“Mensagem da CNBB ao povo brasileiro”
O episcopado
brasileiro, reunido em sua 57ª Assembleia Geral, de 1º a 10 de maio, em
Aparecida (SP), emitiu hoje a “Mensagem da CNBB ao povo brasileiro”. No
documento, os bispos alertam que a opção por um liberalismo exacerbado e
perverso, que desidrata o Estado quase ao ponto de eliminá-lo, ignorando as
políticas sociais de vital importância para a maioria da população, favorece o
aumento das desigualdades e a concentração de renda em níveis intoleráveis,
tornando os ricos mais ricos à custa dos pobres cada vez mais pobres.
O documento
chama a atenção para os graves problemas vividos pela população do país, como o
crescente desemprego, “outra chaga social, ao ultrapassar o patamar de 13
milhões de brasileiros, somados aos 28 milhões de subutilizados, segundo dados
do IBGE, mostra que as medidas tomadas para combatê-lo, até agora, foram
ineficazes. Além disto, é necessário preservar os direitos dos trabalhadores e
trabalhadoras”.
A violência,
conforme aponta a mensagem, atinge níveis insuportáveis. “Aos nossos ouvidos de
pastores chega o choro das mães que enterram seus filhos jovens assassinados,
das famílias que perdem seus entes queridos e de todas as vítimas de um sistema
que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. O
feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os
direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade humana”,
diz o texto.
Segundo o
documento, “o verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e
na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de
segurança, inspirado no mandamento “Não matarás” e não em projetos que
flexibilizem a posse e o porte de armas”.
Sobre as
necessárias reformas política, tributária e da previdência, os bispos afirmam,
na mensagem, que elas só se legitimam se feitas em vista do bem comum e com
participação popular de forma a atender, em primeiro lugar, os pobres. “O
Brasil que queremos emergirá do comprometimento de todos os brasileiros com os
valores que têm o Evangelho como fonte da vida, da justiça e do amor”, afirma o
texto.
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Veja, abaixo, a
mensagem na íntegra:
MENSAGEM DA CNBB AO POVO
BRASILEIRO
“Eis que faço
novas todas as coisas” (Ap 21,5)
Suplicando a
assistência do Espírito Santo, na comunhão e na unidade, nós, Bispos do Brasil,
reunidos na 57ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil-CNBB, no Santuário Nacional, em Aparecida-SP, de 1 a 10 de maio de 2019,
dirigimos nossa mensagem ao povo brasileiro, tomados pela ternura de pastores
que amam e cuidam do rebanho. Desejamos que as alegrias pascais, vividas tão
intensamente neste tempo, renovem, no coração e na mente de todos, a fé em
Jesus Cristo Crucificado-Ressuscitado, razão de nossa esperança e certeza de
nossa vitória sobre tudo que nos aflige.
“Eis que estou
convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20)
Enche-nos de
esperançosa alegria constatar o esforço de nossas comunidades e inúmeras
pessoas de boa vontade em testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo,
comprometidas com a vivência do amor, a prática da justiça e o serviço aos que
mais necessitam. São incontáveis os sinais do Reino de Deus entre nós a partir
da ação solidária e fraterna, muitas vezes anônima, dos que consomem sua vida
na transformação da sociedade e na construção da civilização do amor. Por essa
razão, a esperança e a alegria, frutos da ressurreição de Cristo, hão de ser a
identidade de todos os cristãos. Afinal, quando deixamos que o Senhor nos tire
de nossa comodidade e mude a nossa vida, podemos cumprir o que ordena São
Paulo: ‘Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos!’ (Fl 4,4)
(cf. Papa Francisco, Exortação Apostólica Gaudete et Exultate, 122).
“No mundo tereis
aflições, mas tende coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33)
Longe de nos
alienar, a alegria e a esperança pascais abrem nossos olhos para enxergarmos,
com o olhar do Ressuscitado, os sinais de morte que ameaçam os filhos e filhas
de Deus, especialmente, os mais vulneráveis. Estas situações são um apelo a que
não nos conformemos com este mundo, mas o transformemos (cf. Rm 12,2),
empenhando nossas forças na superação do que se opõe ao Reino de justiça e de
paz inaugurado por Jesus.
A crise ética,
política, econômica e cultural tem se aprofundado cada vez mais no Brasil. A
opção por um liberalismo exacerbado e perverso, que desidrata o Estado quase ao
ponto de eliminá-lo, ignorando as políticas sociais de vital importância para a
maioria da população, favorece o aumento das desigualdades e a concentração de
renda em níveis intoleráveis, tornando os ricos mais ricos à custa dos pobres
cada vez mais pobres, conforme já lembrava o Papa João Paulo II na Conferência
de Puebla (1979). Nesse contexto e inspirados na Campanha da Fraternidade deste
ano, urge reafirmar a necessidade de políticas públicas que assegurem a
participação, a cidadania e o bem comum. Cuidado especial merece a educação,
gravemente ameaçada com corte de verbas, retirada de disciplinas necessárias à
formação humana e desconsideração da importância das pesquisas.
