as nossas feridas podem tornar-se
fontes de esperança
Na catequese da Audiência Geral desta
quarta-feira da Semana Santa, Francisco falou que Jesus na cruz transforma a
dor em amor: precisamos de simplicidade, para redescobrir o valor da
sobriedade, despojando a alma do supérfluo que a oprime.
Na catequese da Audiência Geral, desta quarta-feira (05/04), realizada na Praça São Pedro, o Papa Francisco recordou que no Domingo de Ramos, ouvimos na liturgia a Paixão do Senhor que termina com as seguintes palavras: «Selaram a pedra».
"Tudo parece ter acabado. Para os
discípulos de Jesus, aquela pedra marca o fim da esperança. O Mestre
foi crucificado, morto da maneira mais cruel e humilhante, pendurado num
patíbulo infame fora da cidade: um fracasso público, o pior final
possível", frisou o Papa.
Na cruz um novo início
Pois bem, aquele desânimo que oprimia os
discípulos não nos é totalmente estranho hoje. Também em nós se adensam
pensamentos obscuros e sentimentos de frustração: por que tanta indiferença em
relação a Deus? Por que tanto mal no mundo? Por que as desigualdades continuam
aumentando e não chega a paz tão almejada? Por que somos tão apegados à guerra,
a fazer o mal uns aos outros? No coração de cada um, quantas expectativas
desvanecidas, quantas desilusões! E ainda aquela sensação de que os tempos
passados eram melhores e de que no mundo, talvez até na Igreja, as coisas não
são como outrora. Em síntese, também hoje a esperança parece às vezes selada
sob a pedra da desconfiança.
"Na mente dos discípulos permanecia
fixa uma imagem: a cruz. Ali estava concentrado o fim de tudo. Mas pouco
tempo depois descobririam na própria cruz um novo início."
“Do mais terrível instrumento de tortura,
Deus obteve o maior sinal do amor.”
"Aquele madeiro de morte, transformado
em árvore de vida, nos lembra que os inícios de Deus começam muitas vezes a
partir dos nossos fins: é assim que Ele gosta de fazer maravilhas",
sublinhou Francisco.
É preciso um pouco de esperança
A seguir, o Papa convidou a olhar "para
a árvore da cruz, para que em nós brote a esperança: aquela virtude quotidiana,
aquela virtude silenciosa, humilde, mas aquela virtude que nos mantém de pé,
que nos ajuda a ir em frente. Sem esperança não se pode viver. Pensemos: onde
está a minha esperança?" "Hoje, olhemos para a árvore da cruz para
que brote em nós a esperança: para sermos curados da tristeza – mas, quantas
pessoas tristes", disse ele.
"Quando eu podia caminhar pelas ruas,
agora não posso porque não me deixam, gostava de observar o olhar das pessoas.
Quantos olhares tristes! Pessoas tristes, pessoas que falavam sozinhas, pessoas
que andavam só com o celular, mas sem paz, sem esperança. E onde está a sua
esperança hoje? É preciso um pouco de esperança para sermos curados da
tristeza que nos adoece: há tanta tristeza; para sermos curados da amargura com
que poluímos a Igreja e o mundo", disse ainda o Papa.
Libertar-se da convivência pacífica com as
nossas falsidades
Olhando para o Crucifixo, vemos "Jesus
despojado, ferido, Jesus atormentado. É o fim de tudo? Ali há esperança",
sublinhou o Pontífice, acrescentando:
Com efeito, nós temos dificuldade em
despojar-nos, em fazer a verdade; revestimo-nos de exterioridade, que
procuramos e cuidamos, de máscaras para nos disfarçarmos e nos mostrarmos
melhores do que somos. Pensamos que o importante é ostentar, de tal modo que os
outros falem bem de nós. E adornamo-nos de aparências, de coisas supérfluas;
mas assim não encontramos a paz. Depois, a maquiagem vai embora e você se olha
no espelho com aquela cara feia que você tem, mas verdadeira, aquela que Deus
ama, não a maquiada, não. J
“Jesus despojado de tudo nos lembra que a
esperança renasce fazendo a verdade sobre nós mesmos, dizendo a verdade a si
mesmo, abandonando as ambiguidades, libertando-nos da convivência pacífica com
as nossas falsidades. Às vezes, estamos tão acostumados a nos dizer falsidades
que convivemos com as falsidades como se fossem verdades e acabamos envenenados
por nossas falsidades.”
Olhar para o guarda-roupa da alma
Segundo Francisco, "é necessário
regressar ao coração, ao essencial, a uma vida simples, despojada de tantas
coisas inúteis, que substituem a esperança". A seguir, o Papa disse que
nesta Semana Santa é bom olharmos o nosso guarda-roupa e nos despojarmos das
coisas que temos, que não usamos, "coisas desnecessárias". "Nós
também temos muitas coisas inúteis dentro de nossos corações – e fora também.
Olhe para o seu guarda-roupa: olhe para ele. Isso é útil, aquilo é inútil, e
faça uma limpeza. Olhe para o guarda-roupa da alma: quantas coisas inúteis você
tem, quantas ilusões estúpidas. Voltemos à simplicidade, às coisas reais que
não precisam de maquiagem", disse o Papa.
As nossas feridas podem tornar-se fontes de
esperança
Olhemos agora a Jesus ferido. "A
cruz mostra os pregos que lhe furam as mãos e os pés, o lado aberto. Mas às
feridas do corpo acrescentam-se as da alma. Jesus está sozinho: traído,
entregue e renegado pelos seus, condenado pelo poder religioso e civil,
experimenta até o abandono de Deus."
"Também nós estamos feridos: quem não
o está na vida? Quem não carrega as cicatrizes de escolhas passadas, de
incompreensões, de dores que permanecem dentro e são difíceis de superar? Mas
também de injustiças sofridas, de palavras cortantes, de juízos inclementes?",
perguntou Francisco. "Deus não esconde aos nossos olhos as feridas que lhe
trespassaram o corpo e a alma. Mostra-as para nos indicar que na Páscoa se
pode abrir uma nova passagem: fazer das próprias feridas furos de luz.
Como Jesus, que na cruz não recrimina, mas ama. Ama e perdoa quantos o ferem.
Assim converte o mal em bem, assim transforma a dor em amor", sublinhou.
Irmãos e irmãs, a questão não é ser ferido
pouco ou muito pela vida, mas a questão é o que fazer com estas feridas. Posso
deixá-las infectar no rancor e na tristeza, ou posso uni-las às de Jesus, a fim
de que também as minhas chagas se tornem luminosas.
“Pensem em quantos jovens que não toleram
as suas feridas e procuram no suicídio uma via de salvação: hoje, em nossas
cidades, muitos jovens que não veem saída, que não têm esperança e preferem ir
adiante com as drogas, com o esquecimento... coitados! Pensem nisso. E você,
qual é a sua droga, para cobrir as feridas?”
As nossas feridas podem tornar-se fontes de
esperança quando, em vez de nos comiserarmos, enxugamos as lágrimas dos outros;
quando, em vez de ter ressentimento pelo que nos é tirado, cuidamos do que
falta aos outros; quando, em vez de nos inquietarmos, nos debruçamos sobre
quantos sofrem; quando, em vez de ter sede de amor por nós mesmos, saciamos a
sede de quem precisa de nós.
O Papa concluiu, dizendo que "só nos
reencontraremos, se deixarmos de pensar em nós mesmos. É agindo assim - diz a
Escritura - que a nossa ferida em breve cicatrizará, e a esperança voltará a
florescer".
Vatican News - Mariangela Jaguraba
Nenhum comentário:
Postar um comentário