Amizade e sexualidade
A Campanha da Fraternidade deste ano que
tem como tema a amizade social, nos estimula a refleti-la em muitas direções e
a aprofundá-la em várias dimensões. Uma delas é a relação entre amizade e
sexualidade. A relação entre afetividade e sexualidade são inseparáveis!
Todavia, para que não haja confusão, é necessário um devido esclarecimento do
conceito de sexualidade que, lamentavelmente, hoje na cultura contemporânea é
confundida com sexo, mas não é isso!
O Frei Antônio Moser (In memoriam) foi
muito feliz em sua obra “O enigma da esfinge. A sexualidade” (Editora Vozes,
2001) quando apresentou a beleza, riqueza, dinamismos, vastos horizontes e as
implicâncias da sexualidade humana à luz da fé cristã. A sexualidade não se
confunde com o sexo; mas trata-se de um conjunto de fatores físicos,
biológicos, psicológicos, emocionais, afetivos que constituem a identidade de
uma pessoa.
Temos consciência da nossa identidade, ou
seja, consciência do ser pessoa, a partir da nossa sexualidade, por isso somos
capazes de nos declarar “homem ou mulher” e, a partir dessa autopercepção, vem
o dinamismo de masculinidade e feminilidade. A sexualidade é fator de
socialização e também define o perfil da nossa relação com os outros.
1. Deus nos criou homem e mulher
Apelar para o livro do Gênesis é reconhecer
a sexualidade como dom de Deus, ou seja, é uma realidade que não depende
simplesmente da vontade da pessoa, nem de fatores hereditários e nem dos
condicionamentos da cultura em que vive. Esse fato marca profundamente todos os
níveis de relações que cada um tem: consigo mesmo, com o outro, com os outros,
com a família, com a sociedade, com a natureza e com Deus. Isso significa que o
modo de relacionamento de um homem é diferente do modo como a mulher se
relaciona com essas realidades. Portanto, afetividade e sexualidade se
complementam e estão numa profunda interrelação.
O magistério da Igreja ensina que é
inaceitável a teoria de gênero que «propõe uma sociedade sem diferenças de sexo
e esvazia a base antropológica da família» (Francisco, Amoris Laetitia, 56, ano
2016). “Devem-se rejeitar todas aquelas tentativas de obscurecer a referência à
insuprimível diferença sexual entre homem e mulher” (Dicastério para a Doutrina
da fé. Declaração Dignitas infinita sobre a dignidade humana, 59, ano 2024).
A sexualidade é uma fonte de comunicação da
nossa identidade. Através do corpo e sua corporeidade (ou seja, da sua
expressividade ou dinamismo), a pessoa se autorrevela manifestando-se com seus
sentimentos, forma de pensar e agir. Afetividade e sexualidade se expressam
através de gestos e atitudes, como, o modo de falar, a sensibilidade, as
preferências, a forma de expressar afeto aos outros e de gerir as emoções.
A sexualidade e afetividade nos
proporcionam a experiência da atração, do enamoramento, da paixão e do encanto
por alguém; mas pode ser também a uma causa que a tudo transcende. Nas nossas
opções há sempre uma enorme carga afetiva e sexual porque a fazemos a partir da
nossa consciência de gênero. A sexualidade e afetividade colaboram para a
experiência da transcendência da pessoa, ou seja, a sua entrega, dedicação,
vivência da gratuidade por uma causa que a estimula à doação generosa e ao
sacrifício.
2. A amizade é diferenciada pela sexualidade
É evidente que homem e mulher se expressem
de modo diferentes e, assim também, as manifestações de seus afetos e a
qualidade de relacionamento com os outros são desiguais. Quando dizemos que na
amizade, devemos tratar todos da mesma forma, estamos cometendo um equívoco e,
do mesmo modo, uma injustiça. A experiência de amizade não pode ser
padronizada. Cada um deve ser tratado a partir da sua singularidade, é uma
questão de justiça.
Na verdade, o homem deve ser tratado como
homem e a mulher como tal ou como se sente. Só é possível uma relação de
amizade se houver respeito para com a identidade do outro. Os amigos homens
entre si naturalmente se tratam diferente, de como as amigas mulheres se
tratam. Um homem não deve tratar sua amiga da mesma forma como trata o seu
amigo. Tanto para o homem como para uma mulher há uma singularidade,
individualidade, subjetividade e consciência a ser respeitada e tratada como
convém.
