Deus os ama e a Igreja necessita da juventude
O documento é
composto por nove capítulos divididos em 299 parágrafos. O Papa explica que se
deixou “inspirar pela riqueza das reflexões e diálogos do Sínodo dos jovens”,
celebrado no Vaticano em outubro de 2018.
Cidade do
Vaticano - “Cristo vive: é
Ele a nossa esperança e a mais bela juventude deste mundo! Tudo o que toca
torna-se jovem, fica novo, enche-se de vida. Por isso as primeiras palavras,
que quero dirigir a cada jovem cristão, são estas: Ele vive e quer-te vivo!”
Assim começa a
Exortação Apostólica pós-sinodal "Christus vivit" do Papa Francisco,
assinada segunda-feira, 25 de março, na Santa Casa de Loreto, e dirigida “aos
jovens e a todo o povo de Deus”.
No documento,
composto por nove capítulos divididos em 299 parágrafos, o Papa explica que se
deixou “inspirar pela riqueza das reflexões e diálogos do Sínodo dos jovens”,
celebrado no Vaticano em outubro de 2018.
A vida de Cristo
Francisco aborda
o tema dos primeiros anos de Jesus. Para ele, estes aspectos de Sua vida não
deveriam ser ignorados na pastoral juvenil, “para não criar projetos que isolem
os jovens da família e do mundo”.
O Pontífice
retoma um de seus ensinamentos e explica que é necessário apresentar a figura
de Jesus “de modo atraente e eficaz” e diz: “Por isso é necessário que a Igreja
não esteja demasiado debruçada sobre si mesma, mas procure sobretudo refletir
Jesus Cristo. Isto implica reconhecer humildemente que algumas coisas concretas
devem mudar”.
Na Exortação, se
reconhece que há jovens que sentem a presença da Igreja “como importuna e até
mesmo irritante”. Há jovens que “reclamam uma Igreja que escute mais, que não
passe o tempo a condenar o mundo. Não querem ver uma Igreja calada e tímida,
mas tampouco desejam que esteja sempre em guerra por dois ou três assuntos que
a obcecam”.
Sobre a
realidade juvenil, o Papa recorda os jovens que vivem em contextos de guerra,
explorados e vítimas de sequestros, criminalidade organizada, tráfico de seres
humanos, escravidão e exploração sexual, estupros. “Não podemos ser uma Igreja
que não chora à vista destes dramas dos seus filhos jovens. Não devemos jamais
habituar-nos a isto”, escreve.
Acenando a
“desejos, feridas e buscas”, Francisco fala da sexualidade: “num mundo que
destaca excessivamente a sexualidade, é difícil manter uma boa relação com o
próprio corpo e viver serenamente as relações afetivas”, mas lamenta que os
jovens vejam na Igreja um espaço de julgamento e condenação.
A Exortação se
detém em seguida sobre o tema do “ambiente digital”, que criou “uma nova
maneira de comunicar”, mas é também um território de solidão, manipulação,
exploração e violência. “A reputação das pessoas é comprometida através de
processos sumários on-line. O fenômeno diz respeito também à Igreja e seus
pastores.”
Migração,
proteção dos menores, empenho social
Outro tema
tocado pelo Pontífice são os migrantes e como os jovens estão diretamente
envolvidos nas migrações. O Papa os alerta para a difusão de uma mentalidade
xenófoba, contrapondo-os entre si.
O Papa fala
também dos abusos sobre menores e expressa gratidão “a quantos têm a coragem de
denunciar o mal sofrido”.
O abuso não é o
único pecado dos membros da Igreja, recorda o Papa. Mas ela não recorre a
cirurgias estéticas. “Lembremo-nos, porém, que não se abandona a Mãe quando
está ferida.” Com a ajuda preciosa dos jovens, este momento pode ser uma
oportunidade “para uma reforma de alcance histórico para se abrir a um novo
Pentecostes”.
A todos os
jovens, o Papa anuncia três grandes verdades. A primeira: “Deus que é amor”. A
segunda: “Cristo salva-te”. A terceira verdade é que “Ele vive!”. Nestas
verdades, aparece o Pai e aparece Jesus. E onde estão o Pai e Jesus, também
está o Espírito Santo, escreve Francisco, aconselhando os jovens a invocarem
todos os dias o Espírito Santo: “Não perdes nada e Ele pode mudar a tua vida”.
Francisco
recorda ainda que a juventude não pode ser um “tempo suspenso”, porque é “a
idade das escolhas”, por isso é importante buscar «um desenvolvimento
espiritual. O Papa propõe “percursos de fraternidade” e a importância de ser
jovens comprometidos, que buscam o bem comum.
“O empenho
social e o contato direto com os pobres continuam a ser uma oportunidade
fundamental para descobrir ou aprofundar a fé e para discernir a própria
vocação”. Em outras palavras, os jovens são chamados a ser “missionários
corajosos”.
Não poderia
faltar a referência à “relação com os idosos”. Se “os jovens se enraizarem nos
sonhos dos idosos, conseguem ver o futuro”. É preciso, portanto, “arriscar
juntos”.
Pastoral juvenil
Um inteiro
capítulo é dedicado à “Pastoral dos jovens”. A pastoral juvenil precisa de
adquirir outra flexibilidade, explica, sendo um espaço onde não só recebam uma
formação, mas lhes permitam também compartilhar a vida.
Serve “uma
pastoral juvenil popular”, “mais ampla e flexível que estimula, nos distintos
lugares onde se movem concretamente os jovens, as lideranças naturais e os
carismas que o Espírito Santo já semeou entre eles”.
Outro ponto
fundamental é o discernimento, seja para a vida familiar, seja para a
consagração a Deus.
No que diz
respeito ao trabalho, o Papa recorda que “é uma necessidade, faz parte do
sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e
realização pessoal”.
A Exortação se
conclui com “um desejo” do Papa Francisco:
““Queridos
jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos.
Correi atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia
e reconhecemos na carne do irmão que sofre…A Igreja precisa do vosso ímpeto,
das vossas intuições, da vossa fé...E quando chegardes aonde nós ainda não
chegamos, tende a paciência de esperar por nós”.”
