Mensagem do Papa
para o
Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação
Este é o tempo
para voltar a habituarmo-nos a rezar imersos na natureza, para refletir sobre
os nossos estilos de vida, de empreender ações proféticas. As nossas orações e
os nossos apelos visam sobretudo sensibilizar os responsáveis políticos e
civis. Cada fiel cristão, cada membro da família humana pode contribuir para
tecer, como um fio subtil mas único e indispensável, a rede da vida que a todos
abraça.
Cada fiel cristão, cada membro da família humana pode contribuir para tecer, como um fio subtil mas único e indispensável, a rede da vida que a todos abraça (Vatican Media) |
Mensagem de Sua
Santidade
o Papa Francisco
para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação
(1° de setembro)
«Deus viu que
era coisa boa» (Gn 1, 25). Ao início da Bíblia, o olhar de Deus pousa-se
ternamente sobre a criação. Desde a terra habitável até às águas que sustentam
a vida, desde as árvores que dão fruto até aos animais que povoam a casa comum,
tudo é benquisto aos olhos de Deus, que oferece a criação ao homem como dom
precioso que deve guardar.
Desgraçadamente,
a resposta humana ao dom recebido foi marcada pelo pecado, pelo fechamento na
própria autonomia, pela avidez de possuir e explorar. Egoísmos e interesses
fizeram deste lugar de encontro e partilha, que é a criação, um palco de
rivalidades e confrontos. Assim, colocou-se em perigo o próprio ambiente: coisa
boa aos olhos de Deus, torna-se coisa explorável nas mãos
humanas. A degradação aumentou nas últimas décadas: a poluição constante, o uso
incessante de combustíveis fósseis, a exploração agrícola intensiva, a prática
de abater as florestas… estão a elevar as temperaturas globais para níveis
preocupantes. O aumento da intensidade e frequência de fenômenos meteorológicos
extremos e a desertificação do solo estão a colocar à prova os mais vulneráveis
entre nós. A dissolução dos glaciares, a escassez de água, o menosprezo das
bacias hidrográficas e a considerável presença de plástico e microplástico nos
oceanos são fatos igualmente preocupantes, que confirmam a urgência de
intervenções não mais adiáveis. Criamos uma emergência climática, que ameaça
gravemente a natureza e a vida, inclusive a nossa.
Na raiz de tudo,
o fato de termos esquecido quem somos: criaturas à imagem de Deus (cf. Gn1,
26-27), chamadas a habitar como irmãos e irmãs a mesma casa comum. Não fomos
criados para ser indivíduos que se assenhoreiam; fomos pensados e queridos no
centro duma rede da vida constituída por milhões de espécies,
amorosamente unidas por nosso intermédio ao Criador. É hora de redescobrir a
nossa vocação de filhos de Deus, irmãos entre nós, guardiões da criação. É
tempo de arrepender-se e converter-se, de voltar às raízes: somos as criaturas
prediletas de Deus, que, na sua bondade, nos chama a amar a vida e a vivê-la em
comunhão, conectados com a criação.
Por isso,
convido veementemente os fiéis a dedicar-se à oração neste tempo que, partindo
duma iniciativa oportunamente nascida em campo ecumênico, se configurou como Tempo
da Criação: um período de oração mais intensa e de ação em benefício da casa
comum, que tem início em 1 de setembro, Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da
Criação, e termina a 4 de outubro, memória de São Francisco de Assis. É ocasião
para nos sentirmos ainda mais unidos aos irmãos e irmãs das várias confissões
cristãs. Penso de modo particular nos fiéis ortodoxos que celebram, desde há
trinta anos, este Dia de Oração. Sintamo-nos em sintonia profunda também com os
homens e mulheres de boa vontade, conjuntamente chamados, no contexto da crise
ecológica que tem a ver com todos, a promover a salvaguarda da rede da
vida, de que fazemos parte.