Um dos fatores mais significativos para o
bom êxito da experiência de amizade entre homem e mulher, é o conhecimento do dinamismo
da sexualidade masculina e feminina. Muitas vezes, a ignorância do homem a
respeito do dinamismo psicossexual e afetivo feminino, gera muitas formas de
violência sobre a mulher. Mas da mesma forma a mulher erra, quando no seu
relacionamento com o homem, não considera a sua masculinidade.
Lamentavelmente na cultura popular, há a
ideia de que não é possível a amizade entre homem e mulher. Essa tese revela o
quanto é forte o pensamento machista e denuncia o império da libido masculina
como se não houvesse outra possibilidade de relação entre homem e mulher fora
da dimensão genital.
Recordemos que a condição fundamental para
a existência da amizade é a maturidade humana; sem formação humana e senso de
respeito para com o outro não haverá condições de amizade para ninguém
independente da questão sexual. Sem formação humana acabamos por ser devorados
por nossos instintos e, na relação com o outros vai imperar a agressividade ou
a pura passividade, um sendo objeto de manipulação do outro. Mas na relação verdadeiramente
amistosa há acolhida, reciprocidade, respeito, solidariedade, senso de cuidado,
responsabilidade para com o outro. Na verdade, a experiência da autêntica
relação de amizade entre homem e mulher é profundamente enriquecedora para
ambos. Todavia, sempre vai exigir deles o equilíbrio necessário para que
ninguém ultrapasse os parâmetros definidos reciprocamente.
3. Desvios afetivos e sexuais
No comportamento humano há muitas
variantes, mas quando uma pessoa vive uma experiência de desequilíbrio afetivo
e sexual acaba assumindo um comportamento moralmente desviante e até criminoso.
Na dimensão sexual há uma grande variedade de transtornos e de comportamentos
doentios que negam por completo a saúde psicoafetiva e sexual da pessoa
envolvida. A título de exemplificação recordemos alguns desses fenômenos. Todos
eles têm uma profunda relação entre afetividade e sexualidade que nega por
completo o que significa amizade.
O machismo e o feminismo, ambos negam o
sereno diálogo e a complementaridade entre homem e mulher. A frigidez afetiva é
a atitude de frieza na relação com os outros beirando à indiferença; esse
comportamento suprime a natural atração entre ambos os sexos. A racionalização
é o comportamento desviante que diz respeito à mania amedrontada de sempre
justificar os próprios relacionamentos, manifestando-se como sinal de
fragilidade da própria liberdade; outro fenômeno é o exibicionismo que revela
narcisismo; é a atitude de querer sempre se mostrar realçando suas qualidades e
méritos que pensa ter.
O vício pornográfico é um comportamento
obsessivo por imagens de nudez (masculina ou feminina) que leva a pessoa a
desviar-se do encontro com um sujeito concreto fazendo-se escrava da sua
fantasia. Próxima à pornografia está o voyeurismo, mas este consiste na atitude
de invasão à privacidade alheia em seus gestos ou hábitos de intimidade. Hoje
esse crime ganhou até a ajuda da tecnologia através de câmeras espiãs e até
drones.
Muito grave e criminosa é a pedofilia.
Trata-se de um comportamento sexualmente doentio que atenta contra a dignidade
da criança; é uma relação de total imaturidade e por isso, marcada pela
dominação, exploração e violência; o pedófilo revela-se incapaz de
relacionamento saudável e harmonioso com os adultos. O fetichismo é o
transtorno psicoafetivo e sexual que leva a pessoa buscar estímulo sexual e
prazer na relação com as coisas como roupas, calçados etc de pessoas de outro
sexo; nesse mesmo horizonte está a zoofilia que é a tração e o envolvimento
sexual de pessoas com animais.
Outro sério fenômeno de desequilíbrio entre
afetividade e sexualidade é a importunação sexual, ou frotteurismo, gesto de se
estimular sexualmente tocando no outro sem o seu consentimento. Enfim, outra
forma de desequilíbrio entre afetividade e sexualidade é a experiência da
masturbação compulsiva. Trata-se da obsessão pelo prazer sexual solitário
revelando um comportamento de fragilidade da pessoa na gestão dos seus impulsos
e recursos podendo ocasionar a perda da liberdade e da capacidade
relacionamentos serenos e maduros. Todos esses fenômenos atentam contra
dignidade da afetividade e da sexualidade humana.
Para a reflexão pessoal:
1. Por que não podemos tratar a todos do
mesmo modo?
2. Por que dizem que é impossível a Amizade entre homem e mulher?
3. Quais outros desvios afetivos e sexuais você conhece?
Dom Antônio de Assis - Bispo auxiliar de Belém (PA)
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