Emaús, a “avenida” que andamos percorrendo
Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras? (Lc 24,32)
A
Igreja não comemora a Ressurreição do Senhor apenas no domingo de Páscoa.
Durante todo o tempo pascal vamos aprofundando nosso conhecimento do
Ressuscitado e de sua ação em nosso meio. Neste domingo, diante de nós,
dois personagens, conhecidos como os discípulos de Emaús. Um
deles chamava-se Cléofas. Do outro nem o nome sabemos. Na caminhada que
empreendem encontram um peregrino misterioso que haveria de os cativar.
Naquele momento chegava de tristeza. Nada de dar as costas a
Jerusalém.
“A fé em Cristo ressuscitado não nasce em nós de maneira automática e segura. Ela vai despertando em nosso coração de maneira frágil e humilde. No começo é quase só um desejo. Geralmente cresce rodeada de dúvidas e questionamentos (…). Crer no Ressuscitado não é questão de um dia. É um processo que pode durar anos. O importante é nossa atitude interior. Confiar sempre em Jesus. Reservar-lhe muito mais lugar em cada um de nós e em nossas comunidades cristãs” (Pagola, Lucas, p. 366).
Passados os dias da paixão e o
sepultamento de Jesus os discípulos entraram numa nuvem escura. Penetram
na noite da dúvida. Teria sido tudo um sonho? Teriam se enganado com
aquele que lhes havia falado com tanta veemência da vida? Agora estava
morto. Com ele os discípulos sepultaram esperanças e sonhos. Cléofas e
seu companheiro deram as costas a Jerusalém, cabisbaixos, caminhando na direção
de Emaús. Emaús passou a ser um nome mágico sinônimo de comunhão,
intimidade, beleza e contemplação. Muitas casas de retiro e de
revigoramento espiritual são designadas de Emáus.
Os dois caminhavam com
tristeza. Esse Jesus que havia suscitado tanto entusiasmo, alento,
esperança morrera no alto da cruz. Quantas punhaladas do coração? Era
melhor fugir.
Um peregrino misterioso, porém, se
associa ao caminhar do dois. Fala-lhes das Escrituras com paixão e
convicção. Procura lembrar aos dois passagens que falavam do Messias, palavras
de confiança e de esperança. Promessas feitas aos pais da fé, de modo
especial a Abraão… Lembra-lhes, afinal de contas, sua falta de fé. Aos
poucos, o coração dos dois começa a arder. Um fogo, um ardor, uma ponta de
esperança.
O que valeu para eles, vale para nós. Se em
nossa caminhada nos reunimos para recordar Jesus, escutar sua
mensagem, conhecer sua ação profética, meditar sua entrega, sua
crucifixão, se percebemos que as palavras de Jesus nos comovem então nosso
coração começa a arder. Em nosso grupo, ele caminha conosco. Ontem
como hoje, trata-se de conviver com as Escrituras. Ele como que salta das
páginas. Será fundamental não alimentar cegueira e surdez.
O peregrino ameaça ir adiante. Os
discípulos pedem que entre na pousada de Emaús. “A cena é simples e
afetuosa. Uns viajantes, cansados de seu longo caminhar, sentam-se como
amigos para compartilhar a mesma experiência. É então que Jesus repete
exatamente os quatro gestos que, de acordo com a tradição,
havia feito na ceia de despedida: Tomou o pão, pronunciou a bênção, o
partiu e deu a eles. Nos discípulos desperta a fé: Seus olhos
se abriram e o reconheceram. Descobrem a Jesus como alguém que alimenta
suas vidas, os sustenta no cansaço e os fortalece no caminho” (Pagola,
Grupos de Jesus, p. 308).
Felizes, transformados, sem sinais de
cansaço, quase correndo os dois voltam a Jerusalém na pressa de anunciar
aos outros a boa nova: Jesus os havia nutrido com seu pão e eles o
reconheceram de modo especial, na fração do pão.
Concluindo:
“Não basta celebrar missas nem ler trechos
bíblicos de qualquer maneira. O relato de Emaús fala de duas experiências
básicas. Os discípulos não leem um texto, ouvem a voz inconfundível de Jesus,
que faz arder seu coração. Não celebram uma liturgia, sentam-se como
amigos à mesma mesa e descobrem juntos que é o próprio Jesus que os
alimenta. Para que continuar a fazer as coisas de uma maneira que não
transforma? Não precisamos antes de mais nada, de um contato mais real
com Jesus? De uma nova simplicidade? De uma fé diferente? Não
precisamos aprender a viver com mais verdade e a partir de uma dimensão
nova? Se Jesus desaparece de nosso coração, todo o resto é inútil”
(Pagola, Lucas, p.361-362).
Emaús é um pedaço de nossa aventura humana e cristã. Quando deixamos que a Palavra nos perpasse e quando alimentamo-nos com o Pão da vida temos a certeza da presença entre nós daquele que deixou vazio o sepulcro da morte. Fazemos nossa a memória da Igreja que conservou nela, no âmbito da fé, a Ressurreição do Senhor.
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Para reflexão
A presença do Ressuscitado é
invisível e silenciosa. Torna-se visível no rosto de um
desconhecido, de um peregrino que se torna companheiro improvisado de
caminho, e fala através das palavras da Escritura. A Bíblia e o outro
homem, a Palavra de Deus contida nas Escrituras e o rosto do outro,
sobretudo do estranho e do pobre, são lugares por excelência em que a presença
do Ressuscitado pode encontrar-nos, recordando-nos o mandamento
evangélico: ama Deus e o teu próximo.
Luciano Manicardi
Oração
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