando eu era
jovem, ainda sem tv, com o rádio ou o jornal, inclusive com o jornal
clandestino que era perseguido pelo governo de turno, era vendido à noite pelos
voluntários… e também oral. Se fizermos uma comparação com esta, era uma
informação precária e esta de hoje será talvez precária em relação àquela do
futuro. Aquilo que permanece como constante da comunicação é a capacidade de
transmitir um fato, e de distingui-lo da narrativa, do que é transmitido. Uma
das coisas que prejudica a comunicação, do passado, do presente e do futuro, é
aquilo que é transmitido. Há um estudo muito belo, que saiu três anos atrás,
de Simone Paganeni, uma estudiosa de linguística da Universidade
de Aachen, e fala do movimento da comunicação entre o escritor,
o escrito e o leitor. A comunicação sempre corre o risco de passar do fato
àquilo que é transmitido e isso arruína a comunicação. É importante que seja o
fato e sempre aproximar-se do fato. Vejo isso também na Cúria: há um fato e
depois cada um o decora acrescentando sua visão, sem má intenção, esta é a
dinâmica. Portanto, a ascese do comunicador é sempre regressar ao fato, referir
o fato, e depois dizer a minha interpretação, disseram-me isso, distinguindo o
fato daquilo que é referido. Tempos atrás me contaram a história de Chapeuzinho
Vermelho, mas com base naquilo que era referido, e terminava com Chapeuzinho
Vermelho e a avó que colocavam o lobo na panela e comiam o lobo. A narração
mudava as coisas. Qualquer que seja o meio de comunicação, a garantia é a
fidelidade: “dizer que” se pode usar? Sim, pode-se usar na comunicação, mas
estando sempre alerta para constatar a objetividade do “se diz que…”. É um dos
valores que é preciso perseguir na comunicação. Em segundo lugar, a comunicação
deve ser humana, e no dizer humana entendo construtiva, isto é, deve fazer
crescer o outro. Uma comunicação não pode ser usada como um instrumento de
guerra, porque é anti-humano, destrói. Pouco tempo atrás passei um artigo para
o padre Rueda que encontrei numa revista, que se intitulava: as gotas de
arsênico da língua. A comunicação deve estar a serviço da construção, não da
destruição. Quando a comunicação está a serviço da destruição? Quando defende
projetos não humanos. Pensemos na propaganda das ditaduras do século passado,
eram ditaduras que sabiam comunicar bem, mas fomentavam a guerra, as divisões e
a destruição. Não sei o que dizer tecnicamente porque não sou formado na
matéria. Quis destacar valores aos quais a comunicação, de qualquer meio,
sempre deve buscar manter-se coerente».
Cristina
Cabrejas (segunda pergunta): Passemos à
viagem. Um dos temas desta viagem foi a proteção do meio ambiente, das árvores,
ameaçadas pelo desflorestamento e pelos incêndios. Neste momento, estão
acontecendo na Amazônia. O senhor acredita que os governos dessas áreas estão
fazendo todo o possível para proteger este pulmão do mundo?
Papa Francisco: «Volto à África.
