Por que a
Amazônia merece um Sínodo?
Os secretários
especiais do próximo Sínodo dos Bispos, padre Michael Czerny, jesuíta, futuro
cardeal e frei David Martínez de Aguirre Guinea, dominicano, escreveram um
longo e aprofundado artigo intitulado “Por que a Amazônia merece um Sínodo?”. O
artigo foi publicado por La Civiltà Cattolica a revista dos jesuítas.
O próximo Sínodo
dos Bispos, este sobre a Amazônia, terá lugar em Roma de 6 a 27 de outubro de
2019, tendo como tema “Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia
integral”. Examinará questões importantes para “cada pessoa que habita neste
planeta”, como escreveu o Papa Francisco na introdução à sua Carta Encíclica
Laudato si’ (LS).
Por que é a
Amazônia tão importante a ponto de lhe ser dedicado um Sínodo? O que é a
“ecologia integral” e quais poderiam ser esses “novos caminhos” para a Igreja?
Por fim, em que consiste de facto um Sínodo?[1]
A Amazônia
Algumas
informações essenciais acerca da região amazônica:
Tem uma extensão
de 7,8 milhões de km2, aproximadamente a mesma dimensão da Austrália.
Inclui áreas do
Brasil, Bolívia, Perú, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana
Francesa.
Conta com cerca
de 33 milhões de habitantes, 3 milhões dos quais são indígenas pertencentes a
390 grupos ou povos diversos.
O seu impacto no
ecossistema planetário: a bacia do Rio Amazonas e as florestas tropicais
circundantes nutrem o solo e regulam, através da reciclagem da humidade, os
ciclos da água, da energia e do carbono a nível planetário.
As comunidades
que habitam a região amazônica identificaram os seguintes problemas como
questões de importância crucial para o Sínodo, por meio de um amplo processo de
consultas[2]:
A criminalização
e o assassinato de líderes e ativistas que defendem o território.
A apropriação e
a privatização de bens naturais, incluindo a água.
As concessões de
abate legal de árvores e o abate ilegal.
As práticas
predatórias de caça e pesca, sobretudo nos rios.
Os megaprojetos
infraestruturais: concessões hidroelétricas e florestais, abate de árvores para
a produção de monoculturas, estradas e ferrovias, projetos mineiros e
petrolíferos.
A poluição provocada por toda a indústria extrativa, que causa problemas e
doenças, em particular às crianças e jovens.
O narcotráfico.
Os problemas
sociais que acompanham com frequência tais situações, como o alcoolismo, a
violência contra as mulheres, a exploração sexual, o tráfico de seres humanos,
a perda da cultura e identidade originárias (língua, práticas espirituais e
costumes) e a condição de pobreza no seu todo, à qual estão condenados os povos
da Amazônia.
O Instrumentum
Laboris (IL) do Sínodo sublinhou outros elementos cruciais:
A falta de
demarcação dos territórios indígenas e a falta de reconhecimento do seu direito
à terra. Para a população amazônica, “território” indica a terra como espaço
natural e lugar para a realidade humana em toda a sua diversidade, relações e
intercâmbios, tanto materiais, como simbólicos ou espirituais. As pessoas e o
ecossistema são interdependentes de um modo dinâmico. Para muitas pessoas da
Amazônia, o território é também o lugar onde se encontram as suas raízes
históricas, onde habitam os espíritos dos seus antepassados, e onde podem
experimentar todas as dimensões do buen vivir. Estas conotações do “território”
estão em sintonia com a escolha do Papa Francisco do termo “casa” (em “a nossa
casa comum”) para descrever a totalidade da relação e da responsabilidade dos
seres humanos para com o planeta.
A rápida perda
da biodiversidade (extinção de espécies da flora e da fauna).
Em alguns casos,
são as próprias populações amazônicas a abusar dos bens naturais (IL 31).
As consequências
para o planeta, uma vez que a floresta amazônica representa o “pulmão” vital
para a atmosfera global.
