O dom do dom
A hermenêutica do dom concerne toda
a realidade da pessoa. Não podemos compreender e afirmar a pessoa prescindindo
da lei do dom.
Dom Jacinto Bergmann |
A sociedade, na qual a lei do dom é
enfraquecida, ela se torna uma sociedade desumana. Em geral podemos dizer que a
vida social do gênero humano é organizada segundo duas leis fundamentais: a lei
do mercado e a lei do dom.
Segundo a lei do mercado, um deve
pagar o preço estabelecido para os bens e os serviços que necessita. A troca
dos bens que se chama “livre mercado” se apoia sob essa lei. Quando vou para um
“negócio”, não posso pretender que as coisas me sejam dadas gratuitamente; devo
pagar o seu equivalente estipulado pelo vendedor.
Ao contrário, na vida humana
existem bens que pela sua natureza não podem ser nem vendidos nem comprados.
Tais bens podem ser somente dados gratuitamente
O primeiro desses bens é a própria
pessoa humana. A pretensão de vender ou comprar a pessoa humana (infelizmente
realizada na história) está em direta contradição com aquilo que cada
pessoa é: “Imagem e semelhança de Deus”. À pessoa são constitutivas
as estruturas de auto possessão e autodeterminação. Justamente por causa dessa
sua estrutura ôntica, somente a pessoa interessada pode doar a si mesma
enquanto ela não pode ser dada e nem tampouco vendida por nenhum outro. O mesmo
se refere ao corpo humano enquanto sinal da pessoa humana – não é lícito vender
ou comprar o corpo da pessoa, porque isso significaria vender ou comprar a
própria pessoa.
Outro dom que se rege pela lei do
dom é o amor. Isso pela sua própria natureza que é sempre doação. A pretensão
de comprar ou vender o amor destrói o próprio amor. Não é mais amor o que se
vende ou se compra, mas um simulacro. O amor pode ser somente doado
gratuitamente.
A lei do dom pertence ao núcleo
do ethos humano. Ela nos defende diante da ameaça, sempre presente na
história do homem, de ser reduzido ao estatuto das coisas – ou ao estatuto dos
bens que são submetidos à lei do mercado. A consciência moral defende o homem
diante de tal perigo. Trata-se não somente de não abaixar os outros ao nível
das coisas, mas também de não aceitar de ser abaixado a tal nível. Isso porque
deve ser respeitada a dignidade da pessoa em cada homem e mulher e isso
significa que a devo respeitar também em mim, na pessoa que sou eu.
Tudo isso deixa claro o sentido
metafísico do dom, que consiste no doar a existência por parte daquele que é o
Absoluto da existência. Visto por essa perspectiva, o próprio homem aparece
como dom. Cada pessoa humana é confiável a si mesma como dom. O mais profundo
sentido do ethos da pessoa consiste em aceitar o dom, em responder ao
dom com a mesma linguagem do doar a si mesma.
E pela análise filosófica é nos
revelada a estrutura por excelência do dom: a estrutura pessoal. Nela podemos
distinguir o seu sujeito (que se doa), o seu objeto (a quem é dado o dom) e a
relação que o dom estabelece entre o sujeito e o objeto. O sujeito, o objeto e
a relação é a pessoa. Somente ela é capaz de compreender e viver o sentido da
lei do dom: ato de doar e de responder adequadamente ao dom. E assim, é o dom
que estabelece uma relação interpessoal, que se caracteriza pela gratuidade,
pela liberdade, pela definitividade, pela totalidade, pela reciprocidade, pela
dialética. Essa é a gramática da linguagem do dom.
É mais que urgente e decididamente
necessário a humanidade avivar a lei do dom. Precisamos cultivar o nosso dom do
dom.
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