Sábado Santo, o dia do grande silêncio
O Sábado Santo marca o intervalo entre a
dor pela morte de Jesus e a alegria de sua ressurreição. Nesse dia, os fiéis
são convidados a refletir e esperar, seguindo o exemplo de Maria, a mãe de
Jesus, enquanto também recordam a perplexidade dos apóstolos diante da morte de
Cristo. Os protagonistas são o silêncio, a introspecção e a meditação.
Papa Francisco na Vigília Pascal de 2023, na Basílica de São Pedro (Vatican Media) |
O Sábado Santo, definido pelos padres da
Igreja como "o mais longo dos dias", nos convida a uma espera
silenciosa, para reviver a consternação dos apóstolos após a morte de Jesus. A
reforma litúrgica de Pio XII "restaurou" o Sábado Santo como dia de
silêncio e espera, no qual todo cristão, ainda hoje, medita sobre a morte de
Jesus e sobre o inevitável fim da vida terrena. Neste dia, a fé é posta à
prova, pois o Messias está morto e ninguém sabe o que irá acontecer; só podemos
viver na expectativa de que o vazio que se sente seja preenchido.
Cristo está agindo
Apesar do aparente silêncio, Cristo está
agindo. Segundo uma antiga tradição, de fato, neste dia Jesus desce à mansão
dos mortos, nas profundezas do reino da morte, para salvar o homem e levá-lo
consigo para o céu, onde nos precede e nos espera de braços abertos. Lá,
encontra Adão, o primeiro homem que aqui simboliza toda a humanidade, o sacode,
o desperta e lhe dá o anúncio da salvação do qual ninguém está excluído,
colocando de fato uma ponte entre o sepulcro e o Reino de Deus. Jesus carrega a
arma infalível da Cruz, porque "com a morte vence a morte".
O padre Diogo Shishito, da Diocese de Mogi das Cruzes - SP, doutorando em Liturgia na Universidade Sant'Anselmo em Roma, nos auxilia a refletir sobre o significado da espera silenciosa à qual somos convidados a viver.
"O que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos."
Assim começa uma homilia do século IV que a
Igreja retoma no Ofício das Leituras em cada Sábado Santo e da qual nasce o
costume de chamar esse dia como o “Dia do Grande Silêncio”. De fato, diante do
Mistério Pascal de Jesus, o silenciar parece ser natural para a nossa pequenez
humana, uma vez que não se encontram palavras para expressar o misto de
surpresa e gratidão que move interiormente quem se coloca diante de tamanha
Graça.
O Silêncio é o lugar da ação do Espírito
Santo
O silêncio parece apresentar-se como único
caminho para aqueles que são inundados de um amor sem igual manifestado na
entrega sem reservas do Deus feito homem que, ao dar seu último suspiro no alto
da cruz, rasgou de cima abaixo o véu que separava a habitação divina da sua
criatura predileta. É o silêncio de quem faz espaço para acolher algo de novo e
nunca antes presenciado no tempo. O silêncio de quem, admirado, não encontra no
elenco das reações uma atividade capaz de responder ao que se apresenta diante
de seus olhos. Mas o silêncio, diferentemente do que muitas vezes se pensa, não
é vazio.
No silêncio se encontra aquele espaço
necessário entre uma ação e outra que nos permite comunicar a multiforme
expressão de vida presente em cada um de nós. O silêncio é a pausa sem a qual a
comunicação não seria possível, pois é ela que separa as palavras e dá clareza
ao discurso. Só com o silêncio se pode passar de um conceito a outro, de uma
ideia à outra. O grande silêncio desse dia faz passar da morte à Vida, do tempo
à eternidade. Por isso podemos dizer que o Silêncio é o lugar da ação do
Espírito Santo. Quando o Verbo cala, o Espírito trabalha no germinar de uma
realidade nova.
Fé e expectativa
No alto da Cruz, com o calar-se do Verbo divino, a Palavra Eterna transformou-se em silêncio, produzindo na humanidade um sentimento de expectativa… Uma espera que brota da fé, que nasce da confiança sem reservas na promessa feita pelo próprio Senhor de que estaria conosco sempre. Para os Discípulos, que não sabiam como seriam as coisas depois da cruz e não imaginavam que a ressurreição se daria, esse silêncio certamente produziu dúvidas e medos, mas também é certo que, assim como quando um discurso é interrompido, fica a expectativa de como seria sua continuidade, no coração de cada um deles brotava também a esperança de que o Senhor, de algum modo, daria sentido àquilo que eles não conseguiam entender ainda.
Mulheres portadoras de mirra no sepulcro de
Cristo, 1200-1210
Esperar com Maria
Olhando para Maria, que sabia com clareza
que Jesus é o Filho de Deus, podemos pensar que o silêncio que brota da morte
do Senhor tenha levado seu pensamento à doce espera da sua chegada, àquele
silêncio de contemplação da surpreendente ação divina que realiza o que aos
critérios humanos parecia impossível, de maneira que aquele silêncio se
tornasse mais uma vez um ato de espera do próximo passo na história da
Salvação. Para a Igreja, no entanto, esse silêncio é memorial da nossa fé, é a
ação que reconhece a grandeza do mistério pascal de Cristo e abre espaço para o
agir transformador de Deus que faz germinar, a partir dos nossos limites, o
amor gerador de uma nova realidade. O amor verdadeiro daquele que nos amou até
o fim e que manifestou a sua graça à humanidade quando estava ainda imersa no
pecado.
O Senhor venceu a morte
De fato, por suas qualidades, uma pessoa
pode ser admirada, mas só pelas suas limitações que pode ser acolhida e amada.
É fácil acolher alguém quando tudo vai de acordo com o que nos agrada; somente
quando o outro se mostra diferente do que gostaríamos é que a acolhida de suas
inconstâncias se torna amor. Imbuídos da certeza da ressurreição, cada um de
nós é chamado, através do silêncio, a abrir espaço para que o Senhor transforme
em nosso interior as situações de morte fazendo brotar a vida nova e eterna que
é Dele e da qual podemos participar pela sua misericórdia.
Peçamos então que o nosso silenciar possa
de verdade dar espaço à ação silenciosa do Espírito Santo, que revigora em nós
a graça dos que têm a vida escondida com Cristo em Deus e que o ressoar do
esperado Aleluia dessa noite santa renove em nosso interior a força de ser no
mundo uma voz que proclama o centro da nossa fé: o Senhor venceu a morte e está
vivo no meio de nós.
Thulio Fonseca - Vatican News
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