A cosmovisão
amazônica e a visão cristã do mundo estão ambas em crise, em virtude da
imposição do mercantilismo, da secularização, da cultura do descarte e da
idolatria do dinheiro (cf. Evangelii gaudium [EG], nn. 54-55). Esta crise afeta
em especial os jovens e os contextos urbanos, que perdem a ligação com as
raízes da tradição. Por outro lado, as migrações dos últimos anos
intensificaram as transformações religiosas e culturais da região. A nova vida
das cidades nem sempre favorece sonhos e aspirações, mas muitas vezes desorienta
e abre espaços a messianismos de curta duração, desconexos, alienantes e
desprovidos de significado (IL 27; 32).
A crise da
região amazônica está a chegar ao ponto de não retorno e a Amazônia é agora um
dramático novo assunto na ordem do dia. Os problemas gerais respeitantes à vida
humana e ao ambiente natural desta região são indiscutíveis. Ambos – vida
humana e ambiente – estão a sofrer uma séria e talvez irreversível destruição.
Nos inícios de
2018, o Papa Francisco dirigiu-se aos povos da Amazônia em Puerto Maldonado, no
Peru, com estas palavras: “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos
estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora. A Amazônia é
uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa
e a forte pressão de grandes interesses económicos cuja avidez se centra no
petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a
ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que
promovem a «conservação» da natureza sem ter em conta o ser humano,
nomeadamente vós irmãos amazônicos que a habitais. Temos conhecimento de
movimentos que, em nome da conservação da floresta, se apropriam de grandes
extensões da mesma e negoceiam com elas gerando situações de opressão sobre os
povos nativos, para quem, assim, o território e os recursos naturais que há
nele se tornam inacessíveis. Este problema sufoca os vossos povos, e causa a
migração das novas gerações devido à falta de alternativas locais. Devemos
romper com o paradigma histórico que considera a Amazônia como uma despensa
inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes”[3].
Este é, por
conseguinte, o momento certo para escutar a voz da Amazônia “à luz da fé” (IL
147) e “de responder como Igreja profética e samaritana” (IL 43).
Novos caminhos
para uma ecologia integral
O conceito de
“ecologia integral” é consentâneo com os problemas e as oportunidades da
Amazônia. Ele serve tanto de guia como de objetivo do Sínodo.
A referência ao
“cuidado da casa comum” no título da Laudato si’ é significativa: trata-se de
uma expressão extraordinária e belíssima. Por outro lado, a noção-chave da
encíclica de uma “ecologia integral” não é tão óbvia e poderia não ser de
imediato esclarecedora e, menos ainda, estimular à ação.
Todos conhecem
mais ou menos o significado da palavra “ecologia”. O adjetivo “integral” dá-lhe
um toque provocador, até mesmo desconcertante. “Integral” refere-se
habitualmente a uma “totalidade” e à unidade daquele “todo”. Indica que todos os
elementos essenciais estão incluídos e presentes – não lhe falta nenhum – e que
estes elementos essenciais estão ligados ou juntos. Ao mesmo tempo, “integral”
nega a exclusão, a redução ou o isolamento. Este adjetivo é habitualmente
entendido em sentido positivo ou meritório. Dá à ideia de ecologia um alcance e
um peso maiores.
Na Laudato si’,
o Papa Francesco sustenta a tese de que o mundo está confrontado com uma crise
de sobrevivência: “Mas, hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma
verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve
integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor
da terra como o clamor dos pobres” (LS 49). O clamor da terra e o clamor dos
pobres constituem um único clamor e a Igreja deve escutá-lo e clamar com
eles[4].
Alguns atributos
específicos da ecologia integral são:
Uma “ecologia
integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais” (LS 137), bem
como as dimensões naturais e económicas (cf. LS 138).
“A ecologia
integral é inseparável da noção de bem comum, princípio este que desempenha um
papel central e unificador na ética social” (LS 156); esta “perspectiva ampla”
inclui as gerações futuras (cf. LS 159).