Eu já disse em outra viagem, há no inconsciente coletivo um lema: a África deve
ser explorada. Nós jamais pensamos: a Europa deve ser explorada. Devemos
libertar a humanidade deste inconsciente coletivo. O ponto mais forte da
exploração está no meio ambiente, com o desflorestamento, a destruição da
biodiversidade. Dois meses atrás, recebi os capelães marítimos e, na
audiência, havia sete jovens pescadores que pescavam com uma embarcação que não
era mais longa do que este avião. Pescavam com meios mecânicos como se faz
agora, um pouco aventureiros. Eles me disseram: em alguns meses, pegamos seis
toneladas deste plástico… No Vaticano, proibimos o plástico, estamos neste
trabalho. Esta é uma realidade somente dos mares. A intenção de oração deste
mês é justamente a proteção dos oceanos, que nos dão também o oxigênio que
respiramos. Depois, há os grandes pulmões, na República Centro-Africana, em
toda a região Pan-amazônica, e depois outros menores. É preciso defender a
ecologia, a biodiversidade, que é a nossa vida, defender o oxigênio, que é a
nossa vida. O que me conforta é que são os jovens que levam avante esta luta,
que têm uma grande consciência e dizem: o futuro é nosso, com o seu faça o que
quiser, mas não com o nosso! Creio que ter se chegado ao acordo de Paris foi um
bom passo avante, e depois também os outros… São encontros que ajudam a se
conscientizar. Mas no verão do ano passado, quando vi a foto do navio que
navegava no Polo Norte como se nada fosse, me senti angustiado, e pouco tempo
atrás todos vimos a fotografia do ato fúnebre simbólico por aquela geleira que
desapareceu na Groenlândia. … Tudo isso acontece rapidamente, devemos nos
conscientizar começando pelas pequenas coisas. Os governantes estão fazendo
tudo? Alguns mais, outros menos. É verdade que há uma palavra que devo dizer e
que está na base da exploração ambiental. Eu fiquei comovido com o artigo no
Messaggero de Franca (Giansoldati, ndr), que não poupou palavras e falou de
manobras destrutivas e isso não somente na África, mas também nas nossas
cidades, nas nossas civilizações. E a palavra feia, feia é a corrupção: eu
preciso fazer isso e para fazê-lo devo desmatar e preciso da permissão do
governo ou do governo provincial. Vou até o responsável – e aqui repito
literalmente aquilo que me disse um empresário espanhol – e a pergunta que nós
ouvimos quando querem aprovar um projeto é “Quanto para mim?”, descaradamente.
Isso acontece na África, na América Latina e também na Europa. Em todos os
lugares, quando se assume a responsabilidade sociopolítica como um ganho
pessoal, ali exploramos valores, a natureza, as pessoas. A África deve ser
explorada… Mas pensemos em tantos operários que são explorados nas nossas
sociedades; temos o caporalato na Europa, não inventaram os africanos. A
empregada que recebe um terço daquilo que deveria não inventaram os africanos,
as mulheres enganadas e exploradas pela prostituição no centro das nossas
cidades, não inventaram os africanos. Também aqui há esta exploração, não
somente ambiental, mas também humana. E isso é devido à corrupção. E quando a
corrupção está dentro do coração, devemos nos preparar, porque chega de tudo.
Jason Drew
Horowitz (The New York Times, Stati Uniti): No voo para
Maputo, o senhor reconheceu estar sob ataque de um setor da Igreja nos Estados
Unidos, obviamente existem fortes críticas de alguns bispos e cardeais, há TVs
católicas e sites americanos muito críticos, e até mesmo alguns de seus aliados
mais próximos falaram de um complô contra o senhor. Há algo que esses críticos
não entendem sobre seu Pontificado? Há algo que o senhor aprendeu com as
críticas? O senhor tem medo de um cisma na Igreja americana? E se sim, há algo
que o senhor poderia fazer - um diálogo - para evitá-lo?
Papa Francisco: "Antes de
tudo, as críticas sempre ajudam, sempre. Quando alguém recebe uma crítica,
imediatamente deve fazer uma autocrítica e dizer: isso é verdade ou não? Até
que ponto? E eu sempre tiro benefícios das críticas. Às vezes eles te deixam
com raiva ... Mas as vantagens existem. Na viagem para Maputo, um de vocês me
deu esse livro em francês sobre como os americanos querem mudar o Papa. Eu
sabia sobre a existência desse livro, mas não o havia lido. As críticas não são
somente dos americanos, existem um pouco por toda parte, mesmo na Cúria. Pelo
menos aqueles que as dizem têm a vantagem da honestidade em dizê-las. Não gosto
quando as críticas estão sob mesa: te dão um sorrido mostrando os dentes e
depois te apunhalam pelas costas. Isso não é leal, não é humano. A crítica é um
elemento da construção e, se a tua crítica não estiver correta, tu estás
preparado para receber a resposta, dialogar e chegar ao ponto acertado. Essa é
a dinâmica da verdadeira crítica. Em vez disso, a crítica das pílulas de
arsênico, da qual falávamos a respeito deste artigo que dei ao padre Rueda, é
um pouco de jogar a pedra e esconder a mão...