...............................................................................................................................................................
Exortação
"Christus vivit":
síntese ampla e texto integral
Publicamos uma
ampla síntese com o link ao texto integral da Exortação Apostólica do Papa
Francisco, fruto do Sínodo dos jovens realizado em outubro de 2018.
«Cristo vive: é
Ele a nossa esperança e a mais bela juventude deste mundo! Tudo o que toca
torna-se jovem, fica novo, enche-se de vida. Por isso as primeiras palavras,
que quero dirigir a cada jovem cristão, são estas: Ele vive e quer-te vivo!».
Assim começa a
Exortação Apostólica pós-sinodal "Christus vivit" (Texto integral) de Francisco, assinada segunda-feira, 25 de
março, na Santa Casa de Loreto, e dirigida «aos jovens e a todo o povo de Deus».
No documento, composto por nove capítulos divididos em 299 parágrafos, o
Papa explica que se deixou «inspirar pela riqueza das reflexões e
diálogos do Sínodo dos jovens», celebrado no Vaticano em outubro de 2018.
Primeiro
capítulo: «Que diz a Palavra de Deus sobre os jovens?»
Francisco
recorda que « numa época em que os jovens contavam pouco, alguns textos
mostram que Deus vê com olhos diferentes» (6) e apresenta brevemente figuras de
jovens do Antigo Testamento: José, Gedeão (7), Samuel (8), o rei David (9),
Salomão e Jeremias (10), a jovem serva hebreia de Naaman e a jovem Rute (11).
Depois passa para o Novo Testamento. O Papa recorda que «Jesus, o eternamente
jovem, quer dar-nos um coração sempre jovem» (13) e acrescenta: «Notemos que
Jesus não gostava que os adultos olhassem com desprezo para os mais jovens ou
os mantivessem, despoticamente, ao seu serviço. Pelo contrário, pedia: “O que
for maior entre vós seja como o menor” (Lc 22, 26). Para Ele, a idade não
estabelecia privilégios; e o facto de alguém ter menos anos não significava que
valesse menos ou tivesse menor dignidade». Francisco afirma: «Nunca nos
arrependeremos de gastar a própria juventude a fazer o bem, abrindo o coração
ao Senhor e vivendo contracorrente» (17).
Segundo capítulo:
«Jesus Cristo sempre jovem»
O Papa aborda o
tema dos primeiros anos de Jesus e recorda a narração evangélica que descreve o
Nazareno «em plena adolescência, quando regressou para Nazaré com seus pais,
depois que estes O perderam e reencontraram no Templo» (26). Não devemos
pensar, escreve Francisco, que «Jesus fosse um adolescente solitário ou um
jovem fechado em si mesmo. A sua relação com as pessoas era a dum jovem que
compartilhava a vida inteira duma família bem integrada na aldeia», «ninguém O
considerava um jovem estranho ou separado dos outros» (28). O Papa faz notar
que Jesus adolescente, «graças à confiança que n’Ele depositam seus
pais…move-Se livremente e aprende a caminhar com todos os outros» (29). Estes
aspectos da vida de Jesus não deveriam ser ignorados na pastoral juvenil, «para
não criar projetos que isolem os jovens da família e do mundo, ou que os
transformem numa minoria selecta e preservada de todo o contágio». Precisamos,
sim, «de projetos que os fortaleçam, acompanhem e lancem para o encontro com os
outros, o serviço generoso, a missão» (30).
Jesus «vos
ilumina, a vós jovens, mas a partir da própria juventude que partilha convosco »
e n’Ele se podem reconhecer muitos traços típicos dos corações jovens (31).
Junto «d’Ele, podemos beber da verdadeira fonte que mantém vivos os nossos
sonhos, projetos e grandes ideais, lançando-nos no anúncio da vida que vale a
pena viver» (32); «O Senhor chama-nos a acender estrelas na noite doutros
jovens» (33).
Francisco fala
então da juventude da Igreja e escreve: « Peçamos ao Senhor que
liberte a Igreja daqueles que querem envelhecê-la, ancorá-la ao passado,
travá-la, torná-la imóvel. Peçamos também que a livre doutra tentação:
acreditar que é jovem porque cede a tudo o que o mundo lhe oferece, acreditar
que se renova porque esconde a sua mensagem e mimetiza-se com os outros. Não! É
jovem quando é ela mesma, quando recebe a força sempre nova da Palavra de Deus,
da Eucaristia, da presença de Cristo e da força do seu Espírito em cada dia»
(35).
É verdade que «nós,
membros da Igreja, não precisamos de aparecer como sujeitos estranhos. Todos
nos devem sentir irmãos e vizinhos, como os Apóstolos que «tinham a simpatia de
todo o povo» (At 2, 47; cf. 4, 21.33; 5, 13). Ao mesmo tempo, porém, devemos
ter a coragem de ser diferentes, mostrar outros sonhos que este mundo não
oferece, testemunhar a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da
fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela
justiça e o bem comum, do amor aos pobres, da amizade social» (36). A Igreja
pode sempre cair na tentação de perder o entusiasmo e procurar «falsas
seguranças mundanas. São precisamente os jovens que a podem ajudar a permanecer
jovem» (37).
O Papa volta
então a um dos ensinamentos que ele gosta muito e explica que é necessário
apresentar a figura de Jesus «de modo atraente e eficaz» e diz: «Por isso é
necessário que a Igreja não esteja demasiado debruçada sobre si mesma, mas
procure sobretudo refletir Jesus Cristo. Isto implica reconhecer humildemente que
algumas coisas concretas devem mudar» (39).
Na exortação se
reconhece que há jovens que sentem a presença da Igreja «como importuna e até
mesmo irritante». Um comportamento que mergulha as raízes «mesmo em razões
sérias e respeitáveis: os escândalos sexuais e económicos; a falta de
preparação dos ministros ordenados, que não sabem reconhecer de maneira
adequada a sensibilidade dos jovens; pouco cuidado na preparação da homilia e
na apresentação da Palavra de Deus; o papel passivo atribuído aos jovens no seio
da comunidade cristã; a dificuldade da Igreja dar razão das suas posições
doutrinais e éticas perante a sociedade atual» (40).