“Uma ecologia
integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a harmonia serena com
a criação, refletir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais, contemplar
o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja presença «não
precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada»” (LS 225; EG 71). Isso
implica “simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da
violência, da exploração, do egoísmo” (LS 230, invocando Santa Teresa de
Lisieux).
A ecologia
integral representa uma nova síntese na doutrina social da Igreja. Para compreender
esta afirmação, é útil pensar na Rerum Novarum (1891), a encíclica de Leão XIII
que é considerada como o ponto de partida do pensamento social católico
moderno. Tendo em conta os excessos da primeira revolução industrial, aquele
Papa sentia a preocupação que os trabalhadores fossem considerados como coisas,
como meras unidades produtivas. Para combater esta distorção, insistia que os
trabalhadores fossem tratados como pessoas com direitos e essencialmente
conectados na sua dignidade com a família, a comunidade e a espiritualidade.
Sugerimos este
paralelo: o Papa Francisco observa os excessos da exploração industrial, a
mesquinhez do pensamento tecnocrático, a avareza financeira e consumista e a
indiferença social; estes elementos conduzem a uma tremenda desigualdade e a
uma marginalização cruel, que sucedem em paralelo com um rápido aquecimento
global e a pilhagem da natureza. Em resposta, ele apela a uma nova atitude para
com a natureza e o ambiente social. O objetivo do pensamento e da ação da
ecologia integral – a nova síntese – seria um cuidado pela nossa casa comum nos
seus aspetos materiais (naturais) e sociais necessários. O Instrumentum Laboris
do Sínodo caracteriza a ecologia integral como um “paradigma relacional” que
proporciona a “articulação fundamental dos vínculos que tornam possível um
verdadeiro desenvolvimento humano” (IL 48).
Esta nova
síntese é um grito de alerta dirigido ao mundo inteiro, a toda a humanidade.
Mas sugere também uma nova orientação sociopastoral e uma nova dinâmica para a
Igreja, que deve compreender os desafios enfrentados pelos indivíduos, famílias
e grupos no âmbito destas várias dimensões: não podemos proporcionar
aconselhamento espiritual e cuidado pastoral se as pessoas forem consideradas
em separado (ou seja, de forma não integrada) do modo como vivem e agem, tendo
em conta as condições naturais, económicas e sociais com que se deparam.
Apliquemos agora
estas ideias à Amazônia.
A Laudato si’
foi publicada em junho de 2015. Nos anos que se seguiram, foram desencadeadas
numerosas iniciativas em favor da ecologia integral, muitas inspiradas pela
Igreja. Entretanto, de acordo com todos os indicadores, a crise piorou
significativamente. O Sínodo sobre a Amazônia é uma tentativa consciente da
Igreja de implementar a Laudato si’ neste ambiente humano e natural
fundamental.
As
circunstâncias específicas da Amazônia requerem “uma opção sincera em prol da
defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas”[5], de modo a que a
ecologia integral inclua a integração da vida, do território e da cultura (cf.
IL 49). “A Igreja não pode deixar de se preocupar pela salvação integral da
pessoa humana, o que comporta favorecer a cultura dos povos indígenas, falar de
suas exigências vitais, acompanhar os movimentos e reunir as forças para lutar
pelos seus direitos” (IL 143).
O Sínodo diz
respeito a todas as partes envolvidas: quem se encontra agora na Amazônia; quem
está próximo; quem pretende dirigir-se para lá; e o resto do mundo. E, no
âmbito dessa perspectiva global, a Igreja está a procurar proporcionar uma
liderança que escuta, respeita e quer aprender: “A cultura da Amazônia, que
integra os seres humanos com a natureza, se constitui como referente para
construir um novo paradigma da ecologia integral” (IL 56).