A corrupção,
classificada pelo Papa Francisco como um “câncer social” profundamente radicada
em inúmeras estruturas do país, é uma das causas da pobreza e da exclusão
social na medida em que desvia recursos que poderiam se destinar ao
investimento na educação, na saúde e na assistência social, caminho de
superação da atual crise. A eficácia do combate à corrupção passa também por
uma mudança de mentalidade que leve a pessoa compreender que seu valor não está
no ter, mas no ser e que sua vida se mede não por sua capacidade de consumir,
mas de partilhar.
O crescente
desemprego, outra chaga social, ao ultrapassar o patamar de 13 milhões de
brasileiros, somados aos 28 milhões de subutilizados, segundo dados do IBGE,
mostra que as medidas tomadas para combatê-lo, até agora, foram ineficazes.
Além disto, é necessário preservar os direitos dos trabalhadores e
trabalhadoras. O desenvolvimento que se busca tem, no trabalho digno, um
caminho seguro desde que se respeite a primazia da pessoa sobre o mercado e do
trabalho sobre o capital, como ensina a Doutrina Social da Igreja. Assim, “a
dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam
estruturar toda a política econômica, mas às vezes parecem somente apêndices
adicionados de fora para completar um discurso político sem perspectivas nem
programas de verdadeiro desenvolvimento integral” (Papa Francisco, Evangelii
Gaudium, 203).
A violência
também atinge níveis insuportáveis. Aos nossos ouvidos de pastores chega o
choro das mães que enterram seus filhos jovens assassinados, das famílias que
perdem seus entes queridos e de todas as vítimas de um sistema que
instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. O
feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os
direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade
humana. O verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e na
reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de segurança,
inspirado no mandamento “Não matarás” e não em projetos que flexibilizem a
posse e o porte de armas.
Precisamos ser
uma nação de irmãos e irmãs, eliminando qualquer tipo de discriminação,
preconceito e ódio. Somos responsáveis uns pelos outros. Assim, quando os povos
originários não são respeitados em seus direitos e costumes, neles o Cristo é
desrespeitado: “Todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes mais
pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,45). É grave a ameaça
aos direitos dos povos indígenas assegurados na Constituição de 1988. O poder
político e econômico não pode se sobrepor a esses direitos sob o risco de
violação da Constituição.
A
mercantilização das terras indígenas e quilombolas nasce do desejo desenfreado
de quem ambiciona acumular riquezas. Nesse contexto, tanto as atividades
mineradoras e madeireiras quanto o agronegócio precisam rever seus conceitos de
progresso, crescimento e desenvolvimento. Uma economia que coloca o lucro acima
da pessoa, que produz exclusão e desigualdade social, é uma economia que mata,
como nos alerta o Papa Francisco (EG 53). São emblemático exemplo disso os
crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho com o rompimento das barragens de
rejeitos de minérios.
As necessárias
reformas política, tributária e da previdência só se legitimam se feitas em
vista do bem comum e com participação popular de forma a atender, em primeiro
lugar, os pobres, “juízes da vida democrática de uma nação” (Exigências éticas
da ordem democrática, CNBB – n. 72). Nenhuma reforma será eticamente aceitável
se lesar os mais pobres. Daí a importância de se constituírem em autênticas
sentinelas do povo as Igrejas, os movimentos sociais, as organizações populares
e demais instituições e grupos comprometidos com a defesa dos direitos humanos
e do Estado Democrático de Direito. Instâncias que possibilitam o exercício da
democracia participativa como os Conselhos paritários devem ser incentivadas e
valorizadas e não extintas como estabelece o decreto 9.759/2019.
“Buscai em
primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça” (Mt 6,33)
O Brasil que
queremos emergirá do comprometimento de todos os brasileiros com os valores que
têm o Evangelho como fonte da vida, da justiça e do amor. Queremos uma
sociedade cujo desenvolvimento promova a democracia, preze conjuntamente a
liberdade e a igualdade, respeite as diferenças, incentive a participação dos
jovens, valorize os idosos, ame e sirva os pobres e excluídos, acolha os
migrantes, promova e defenda a vida em todas as suas formas e expressões,
incluído o respeito à natureza, na perspectiva de uma ecologia humana e
integral.
As novas
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, que aprovamos
nesta 57ª Assembleia da CNBB, e o Sínodo para a Pan-Amazônia, a se realizar em
Roma, em outubro deste ano, ajudem no compromisso que todos temos com a
construção de uma sociedade desenvolvida, justa e fraterna. Lembramos que “o
desenvolvimento tem necessidade de cristãos com os braços levantados para Deus
em atitude de oração, cristãos movidos pela consciência de que o amor cheio de
verdade – caritas in veritate -, do qual procede o desenvolvimento
autêntico, não o produzimos nós, mas nos é dado” (Bento XVI, Caritas in
veritate, 79). O caminho é longo e exigente, contudo, não nos esqueçamos de que
“Deus nos dá a força de lutar e sofrer por amor do bem comum, porque Ele é o
nosso Tudo, a nossa esperança maior” (Bento XVI, Caritas in veritate, 78).
A Virgem Maria,
mãe do Ressuscitado, nos alcance a perseverança no caminho do amor, da justiça
e da paz.
Aparecida-SP,
7 de maio de 2019.
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Fonte: cnbb.org.br
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