Há jovens que «reclamam
uma Igreja que escute mais, que não passe o tempo a condenar o mundo. Não
querem ver uma Igreja calada e tímida, mas tão-pouco desejam que esteja sempre
em guerra por dois ou três assuntos que a obcecam. Para ser credível aos olhos
dos jovens, precisa às vezes de recuperar a humildade e simplesmente ouvir,
reconhecer, no que os outros dizem, alguma luz que a pode ajudar a descobrir
melhor o Evangelho» (41). Por exemplo, uma Igreja demasiado temerosa e
estruturada pode ser constantemente crítica «de todos os discursos sobre a
defesa dos direitos das mulheres, e apontar constantemente os riscos e os
possíveis erros dessas reclamações», enquanto uma Igreja «viva pode reagir
prestando atenção às legítimas reivindicações das mulheres», embora «não
concorde com tudo o que propõem alguns grupos feministas» (42).
Francisco
apresenta então «Maria, a jovem de Nazaré», e o seu sim como aquele «de
quem quer comprometer-se e arriscar, de quem quer apostar tudo, sem ter outra
garantia para além da certeza de saber que é portadora duma promessa. Pergunto
a cada um de vós: Sentes-te portador duma promessa?» (44). Para Maria «as
dificuldades não eram motivo para dizer “não”» e assim colocando-se em jogo
tornou-se a «influenciadora de Deus». O coração da Igreja também está
cheio de jovens santos. O Papa recorda São Sebastião, São Francisco de
Assis, Santa Joana d’Arc, o Beato mártir Andrew Phû Yên, Santa Catarina
Tekakwitha, São Domingos Sávio, Santa Teresa do Menino Jesus, Beato Zeferino
Namuncurá, Beato Isidoro Bakanja, Beato Pier Jorge Frassati, Beato Marcelo
Callo, a jovem Beata Clara Badano.
Terceiro
capítulo: «Vós sois o agora de Deus»
Não podemos
limitar-nos a dizer, afirma Francisco, que «os jovens são o futuro do mundo:
são o presente, estão a enriquecê-lo com a sua contribuição» (64). Por isso é
preciso escutá-los mesmo se «prevalece a tendência de fornecer respostas
pré-fabricadas e receitas prontas, sem deixar assomar as perguntas juvenis na
sua novidade e captar a sua interpelação» (65).
«Hoje nós,
adultos, corremos o risco de fazer uma lista de desastres, de defeitos da
juventude actual... Mas, qual seria o resultado deste comportamento? Uma
distância sempre maior» (66). Quem foi chamado a ser pai, pastor ou guia dos
jovens deveria ter a capacidade «de individuar percursos onde outros só veem
muros, é saber reconhecer possibilidades onde outros só veem perigos. Assim é o
olhar de Deus Pai, capaz de valorizar e nutrir os germes de bem semeados no
coração dos jovens. Por isso, o coração de cada jovem deve ser considerado
‘terra santa’» (67). Francisco convida também a não generalizar, porque existe
uma «pluralidade de mundos juvenis» (68).
Falando depois
do que ocorre aos jovens, o Papa recorda os jovens que vivem em contextos de
guerra, aqueles explorados e vítimas de raptos, criminalidade organizada,
tráfico de seres humanos, escravidão e exploração sexual, estupros. E também
aqueles que vivem perpetrando crimes e violências (72). «Muitos jovens são
mentalizados, instrumentalizados e utilizados como carne de canhão ou como
força de choque para destruir, intimidar ou ridicularizar outros. E o pior é
que muitos se transformam em sujeitos individualistas, inimigos e difidentes
para com todos, tornando-se assim presa fácil de propostas desumanizadoras e
dos planos destrutivos elaborados por grupos políticos ou poderes económicos»
(73). Ainda mais numerosos no mundo são os jovens que padecem formas de
marginalização e exclusão social, por razões religiosas, étnicas ou económicas.
Francisco cita adolescentes e jovens que «ficam grávidas e a praga do aborto,
bem como a propagação do SIDA/HIV, as várias formas de dependência (drogas,
jogos de azar, pornografia, etc.) e a situação dos meninos e adolescentes de
rua» (74), situações de marginalização duplamente dolorosas e difíceis para as
mulheres. «Não podemos ser uma Igreja que não chora à vista destes dramas dos
seus filhos jovens. Não devemos jamais habituar-nos a isto…A pior coisa que
podemos fazer é aplicar a receita do espírito mundano, que consiste em
anestesiar os jovens com outras notícias, com outras distrações, com
banalidades» (75). O Papa convida os jovens a aprender a chorar pelos coetâneos
que estão pior do que eles (76).
É verdade,
explica Francisco, que «os poderosos prestam alguma ajuda, mas muitas vezes por
um alto preço. Em muitos países pobres, a ajuda económica dalguns países mais
ricos ou dalguns organismos internacionais costuma estar vinculada à aceitação
de propostas ocidentais relativas à sexualidade, ao matrimónio, à vida ou à
justiça social. Esta colonização ideológica prejudica de forma especial os
jovens» (78). O Papa chama a atenção também para a cultura de hoje que
apresenta o modelo juvenil de beleza e usa os corpos juvenis na publicidade: «não
é um elogio para os jovens. Significa apenas que os adultos querem roubar a
juventude para si mesmos» (79).
Acenando a «desejos,
feridas e buscas», Francisco fala da sexualidade: «num mundo que destaca
excessivamente a sexualidade, é difícil manter uma boa relação com o próprio
corpo e viver serenamente as relações afetivas. Por esta e outras razões, a
moral sexual é frequentemente «causa de incompreensão e alheamento da Igreja,
pois é sentida como um espaço de julgamento e condenação» mesmo que existam
jovens que expressam de maneira explícita o desejo de se confrontar sobre esses
temas (81). O Papa, diante dos progressos da ciência, das tecnologias biomédicas
e das neurociências recorda que «podem levar-nos a esquecer que a vida é um
dom, que somos seres criados e limitados, podendo facilmente ser
instrumentalizados por quem detém o poder tecnológico» (82).