Novos caminhos
para a Igreja
Desde o Concílio
Vaticano II, a missão da Igreja no mundo contemporâneo deu muitos frutos, mas
nalgumas circunstâncias também fracassou. Foi ainda objeto de um constante
debate: um debate em contínua evolução. Reagindo a esta situação, o Papa
Francisco reconhece que “a Igreja pode ser tentada a permanecer fechada em si
mesma, renunciando à sua missão de anunciar o Evangelho e de tornar presente o
Reino de Deus. Pelo contrário, uma Igreja em saída é uma Igreja que se
confronta com o pecado [não apenas pessoal, mas também social e estrutural]
deste mundo, ao qual ela mesma não é alheia (cf. EG, 20-24)” (IL 100).
Esta Igreja em
saída deve oferecer respostas significativas e apropriadas a situações
concretas. Em 2013, o Pontífice convidou os bispos do Brasil a reconhecerem a Amazônia
como um autêntico “teste decisivo, banco de prova” para a Igreja e a sociedade.
A Igreja – disse – é “determinante no futuro daquela área”[6].
Quais são os
“novos caminhos, ao longo dos quais a Igreja na Amazônia anunciará o Evangelho
de Jesus Cristo durante os próximos anos” (IL 5)?
Os novos
caminhos guiam a Igreja para ser não para si mesma, mas para as pessoas,
envolvendo-as ativamente enquanto Povo de Deus. Nos últimos anos, a diminuição
dos religiosos missionários – homens e mulheres – está a colocar em perigo a
presença da Igreja católica entre as populações indígenas da Amazônia. A
Conferência de Aparecida teve a coragem de admitir “por um lado, que numerosas
pessoas perdem o sentido transcendental de suas vidas e abandonam as práticas
religiosas; e, por outro lado, que significativo número de católicos estão
abandonando a Igreja para entrar em outros grupos religiosos”[7].
O pontificado de
Francisco colocou em evidência o desafio da Amazônia para a Igreja, o que está
tendo como resultado uma rápida resposta por parte de diversas congregações
religiosas, que estão regressando, se reorganizando e reorientando a sua missão
no território. O Sínodo deseja responder ao desafio de Aparecida do
relançamento da missão da Igreja na Amazônia com “fidelidade a audácia”[8].
Devemos aceitar a importância da nossa presença neste território muito especial
e, ao mesmo tempo, compreender o modo particular pelo qual deve ser
evangelizado.
A Igreja adquire
um rosto amazônico por meio da participação da grande diversidade de povos que
habitam neste território. Não apenas os rostos daqueles que têm aí habitado
desde as origens e cuidado dele durante milhares de anos, mas também quantos
chegaram depois e lá permaneceram. Estes últimos, muitos dos quais católicos, são
especialmente chamados a sentir-se parte da Amazônia, a respeitá-la e a
identificar-se com ela.
O Papa Francisco
disse-nos em Puerto Maldonado: “Amai esta terra, senti-a vossa. Odorai-a,
ouvi-a, maravilhai-vos com ela. Enamorai-vos desta terra […], comprometei-vos a
salvaguardá-la, a defendê-la. Não a useis como mero objeto que se pode
descartar”[9]. O Sínodo ajudará a que todos – indígenas, moradores dos rios,
descendentes de africanos, mestiços, migrantes andinos e habitantes das cidades
– assumam a sua identidade amazônica e a encontrar uma estrutura eclesial e
estatutos apropriados para os seus específicos requisitos pastorais.
“Novos caminhos
para a Igreja” significa também aprofundar o “processo de inculturação” (EG
126) e a interculturalidade (cf. LS 63; 143; 146). Por isso, é importante que
os povos originários tornem a Igreja “sua”. Devem ser sujeitos ativos – não
apenas o seu objeto – da evangelização, pelo que devem ser eles a levar por
diante esse processo de inculturação. Estando ali apenas temporariamente, os
missionários devem aceitar um papel secundário e dar prioridade ao protagonismo
da comunidade indígena evangelizada.