Isso não serve,
não ajuda. Ajuda os pequenos grupinhos fechados, que não querem ouvir a
resposta à crítica. Em vez disso, uma crítica leal – eu penso isso, isso e isso
- está aberta à resposta, isso constroi, ajuda. Diante do caso do Papa: não
gosto deste Papa, o crítico, falo, escrevo um artigo e peço que ele responda,
isso é justo. Fazer uma crítica sem querer ouvir a resposta e sem fazer o diálogo
é não amar a Igreja, é seguir atrás de uma idéia fixa, mudar o Papa ou criar um
cisma. Isso é claro: sempre uma crítica justa é bem recebida, ao menos para
mim. Segundo, o problema do cisma: na Igreja houve tantos cismas. Após o
Vaticano I, por exemplo, a última votação, aquela da infalibilidade, um bom
grupo saiu e fundou os Vetero-Católicos para serem realmente
"honestos" em relação à tradição da Igreja. Mais tarde eles
encontraram uma evolução diferente e agora ordenam mulheres. Mas naquele
momento eram rígidos, iam atrás de uma ortodoxia e pensavam que o Concílio
havia errado. Outro grupo saiu calado, calado, mas não quiseram votar ...
O Vaticano II,
entre suas consequência, teve essas coisas. Talvez a separação pós-conciliar
mais conhecida seja o de Lefebvre. Sempre existe a opção cismática na Igreja,
sempre. Mas é uma das opções que o Senhor deixa à liberdade humana. Eu não
tenho medo de cismas, rezo para que não existam, porque está em jogo a saúde
espiritual de tantas pessoas. Que exista o diálogo, que exista a correção se
houver algum erro, mas o caminho do cisma não é cristão. Pensemos no início da
Igreja, como começou com tantos cismas, um após o outro: arianos, gnósticos,
monofisitas ... E me vem de contar uma história: foi o povo de Deus que salvou
dos cismas. Os cismáticos sempre têm uma coisa em comum: se separam do povo, da
fé do povo de Deus.E quando no Concílio de Éfeso houve a discussão sobre a
divina maternidade de Maria, o povo - isso é histórico - estava na entrada de
catedral quando os bispos entravam para o Concílio. Estavam ali com paus. Eles
os mostraram aos bispos e gritavam “Mãe de Deus! Mãe de Deus! ”, como que por
dizer: se vocês não fizerem isso, esperamos vocês aqui ...
O povo de Deus
sempre conserta e ajuda. Um cisma é sempre é uma separação elitista provocada
por uma ideologia separada da doutrina. É uma ideologia, talvez justa, mas que
entre na doutrina e a separa. Por isso rezo para que não ocorram cismas, mas
não tenho medo. Isso é um resultado do Vaticano II, não deste ou daquele outro
Papa. Por exemplo, as coisas sociais que digo, são as mesmas que disse
João Paulo II, as mesmas! Eu o copio. Mas eles dizem: o Papa é comunista ...
Entram as ideologias na doutrina e quando a doutrina escorrega nas ideologias,
ali há a possibilidade de um cisma. Há a ideologia da primazia de uma moral
asséptica sobre a moral do povo de Deus.Os pastores devem conduzir o rebanho
entre a graça e o pecado, porque a moral evangélica é essa. Em vez disso, a
moral de uma ideologia assim pelagiana te leva à rigidez, e hoje temos tantas
escolas de rigidez dentro da Igreja, que não são cismas, mas caminhos cristãos
pseudo-cismáticas, que terminarão mal. Quando vocês vêm cristãos, bispos,
sacerdotes rígidos, por trás há problemas, não há a santidade do Evangelho. Por
isso devemos ser mansos com as pessoas que são tentadas por esses ataques,
estão passando por um problema, devemos acompanhá-las com mansidão ».
Aura Vistas
Miguel (Rádio Renascença, Portugal): Sabemos que não
lhe agrada visitar países durante a campanha eleitoral, mas o fez em
Moçambique, um mês antes das eleições, sendo que o presidente que o convidou é
um dos candidatos. Por que?
Papa Francisco: "Sim. Não
foi um erro, foi uma opção decidida livremente, porque a campanha eleitoral
começa nestes dias e ficava em segundo plano em relação ao processo de paz. O
importante era ajudar a consolidar esse processo. E isso é mais importante do
que uma campanha que ainda não começou. Fazendo um balanço entre as duas coisas,
era preciso consolidar o processo de paz. E depois eu encontrei também os dois
oponentes políticos, para enfatizar que o importante era isso, e não torcer
pelo presidente, mas enfatizar a unidade do país. O que a senhora disse, no
entanto, é verdade: devemos nos distanciar um pouco das campanhas
eleitorais”.
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Fonte: vaticannews.va
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