A exortação se
detém em seguida sobre o tema do «ambiente digital», que criou «uma nova
maneira de comunicar» e que «pode facilitar a circulação duma informação
independente». Em muitos países, a web e as redes sociais já
constituem «um lugar indispensável para se alcançar e envolver os jovens» (87). Mas
é também um território de solidão, manipulação, exploração e violência, até ao
caso extremo da dark web. Os meios de comunicação digitais podem expor ao risco
de dependência, isolamento e perda progressiva de contacto com a realidade
concreta…Difundem-se novas formas de violência através das redes sociais, como
ocyberbullying; a web é também um canal de difusão da pornografia e de
exploração de pessoas para fins sexuais ou através do jogo de azar» (88).
Não se deve esquecer que «há interesses económicos gigantescos que operam no
mundo digital», capazes de criar «mecanismos de manipulação das consciências e
do processo democrático». Há circuitos fechados que «facilitam a divulgação de
informações e notícias falsas, fomentando preconceitos e ódio... A reputação
das pessoas é comprometida através de processos sumários on-line. O
fenómeno diz respeito também à Igreja e seus pastores» (89). Num documento
preparado por trezentos jovens de todo o mundo antes do Sínodo, se afirma que «as
relações on-line podem tornar-se desumanas e a imersão no mundo
virtual favoreceu uma espécie de «migração digital», isto é, um
distanciamento da família, dos valores culturais e religiosos, que leva muitas
pessoas para um mundo de solidão» (90).
O Papa prossegue
apresentando «os migrantes como paradigma do nosso tempo», e recorda os
inúmeros jovens diretamente envolvidos nas migrações. «A preocupação da Igreja
visa, em particular, aqueles que fogem da guerra, da violência, da perseguição
política ou religiosa, dos desastres naturais devidos também às alterações
climáticas e da pobreza extrema» (91): alguns estão à procura de uma
oportunidade, sonham um futuro melhor. Outros migrantes são «atraídos pela
cultura ocidental, nutrindo por vezes expectativas irrealistas que os expõem a
pesadas decepções. Traficantes sem escrúpulos, frequentemente ligados a cartéis
da droga e das armas, exploram a fragilidade dos migrantes… Há que assinalar a
particular vulnerabilidade dos migrantes menores não acompanhados… Nalguns
países de chegada, os fenómenos migratórios suscitam alarme e temores,
frequentemente fomentados e explorados para fins políticos. Assim se difunde
uma mentalidade xenófoba, de clausura e retraimento em si mesmos, a que é
necessário reagir com decisão» (92). Os jovens que migram experimentam a
separação do seu contexto de origem e, muitas vezes, também um desenraizamento
cultural e religioso(93). Francisco pede «especialmente aos jovens que não
caiam nas redes de quem os quer contrapor a outros jovens que chegam aos seus
países, fazendo-os ver como sujeitos perigosos» (94).
O Papa fala
também dos abusos sobre menores, faz seu o compromisso do Sínodo para a
adoção de rigorosas medidas de prevenção e exprime gratidão «a quantos têm a
coragem de denunciar o mal sofrido» (99), recordando que «graças a Deus», os
sacerdotes que caíram nestes crimes horríveis não constituem a maioria;
esta mantém um ministério fiel e generoso». Pede aos jovens, se vêem um
sacerdote em risco, porque tomou um rumo errado, de ter a ousadia e a coragem
de lhe lembrar o seu compromisso para com Deus e o seu povo (100).
O abuso não é o
único pecado dos membros da Igreja. «Os nossos pecados estão à vista de todos;
refletem-se, impiedosamente, nas rugas do rosto milenário da nossa Mãe», mas a
Igreja não recorre a cirurgias estéticas, «não tem medo de mostrar os pecados
dos seus membros». «Lembremo-nos, porém, que não se abandona a Mãe quando está
ferida» (101). Este momento sombrio, com a ajuda preciosa dos jovens, «pode
verdadeiramente ser uma oportunidade para uma reforma de alcance histórico para
se abrir a um novo Pentecostes» (102).
Francisco
recorda aos jovens que «há uma via de saída» em todas as situações
escuras e dolorosas. Recorda a boa notícia que nos deu a manhã da Ressurreição.
E explica que mesmo que o mundo digital pode expor a tantos riscos, há jovens
que sabem ser criativos e geniais nestes âmbitos. É o caso do jovem servo de
Deus Carlos Acutis, que «soube usar as novas técnicas de comunicação para
transmitir o Evangelho» (105), não caiu na armadilha e dizia: «todos nascem
como originais, mas muitos morrem como fotocópias». Não deixes que isto te
aconteça» (106), adverte o Papa. «Não deixes que te roubem a esperança e a
alegria, que te narcotizem para te usar como escravo dos seus interesses»
(107), busque a grande meta da santidade. «Ser jovem não significa apenas
procurar prazeres transitórios e sucessos superficiais. Para a juventude
desempenhar a finalidade que lhe cabe no curso da vida, deve ser um tempo de
doação generosa, de oferta sincera» (108). «Se és jovem em idade, mas te sentes
frágil, cansado ou desiludido, pede a Jesus que te renove» (109). Mas
recordando sempre que «é muito difícil lutar contra…as ciladas e tentações do
demónio e do mundo egoísta, se estivermos isolados» (110), serve, de fato, uma
vida comunitária.
Quarto capítulo:
«O grande anúncio para todos os jovens»
A todos os
jovens o Papa anuncia três grandes verdades. Um «Deus que é amor» e
portanto «Deus ama-te. Nunca duvides disto» (112) e depois «lançar-te, com
segurança, nos braços do teu Pai divino» (113). Francisco afirma que a memória
do Pai «não é um “disco rígido” que grava e armazena todos os nossos dados, a
sua memória é um coração terno e rico de compaixão, que se alegra em eliminar
definitivamente todos os nossos vestígios de mal…Porque te ama. Procura ficar
um momento em silêncio, deixando-te amar por Ele» (115). E o seu é um amor que
«entende mais de levantamentos que de quedas, mais de reconciliação que de
proibições, mais de dar nova oportunidade que de condenar, mais de futuro que
de passado» (116).