É um grande e
contínuo desafio para a Igreja Católica levar a que as populações indígenas da
Amazônia se sintam parte dela e contribuam para ela com a luz de Cristo e a
riqueza espiritual que brilha nas suas culturas. Esta atitude decidida da
Igreja não impede o diálogo inter-religioso com quem não aceita Jesus Cristo.
O Instrumentum
Laboris articula a complexidade do trabalho da Igreja na Amazônia. As grandes
distâncias, a diversidade cultural e a escassez de sacerdotes obrigam a Igreja
a dar respostas audazes e eficazes. Os Padres Sinodais e os outros
participantes terão de responder ao desafio de passar de uma “pastoral de
visita” para uma “pastoral de presença” (IL 128).
Para dar este
passo importante, é necessária uma concentração nos ministérios e serviços nas
comunidades. Por um lado, será uma oportunidade para continuar a implementar o
Concílio Vaticano II e explorar as possibilidades que se abrem para os pastores
responderem efetivamente às necessidades das suas Igrejas locais. Por outro
lado, permanece em aberto ver que inovações pastorais surgirão para assegurar a
presença dos sacramentos em cada comunidade. Neste sentido, o ministério da
Eucaristia assume particular importância, uma vez que “a Igreja vive da
Eucaristia” e “a Eucaristia edifica a Igreja”[10].
Tudo isto requer
propostas “audazes” da Igreja na Amazônia, as quais por sua vez pressupõem
coragem e paixão, como o Papa Francisco nos pede (cf. IL 106). O Pontífice
ofereceu uma série de sugestões para um compromisso corajoso com as condições
contemporâneas – de uma maneira específica na Laudato si’, de modo mais amplo
na Evangelii Gaudium e na Gaudete et exsultate, e com especial sensibilidade
para os desejos humanos na Amoris laetitia. Estes documentos ajudam a
esclarecer o que seja pastoral para os líderes eclesiais, os fiéis e outras
pessoas na Amazônia.
A grandeza e
estabilidade reconfortante do magistério não devem distrair a Igreja de
responder a necessidades únicas de uma maneira apropriada. A mesma medida não
serve a todos e, nesta região, neste momento, o desafio é o de ser uma Igreja
com um rosto amazônico e indígena (cf. IL 107-111; 115-116).
Este é, pois, o
objetivo do próximo Sínodo: buscar “novos caminhos para uma Igreja profética na
Amazônia” (IL 147) e para a ecologia integral.
Um Sínodo de
novos caminhos
Católicos e
outros podem ficar surpreendidos com o uso atual do termo “sínodo” por parte da
Igreja. Até há pouco, a noção de sínodo era mais familiar para os cristãos de
rito oriental; e é o nome de uma estrutura em algumas igrejas cristãs não
católicas.
A raiz grega da
palavra significa “caminhar juntos”. Desde o início, os discípulos de Jesus
percorreram o seu caminho na história, guiados pelo Espírito Santo e conduzidos
pelos seus pastores com o primado de Pedro. Em 1965, reconhecendo os benefícios
da estreita colaboração entre o Santo Padre e os bispos durante o Concílio
Vaticano II, o Papa S. Paulo VI decidiu instituir um “especial conselho
permanente de sacros Pastores”, para que a sua “grande abundância de
benefícios” pudesse prosseguir[11].
Os Pontífices
seguintes fizeram amplo uso dos Sínodos, que se dividem em três categorias: “Assembleia
geral ordinária”, para questões relativas à Igreja universal; “Assembleia geral
extraordinária”, para questões particularmente urgentes relativas à Igreja
universal; e “Assembleia especial”, para questões relativas a um continente ou
região específica. O próximo Sínodo para a Amazônia é o décimo primeiro Sínodo
da categoria “especial”.
Esta é uma
prática em evolução. A instrução mais recente é a Constituição apostólica
Episcopalis Communio, promulgada pelo Papa Francisco a 15 de setembro de 2018.