Este é o
tempo para voltar a habituarmo-nos a rezar imersos na natureza, onde
espontaneamente nasce a gratidão a Deus criador. Dizia São Boaventura, cantor
da sabedoria franciscana, que a criação é o primeiro «livro» que Deus abriu
diante dos nossos olhos, para que, admirando a sua ordenada e maravilhosa
variedade, fôssemos levados a amar e louvar o Criador (cf. Breviloquium,
II, 5.11). Neste livro, cada criatura foi-nos dada como uma «palavra de Deus»
(cf. Commentarius in librum Ecclesiastes, I, 2). No silêncio e na oração,
podemos escutar a voz sinfônica da criação, que nos exorta a sair dos nossos
fechamentos autorreferenciais, descobrindo-nos envolvidos pela ternura do Pai e
felizes por partilhar os dons recebidos. Neste sentido, podemos dizer que a
criação, rede da vida, lugar de encontro com o Senhor e entre nós, é «a rede
social de Deus» (Francisco, Discurso às guias e aos escuteiros da
Europa, 3 de agosto de 2019). Isto leva-nos a erguer um cântico de louvor
cósmico ao Criador, como ensina a Escritura: «tudo o que germina na terra
bendiga o Senhor; a Ele, a glória e o louvor eternamente!» (Dn 3, 76).
Este é o
tempo para refletir sobre os nossos estilos de vida, verificando como muitas
vezes são levianas e danosas as nossas decisões diárias em termos de comida,
consumo, deslocação, utilização da água, da energia e de muitos bens materiais.
Em demasia, nos estamos assenhoreando da criação. Optemos por mudar, assumir
estilos de vida mais simples e respeitadores! É hora de abandonar a dependência
dos combustíveis fósseis, empreendendo rápida e decididamente transições para
formas de energia limpa e de economia sustentável e circular. E não esqueçamos
de ouvir as populações indígenas, cuja sabedoria secular nos pode ensinar a
viver melhor a relação com o meio ambiente.
Este é o
tempo de empreender ações proféticas. Muitos jovens estão a fazer-se ouvir em
todo o mundo, invocando decisões corajosas. Sentem-se decepcionados com as
demasiadas promessas não cumpridas, com compromissos assumidos e depois
transcurados por interesses e conveniências parciais. Os jovens lembram-nos que
a terra não é um bem para se dissipar, mas herança a transmitir; lembram-nos
que esperar no amanhã não se reduz a um belo sentimento, mas é um dever que
requer ações concretas hoje. A eles, devemos respostas verdadeiras, não
palavras vazias; fatos, não ilusões.
As nossas
orações e os nossos apelos visam sobretudo sensibilizar os responsáveis
políticos e civis. Penso de modo particular nos Governos que se vão reunir nos
próximos meses para reiterar compromissos decisivos que orientem o planeta para
a vida, em vez de o lançar para a morte. Vêm-me à mente as palavras que Moisés
proclamou ao povo como uma espécie de testamento espiritual, antes de entrar na
Terra Prometida: «Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência» (Dt 30,
19). São palavras proféticas, que poderemos aplicar a nós mesmos e à situação
da nossa terra. Escolhamos a vida! Digamos não à avidez de consumos e aos
delírios de onipotência, caminhos de morte; tomemos percursos clarividentes,
feitos de renúncias responsáveis hoje para garantir perspectivas de vida
amanhã. Não cedamos às lógicas perversas dos lucros fáceis; pensemos no futuro
de todos!
Neste sentido,
reveste-se de particular importância a iminente Cúpula das Nações Unidas para a
Ação Climática, durante a qual os Governos deverão mostrar vontade política de
acelerar, drasticamente, as medidas para se alcançar o mais rápido possível o
nível zero de emissões de gases com efeito estufa e conter o aumento médio da
temperatura global em 1,5°C relativamente aos níveis pré-industriais, em
consonância com os objetivos do Acordo de Paris. Além disso, no próximo mês de
outubro, a Amazônia – cuja integridade encontra-se gravemente ameaçada – estará
no centro da atenção duma Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos.
Aproveitemos estas oportunidades para responder ao clamor dos pobres e da
terra!
Cada fiel
cristão, cada membro da família humana pode contribuir para tecer, como um fio
subtil mas único e indispensável, a rede da vida que a todos abraça.
Sintamo-nos implicados e responsáveis por tomar a peito, com a oração e o
compromisso, o cuidado da criação. Deus, amante da vida (cf. Sb 11,
26), nos dê a coragem de realizar o bem, sem esperar que sejam outros a começar,
sem esperar que seja demasiado tarde.
Vaticano, 1 de
setembro de 2019.
[Francisco]
................................................................................................................................................
Fonte: vaticannews.va
................................................................................................................................................
Fonte: vaticannews.va
Nenhum comentário:
Postar um comentário