A segunda
verdade é que «Cristo salva-te». « Nunca esqueças que «Ele perdoa setenta
vezes sete. Volta uma vez e outra a carregar-nos aos seus ombros» (119). Jesus
nos ama e nos salva porque «só o que se ama pode ser salvo. Só o que se abraça,
pode ser transformado. O amor do Senhor é maior que todas as nossas
contradições, que todas as nossas fragilidades e que todas as nossas
mesquinhices» (120). E «o seu perdão e a sua salvação não são algo que
compramos, ou que temos de adquirir com as nossas obras ou com os nossos
esforços. Jesus perdoa-nos e liberta-nos gratuitamente» (121). A terceira
verdade é que «Ele vive!». «É preciso recordá-lo…porque corremos o risco
de tomar Jesus Cristo apenas como um bom exemplo do passado, como uma
recordação, como Alguém que nos salvou há dois mil anos. De nada nos
aproveitaria isto: deixava-nos como antes, não nos libertaria» (124). Se «Ele
vive, isso é uma garantia de que o bem pode triunfar na nossa vida…Então
podemos deixar de nos lamentar e podemos olhar em frente, porque com Ele é
possível sempre olhar em frente» (127).
Nestas verdades
aparece o Pai e aparece Jesus. E onde estão o Pai e Jesus, também está o
Espírito Santo. «Todos os dias invoca o Espírito Santo…Tu não perdes nada e Ele
pode mudar a tua vida, pode iluminá-la e dar-lhe um rumo melhor. Não te mutila,
não te tira nada, antes ajuda-te a encontrar da melhor maneira aquilo que
precisas» (131).
Quinto capítulo:
«Percursos de juventude»
«O amor de
Deus e a nossa relação com Cristo vivo não nos impedem de sonhar, não nos pedem
para restringir os nossos horizontes. Pelo contrário, esse amor instiga-nos,
estimula-nos, lança-nos para uma vida melhor e mais bela. A palavra
«inquietude» resume muitas das aspirações do coração dos jovens» (138).
Pensando a um jovem o Papa vê aquele que tem os pés sempre um atrás do outro,
pronto a arrancar, a partir. Sempre a olhar para diante (139). A juventude não
pode ser um «tempo suspenso», porque é «a idade das escolhas» em âmbito
profissional, social, político e também na escolha do seu par e na opção de ter
os primeiros filhos. A ânsia «pode tornar-se uma grande inimiga, quando leva a
render-nos, porque descobrimos que os resultados não são imediatos. Os sonhos
mais belos conquistam-se com esperança, paciência e determinação, renunciando
às pressas. Ao mesmo tempo, é preciso não se deixar bloquear pela insegurança:
não se deve ter medo de arriscar e cometer erros» (142). Francisco convida os
jovens a não observar a vida da sacada, a não passar a vida diante dum visor, a
não se reduzir a veículo abandonado, a anão olhar o mundo como turistas. Fazei-vos
ouvir! Lançai fora os medos que vos paralisam…Vivei!» (143). Convida-os a «viver
o presente» para viver plenamente e com gratidão cada um dos pequenos presentes
da vida sem «ser insaciáveis» e «obcecados por prazeres sem fim» (146). Viver o
presente, de fato, «não significa abandonar-se a uma libertinagem irresponsável
que nos deixa vazios e sempre insatisfeitos» (147).
«Não conhecerás
a verdadeira plenitude de ser jovem, se… não viveres na amizade de Jesus»
(150). A amizade com Jesus é indissolúvel, porque nunca nos deixa (154) e assim
como o amigo, «conversamos, partilhamos as coisas mais secretas. Com Jesus,
também conversamos»: rezando «abrimos o jogo a Ele, damos-Lhe lugar «para que
Ele possa agir, possa entrar e possa vencer» (155). «Não prives a tua juventude
desta amizade», «viverás a experiência estupenda de saber que estás sempre
acompanhado» como os discípulos de Emaús (156): São Oscar Romero dizia: «O
cristianismo não é um conjunto de verdades em que é preciso acreditar, de leis
que se devem observar, de proibições. Apresentado assim, repugna. O
cristianismo é uma Pessoa que me amou tanto que reclama o meu amor. O
cristianismo é Cristo».
O Papa falando do
crescimento e da maturação, indica portanto a importância de buscar «um
desenvolvimento espiritual», de «buscar o Senhor e guardar a sua Palavra», de
manter «a união com Jesus…porque não crescerás na felicidade e santidade só com
as tuas forças e a tua mente» (158). Também o adulto deve maturar, sem perder
os valores da juventude: «Em cada momento da vida, podemos renovar e fazer
crescer a nossa juventude. Quando comecei o meu ministério como Papa, o Senhor
alargou os meus horizontes e deu-me uma renovada juventude. O mesmo pode
acontecer com um casal já com muitos anos de matrimónio, ou com um monge no seu
mosteiro» (160). Crescer «quer dizer conservar e alimentar as coisas mais
preciosas que te oferece a juventude, mas ao mesmo tempo significa estar
disponível para purificar o que não é bom» (161).
«Lembro-te,
porém, que não serás santo nem te realizarás copiando os outros. Quando se fala
em imitar os santos, não significa copiar o seu modo de ser e de viver a
santidade» (162). Francisco propõe «percursos de fraternidade» para
viver a fé, recordando que «o Espírito Santo quer impelir-nos a sair de
nós mesmos, para abraçar os outros…Por isso, é sempre melhor vivermos a fé juntos
e expressar o nosso amor numa vida comunitária» (164), superando «a tentação de
nos fecharmos em nós mesmos, nos nossos problemas, sentimentos feridos,
lamentações e comodidades» (166). «Deus ama a alegria dos jovens e convida-os
sobretudo à alegria que se vive na comunhão fraterna» (167).