Sem alterar o seu estatuto formal de um grupo representativo de bispos que
proporcionam assistência consultiva ou deliberativa ao Supremo Pontífice, o
Papa Francisco conduziu os Sínodos para virem a ser algo de mais rico do que
simplesmente “bispos que caminham juntos”. Cada vez mais, os sínodos estão a
tornar-se encontros de todo o Povo de Deus na Igreja.
Uma forma de
encorajar os Sínodos a serem mais inclusivos foi a instituição de inquéritos na
fase preparatória, que recolhem questões, informações e preocupações dos fiéis
leigos e dos religiosos, e não apenas dos bispos. Tais inquéritos foram
conduzidos antes dos Sínodos sobre a Família, os Jovens e a Amazônia.
Uma outra forma
foi o aumento do número e da variedade de participantes para representar
diversos aspetos da questão. Esta foi uma característica relevante do Sínodo
sobre os Jovens, em que a partilha da vida quotidiana com os jovens auditores
iluminou e influenciou os delegados votantes.
O documento
final deste último Sínodo reconhece na experiência sinodal “um fruto do
Espírito que não cessa de renovar a Igreja e a chama a praticar a sinodalidade
como forma de ser e agir, promovendo a participação de todos os batizados e
pessoas de boa vontade, cada qual segundo a própria idade, estado de vida e
vocação. Neste Sínodo, experimentamos como a colegialidade, que une os bispos
cum Petro et sub Petro na solicitude pelo Povo de Deus, é chamada a
articular-se e enriquecer-se através da prática da sinodalidade a todos os
níveis”[12].
Todos se
tornaram “cientes da importância que uma forma sinodal da Igreja tem para o
anúncio e a transmissão da fé. A participação dos jovens contribuiu para
«despertar» a sinodalidade, que é uma «dimensão constitutiva da Igreja. (…)
Como diz São João Crisóstomo, ˝Igreja e Sínodo são sinónimos˝, pois a Igreja
nada mais é do que este ˝caminhar juntos˝ do Rebanho de Deus pelas sendas da
história ao encontro de Cristo Senhor» (Francisco, Discurso na comemoração do
cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17/X/2015). A sinodalidade
tanto carateriza a vida como a missão da Igreja, que é o Povo de Deus – formado
por jovens e idosos, homens e mulheres de toda a cultura e latitude – e o Corpo
de Cristo, no qual somos membros uns dos outros, a começar pelas pessoas
marginalizadas e oprimidas”[13].
“Tendo em vista
também a missão, a Igreja é chamada a assumir uma fisionomia relacional, que
coloque no centro a escuta, a hospitalidade, o diálogo e o discernimento comum,
num percurso que transforme a vida de quem nele participa. «Uma Igreja sinodal
é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar ˝é mais do que ouvir˝. É uma
escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio
episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do
Espírito Santo, o ˝Espírito da verdade˝ (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que
Ele ˝diz às Igrejas˝ (Ap 2, 7)»”[14].
De facto, a
escuta recíproca, o acolhimento, o diálogo, o discernimento comum, o consenso
para identificar os caminhos que Deus nos traça como Igreja, o povo de Deus,
são elementos fundamentais para “uma Igreja chamada a ser cada vez mais
sinodal” (IL 5). São também fundamentais para o difícil caminho de afastamento
do clericalismo e de uma ênfase excessiva dada à centralização na Igreja, rumo
a uma autêntica subsidiariedade. Uma Igreja que seja cada vez mais sinodal
percorrerá caminhos diversos em diferentes regiões e situações, e estará mais à
vontade com a variedade, manifestando diferentes características com povos
diversos, em vez de prescrever um “tamanho único”.
O IL termina
manifestando a esperança de que “este Sínodo seja uma expressão concreta da sinodalidade
de uma Igreja em saída, para que a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo
(cf. Jo 10, 10) chegue a todos, especialmente aos pobres” (IL 147).