O Papa fala
depois dos «jovens comprometidos», afirmando que podem correr «o
risco de se fechar em pequenos grupos…Têm a sensação de viver o amor fraterno,
mas o seu grupo talvez se tenha tornado um simples prolongamento do próprio eu. Isto
agrava-se, se a vocação do leigo for concebida unicamente como um serviço
interno da Igreja…esquecendo-se que a vocação laical é, antes de mais nada, a
caridade na família, a caridade social e caridade política» (168). Francisco
propõe «aos jovens irem mais além dos grupos de amigos e construírem a amizade
social: «buscar o bem comum chama-se amizade social. A inimizade social
destrói. E uma família destrói-se pela inimizade. Um país destrói-se pela
inimizade. O mundo destrói-se pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra. E
hoje vemos que o mundo se está a destruir pela guerra. Porque são incapazes de
se sentar e falar» (169).
«O empenho
social e o contacto direto com os pobres continuam a ser uma oportunidade
fundamental para descobrir ou aprofundar a fé e para discernir a própria
vocação» (170). O Papa cita o exemplo positivo dos jovens nas paróquias,
escolas e movimentos que «costumam ir fazer companhia a idosos e enfermos,
visitar bairros pobres» (171). Enquanto «outros jovens participam em programas
sociais que visam construir casas para os sem-abrigo, bonificar áreas
contaminadas, ou recolher ajudas para os mais necessitados. Seria bom que esta
energia comunitária fosse aplicada não só em ações esporádicas, mas de forma
estável». Os universitários «podem unir-se de forma interdisciplinar
para aplicar os seus conhecimentos na resolução de problemas sociais e, nesta
tarefa, podem trabalhar lado a lado com jovens doutras Igrejas e doutras
religiões» (172). Francisco encoraja os jovens a assumirem este compromisso:«Vejo
que muitos jovens, em tantas partes do mundo, saíram para as ruas para
expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna…São jovens que
querem ser protagonistas da mudança…Não deixeis para outros o ser protagonista
da mudança!» (174).
Os jovens são
chamados a ser «missionários corajosos» testemunhando do Evangelho em
toda parte, com a sua própria vida, o que não significa «falar da verdade,
mas vivê-la» (175). A palavra, porém, não deve ser mantida em silêncio: «Sede
capazes de ir contracorrente, compartilhar Jesus, comunicar a fé que Ele vos
deu» (176). Para onde Jesus nos manda? «Não há fronteiras, não há limites:
envia-nos a todas as pessoas. O Evangelho é para todos, e não apenas para
alguns. Não é apenas para aqueles que parecem a nossos olhos mais próximos,
mais abertos, mais acolhedores. É para todos» (177). Não se pode esperar que «a
missão seja fácil e cómoda» (178).
Sexto capítulo:
«Jovens com raízes»
Francisco diz
que lhe faz mal «ver que alguns propõem aos jovens construir um futuro sem
raízes, como se o mundo começasse agora» (179). Se uma pessoa «vos fizer uma
proposta dizendo para ignorardes a história, não aproveitardes da experiência
dos mais velhos, desprezardes todo o passado olhando apenas para o futuro que
essa pessoa vos oferece, não será uma forma fácil de vos atrair para a sua
proposta a fim de fazerdes apenas o que ela diz? Aquela pessoa precisa de vós
vazios, desenraizados, desconfiados de tudo, para vos fiardes apenas nas suas
promessas e vos submeterdes aos seus planos. Assim procedem as ideologias de
variadas cores, que destroem (ou desconstroem) tudo o que for diferente,
podendo assim reinar sem oposições.» (181). Os manipuladores usam também
a adoração da juventude: «O corpo jovem torna-se o símbolo deste novo culto e,
consequentemente, tudo o que tenha a ver com este corpo é idolatrado e desejado
sem limites, enquanto o que não for jovem é olhado com desprezo. Mas é uma arma
que acaba por degradar os jovens» (182). «Queridos jovens, não permitais que
usem a vossa juventude para promover uma vida superficial, que confunde beleza
com aparência » (183), porque há beleza no trabalhador que regressa a casa
surrado na esposa mal penteada e já um pouco idosa, que continua a cuidar do
seu marido doente, na fidelidade dos casais que se amam no outono da vida.
Hoje, ao invés, promovem-se «uma espiritualidade sem Deus, uma afetividade sem
comunidade nem compromisso com os que sofrem, o medo dos pobres vistos como
sujeitos perigosos, e uma série de ofertas que pretendem fazer-vos acreditar
num futuro paradisíaco que sempre será adiado para mais tarde» (184): o Papa
convida os jovens a não se deixarem dominar por essa ideologia que leva a
«autênticas formas de colonização cultural» (185) que desenraíza os
jovens das pertenças culturais e religiosas das quais são provenientes com
uma tendência para “homogeneizá-los” transformando-os em sujeitos manipuláveis
feitos em série (186).
Fundamental é a «relação
com os idosos», que ajuda os jovens a descobrir a riqueza viva do passado,
conservando-a na memória. «A Palavra de Deus recomenda que não se perca o
contacto com os idosos, para poder recolher a sua experiência» (188). «Isto
não significa que tenhas de estar de acordo com tudo o que eles dizem, nem que
deves aprovar todas as suas ações» trata-se «simplesmente de se manter aberto para
recolher uma sabedoria que se comunica de geração em geração» (190). «Ao mundo,
nunca foi nem será de proveito a ruptura entre gerações…É a mentira que deseja
fazer-te crer que só o novo é bom e belo» (191).
Falando de «sonhos
e visões», Francisco observa: «Se os jovens e os idosos se abrirem ao Espírito
Santo, juntos produzem uma combinação maravilhosa: os idosos sonham e os jovens
têm visões» (192); se «os jovens se enraizarem nos sonhos dos idosos, conseguem
ver o futuro» (193). É preciso, portanto «arriscar juntos», caminhando
juntos jovens e idosos: as raízes «não são âncoras que nos prendem», mas «são
um ponto de arraigamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios»
(200).
Sétimo capítulo:
«A pastoral dos jovens»
O Papa explica
que a pastoral juvenil foi abalroada pelas mudanças sociais e culturais e os
jovens não encontram resposta para as suas inquietudes, necessidades, problemas
e feridas» (202). Os próprios jovens «são agentes da pastoral juvenil,
acompanhados e orientados mas livres para encontrar caminhos sempre novos, com
criatividade e ousadia». Por conseguinte,«precisa colocar em campo a
sagacidade, o engenho e o conhecimento que os próprios jovens têm da
sensibilidade, linguagem e problemáticas dos outros jovens» (203). A pastoral
juvenil precisa de adquirir outra flexibilidade, «convidando os jovens para
acontecimentos que, de vez em quando, lhes proporcionem um espaço onde não só
recebam uma formação, mas lhes permitam também compartilhar a vida, festejar,
cantar, escutar testemunhos concretos e experimentar o encontro comunitário com
o Deus vivo» (204).
A pastoral
juvenil só pode ser sinodal, isto é, capaz de dar forma a um "caminhar
juntos" e envolve duas grandes linhas de ação: a primeira é a busca,
a segunda é o crescimento. Para a primeira, Francisco confia na capacidade
dos próprios jovens de «encontrar os caminhos atraentes para convidar»:
«devemos apenas estimular os jovens e dar-lhes liberdade de ação». O mais
importante, porém, «é que cada jovem ouse semear o primeiro anúncio na
terra fértil que é o coração doutro jovem» (210). Deve-se privilegiar «a
linguagem da proximidade, a linguagem do amor desinteressado, relacional e
existencial que toca o coração», aproximando-se dos jovens «com a gramática do
amor, não com o proselitismo» (211). No que diz respeito ao crescimento,
Francisco chama a atenção de propor aos jovens tocados por uma experiência
intensa de Deus «encontros de “formação” onde se abordam apenas questões
doutrinais e morais…Resultado: muitos jovens aborrecem-se, perdem o fogo do
encontro com Cristo e a alegria de O seguir» (212). Qualquer projeto formativo
«deve, certamente, incluir uma formação doutrinal e moral». De igual modo é
importante que «estejam centrados» sobreo querigma, isto é «a
experiência fundante do encontro com Deus através de Cristo morto e
ressuscitado», e sobre o crescimento «no amor fraterno, na vida comunitária, no
serviço» (213). Por isso, «a pastoral juvenil deveria incluir sempre momentos
que ajudem a renovar e aprofundar a experiência pessoal do amor de Deus e de
Jesus Cristo vivo» (214). E deve ajudar os jovens a «crescer na fraternidade,
viver como irmãos, auxiliar-se mutuamente, criar comunidade, servir os outros,
aproximar-se dos pobres» (215).
As instituições
da Igreja tornem-se, portanto «ambientes adequados», desenvolvendo «capacidade
de acolhida»: «Nas nossas instituições devemos oferecer lugares que eles possam
gerir a seu gosto, com a possibilidade de entrar e sair livremente, lugares que
os acolham e onde lhes seja possível encontrar-se, espontânea e confiadamente,
com outros jovens tanto nos momentos de sofrimento ou de chatice como quando
desejam festejar as suas alegrias» (218).
Francesco
descreve então «a pastoral das instituições educacionais», afirmando que a
escola «precisa duma urgente autocrítica». E recorda que «há escolas
católicas que parecem ser organizadas somente para conservar o existente…A
escola transformada num “bunker”, que protege dos erros “de fora”: tal é a
caricatura desta tendência». Quando os jovens saem advertem «um desfasamento
insanável entre o que lhes ensinaram e o mundo onde lhes cabe viver». Na
realidade, «uma das maiores alegrias dum educador é ver um aluno constituir-se
como uma pessoa forte, integrada, protagonista e capaz de se doar» (221). Não
se pode separar a formação espiritual da formação cultural: «Eis a vossa
tarefa: responder aos estribilhos paralisantes do consumismo cultural com
escolhas dinâmicas e fortes, com a investigação, o conhecimento e a partilha»
(223). Entre as «áreas de desenvolvimento pastoral », o Papa indica as «expressões
artísticas» (226), a «prática desportiva» (227), e o compromisso pela
salvaguarda do meio ambiente (228).
Serve «uma
pastoral juvenil popular», «mais ampla e flexível que estimula, nos
distintos lugares onde se movem concretamente os jovens, as lideranças naturais
e os carismas que o Espírito Santo já semeou entre eles. Trata-se, antes de
mais nada, de não colocar tantos obstáculos, normas, controles e enquadramentos
obrigatórios aos jovens crentes que são líderes naturais nos bairros e nos
diferentes ambientes. Devemos limitar-nos a acompanhá-los e estimulá-los»
(230). Pretendendo «uma pastoral juvenil asséptica, pura, caracterizada por
ideias abstratas, afastada do mundo e preservada de toda a mancha, reduzimos o
Evangelho a uma proposta insípida, incompreensível, distante, separada das
culturas juvenis e adaptada só a uma elite juvenil cristã que se sente
diferente, mas na verdade flutua num isolamento sem vida nem fecundidade»
(232). Francisco convida a ser «uma Igreja com as portas abertas. Não é
necessário sequer que uma pessoa aceite completamente todos os ensinamentos da
Igreja para poder participar em alguns dos nossos espaços dedicados aos jovens»
(234): «deve haver espaço também para «todos aqueles que têm outras visões da
vida, professam outras crenças ou se declaram alheios ao horizonte religioso»
(235). O ícone desta abordagem é-nos oferecido pelo episódio evangélico dos
discípulos de Emaús: Jesus interroga-os, escuta-os com paciência, ajuda-os a
reconhecer o que estão vivendo, a interpretar à luz das Escrituras o que
viveram, aceita ficar com eles, entra na noite deles. São eles mesmos que
escolhem retomar sem demora o caminho na direção oposta. (237).