Esse Sínodo,
esse “caminhar juntos”, não termina com a Missa conclusiva, nem com a
apresentação do Documento final ao Papa, nem mesmo com a subsequente Exortação
apostólica, que será publicada provavelmente na primeira metade de 2020. Ele
apontará para uma possível implementação, por parte do Povo de Deus e de
outros, de ações para proteger uma parte específica da grande casa comum em que
todos vivemos, bem como de novos caminhos pastorais para a Igreja.
O Sínodo será
constituído pelos bispos da Amazônia caminhando juntos uns com os outros, com
os habitantes daquelas terras, com os jovens e com o Espírito Santo.
Conclusão
É por isso que,
durante o Sínodo de outubro, todo o mundo deveria caminhar com as pessoas da
Amazônia – sem pretender alargar ou desviar a sua agenda, mas para ajudar o
Sínodo a ter impacto.
A região
amazônica é enorme e os seus desafios são imensos. As consequências da sua
destruição seriam sentidas em todo o planeta.
Para os povos
daquele território, a Amazônia é a sua casa no sentido mais pleno do termo; por
isso, “é necessário um trabalho que ajude a ver a Amazônia como uma casa de
todos, que merece o cuidado de todos” (IL 129).
Para a terra e a
humanidade no seu conjunto, a Amazônia é parte vital da nossa casa comum. Se a
Amazônia for ainda mais depredada, a atmosfera poderá tornar-se demasiado
contaminada e quente para sustentar a vida.
Os jovens e os
ainda não nascidos correm o maior risco nesta crise. Como é que os jovens da
Amazônia se poderão unir aos jovens de todo o mundo para se assegurarem de que,
enquanto crescem, todos serão capazes de respirar, de viver em plenitude e de
transmitir aos seus filhos as condições essenciais para a sua vida?
E como é que a
Igreja pode ajudar a encontrar os novos caminhos necessários? “O mundo
amazônico pede à Igreja que seja sua aliada” (IL 144).
Notas
[1] Os autores
agradecem a Hernán Quezada S.I. (México) e Robert Czerny (Canadá) pela ajuda na
redação e na revisão do artigo.
[2] Cerca de
87.000 pessoas participaram do processo de consultas. Mais ou menos 22.000
tomaram parte nas Assembleias, Fóruns e Grupos de Debate e pelo menos umas
65.000 outras participaram dos processos preparatórios nos nove países da
região amazônica. Foram implicados 90% dos bispos da Amazônia ou os seus
vigários. Além disso, algumas Conferências Episcopais realizaram as suas
próprias consultas.
[3] FRANCISCO,
Encontro com os povos da Amazônia, Puerto Maldonado, 19 de janeiro de 2018.
[4] Cfr T.
García, “Hoy la Amazonía se puede sentar en la mesa del Planeta Tierra y alzar
su voz”, entrevista a Dom David Martínez de Aguirre, in Religion Digital
(https://www.religiondigital.org/non_solum_sed_etiam-_el_blog_de_txenti/Monsenor-Secretario-Especial-Amazonia-Planeta_7_2127757209.html),
3 de junho de 2019.
[5] FRANCISCO,
Encontro com os povos da Amazônia, cit.
[6] Id.,
Encontro com o Episcopado brasileiro, 27 de julho de 2013.
[7] Documento da
V Conferência Geral do CELAM, Aparecida (Brasil), 2007.
[8] Ivi.
[9] FRANCISCO,
Encontro com a População no Instituto Jorge Basadre (Puerto Maldonado), 19 de
janeiro de 2018.
[10] JOÃO PAULO
II s., Ecclesia de Eucharistia (2003), n. 1 e cap. II.
[11] PAULO VI
s., Apostolica Sollicitudo, Istituzione del Sinodo dei Vescovi per la Chiesa
Universale, 15 de setembro de 1965 [traduzido da versão italiana].
[12] SÍNODO DOS
BISPOS SOBRE OS JOVENS, Documento Final, 27 de outubro de 2018, 119.
[13] Cfr ivi,
121.
[14] Ivi, 122.
Michael Czerny - David Martínez de Aguirre Guinea
................................................................................................................................................
Fonte: vaticannews.va
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