«Sempre
missionários». Lembra que não há necessidade de fazer um longo percurso para
que os jovens se tornem missionários»: «Um jovem que vai em peregrinação pedir
ajuda a Nossa Senhora e convida um amigo ou um companheiro para que o acompanhe,
com este gesto simples está a realizar uma valiosa ação missionária» (239).A
pastoral juvenil «deve ser sempre uma pastoral missionária» (240). E os
jovens precisam de ser respeitados na sua liberdade, «mas necessitam também de
ser acompanhados» pelos adultos, a família deveria ser o primeiro espaço
de acompanhamento (242), e também pela comunidade: «Isto implica que se olhe
para os jovens com compreensão, estima e afeto, e não que sejam julgados
continuamente ou lhes seja exigida uma perfeição que não corresponde à sua
idade» (243). Adverte-se a carência de pessoas especializadas e dedicadas ao
acompanhamento (244) e «e algumas jovens notam uma falta de figuras femininas
de referência dentro da Igreja» (245). Os mesmos jovens «descreveram-nos» as
caraterísticas que esperam encontrar num acompanhador; «ser um cristão fiel
comprometido na Igreja e no mundo; uma tensão contínua para a santidade; não
julgar, mas cuidar; escutar ativamente as necessidades dos jovens; responder
com gentileza; conhecer-se; saber reconhecer os seus limites; conhecer as
alegrias e as tribulações da vida espiritual. Uma qualidade de primária
grandeza é saber reconhecer-se humano e capaz de cometer erros: não perfeitos,
mas pecadores perdoados» (246). Devem saber «caminhar juntos» aos jovens
respeitando a sua liberdade.
Oitavo capítulo:
«A vocação»
«O ponto
fundamental é discernir e descobrir que aquilo que Jesus quer de cada jovem é,
antes de tudo, a sua amizade» (250). A vocação missionária tem a ver com o
nosso serviço aos outros. «Com efeito, a nossa vida na terra atinge a sua
plenitude, quando se transforma em oferta» (254).«Para realizar a própria
vocação, é necessário desenvolver-se, fazer germinar e crescer tudo aquilo que
uma pessoa é. Não se trata de inventar-se, criar-se a si mesmo do nada, mas
descobrir-se a si mesmo à luz de Deus e fazer florescer o próprio ser» (257). E este
“ser para os outros” na vida de cada jovem está relacionado com duas questões
fundamentais: a formação duma nova família e o trabalho» (258).
No que diz
respeito ao «amor e à família», o Papa escreve que os «jovens sentem
fortemente a chamada ao amor e sonham encontrar a pessoa certa com quem formar
uma família» (259), e o sacramento do matrimónio «corrobora este amor com a
graça de Deus, arraigando-o no próprio Deus» (260). Deus nos criou sexuados.
Ele próprio criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso e portanto, sem
tabus. É um dom que o Senhor nos dá. «E fá-lo com dois propósitos: amar-se e
gerar vida. É uma paixão…O verdadeiro amor é apaixonado» (261). Francisco
observa que «o aumento de separações, divórcios…pode causar grandes sofrimentos
e crises de identidade nos jovens. Por vezes, têm de assumir responsabilidades
desproporcionadas para a sua idade» (262). Apesar de todas as dificuldades, «Quero
dizer-vos…que vale a pena apostar na família e que nela encontrareis os
melhores estímulos para amadurecer e as mais belas alegrias para partilhar. Não
deixeis que vos roubem a possibilidade de amar a sério» (263). «Julgar que nada
pode ser definitivo é um engano e uma mentira...peço-vos para serdes
revolucionários, peço-vos para irdes contracorrente» (264).
No que diz
respeito ao trabalho, o Papa escreve: «Peço aos jovens que não esperem viver
sem trabalhar, dependendo da ajuda doutros. Isto não faz bem, porque «o
trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho
de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal. Neste sentido,
ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar
emergências» (269). E depois de notar como no mundo do trabalho os jovens
experimentam formas de exclusão e marginalização (270), afirma a propósito do
desemprego juvenil: «É uma questão…que a política deve considerar como
prioritária, sobretudo hoje que a velocidade dos avanços tecnológicos, aliada à
obsessão de reduzir os custos laborais, pode levar rapidamente à substituição
de inúmeros postos de trabalho por máquinas» (271). E aos jovens diz: «É
verdade que não podes viver sem trabalhar e que, às vezes, tens de aceitar o
que encontras, mas nunca renuncies aos teus sonhos, nunca enterres
definitivamente uma vocação, nunca te dês por vencido» (272).
Francisco
conclui este capítulo falando das "vocações a uma consagração especial".
«No discernimento duma vocação, não se deve excluir a possibilidade de
consagrar-se a Deus…Porquê excluí-lo? Podes ter a certeza de que, se
reconheceres uma chamada de Deus e a seguires, será isso que dará plenitude à
tua vida» (276).
Nono capítulo:
«O discernimento»
O Papa recorda
que «sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em
marionetes à mercê das tendências da ocasião» (279). «Uma expressão do
discernimento é o esforço por reconhecer a própria vocação. É uma tarefa que
requer espaços de solidão e silêncio, porque se trata duma decisão muito
pessoal que mais ninguém pode tomar no nosso lugar» (283). «O dom da vocação
será, sem dúvida, um dom exigente. Os dons de Deus são interativos e, para os
desfrutar, é preciso pôr-me em campo, arriscar» (289).
A quem ajuda os
jovens no discernimento pedem-se três sensibilidades. A primeira é a
atenção à persona: «trata-se de escutar o outro, que se nos dá com as suas
palavras» (292). A segunda consiste no discernir, isto é «trata-se de
individuar o ponto certo onde se discerne o que é a graça e o que é tentação»(293). A
terceira consiste em «escutar os impulsos “para diante” que o outro
experimenta. É a escuta profunda do ponto «para onde o outro quer
verdadeiramente ir» (294).Quando alguém escuta a outro desta maneira, «a dado
momento deve desaparecer para o deixar seguir o caminho que ele descobriu.
Desaparecer como desaparece o Senhor da vista dos seus discípulos» (296).
Devemos «suscitar e acompanhar processos, não impor percursos. Trata-se de
processos de pessoas, que sempre são únicas e livres. Por isso é difícil
elaborar receituários» (297).
A exortação se
conclui com «um desejo» do Papa Francisco: «Queridos jovens, ficarei
feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi atraídos
por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos
na carne do irmão que sofre… A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas
intuições, da vossa fé...E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende
a paciência de esperar por nós» (299).
.................................................................................................................................................
Fonte: vaticannews.va
Nenhum comentário:
Postar um comentário