Francisco recebeu em audiência os
embaixadores acreditados junto à Santa Sé e alertou para "a terceira
guerra mundial em pedaços", que está se tornando um verdadeiro conflito
global.
O discurso do Papa ao corpo diplomático
acreditado junto à Santa Sé é um dos mais tradicionais e importantes do ano e
não foi diferente neste 2024. Francisco recebeu na manhã desta segunda-feira, 8
de janeiro, os embaixadores de 184 países e passou em resenha os principais
desafios da comunidade internacional. Falou de tecnologia e inteligência
artificial, migração, barrigas de aluguel, mudanças climáticas, educação,
liberdade religiosa, democracia e desigualdade. Mas o fio condutor de seu
discurso foi a paz:
“Trabalhar pela paz. Uma palavra tão frágil, que, ao mesmo tempo, se revela exigente e densa de significado. A ela quero dedicar a nossa reflexão de hoje, num momento histórico em que a mesma está cada vez mais ameaçada, fragilizada e parcialmente perdida. Aliás é dever da Santa Sé, no seio da comunidade internacional, ser voz profética e apelo à consciência.”
Francisco citou o discurso do seu
predecessor Pio XII oitenta anos atrás, perto do fim da II Guerra Mundial, em
que a humanidade sentia o impulso para uma "renovação profunda". Este
impulso, afirmou o Pontífice, parece ter-se esgotado e "terceira guerra mundial
aos pedaços" está se tornando um verdadeiro conflito global.
Papa saúda o decano do Corpo Diplomático, o embaixador de Chipre Georgios F. Poulides |
Os conflitos atuais
A primeira guerra citada pelo Papa foi
entre Israel e na Palestina. O ataque terrorista de 7 de outubro deixou todos
“chocados” e provocou uma forte resposta militar israelense em Gaza. “Repito a
minha condenação” e “renovo o meu apelo para um cessar-fogo”, disse Francisco,
apoiando a “solução de dois Estados”, e um estatuto especial, garantido
internacionalmente, para a Cidade de Jerusalém.
As guerras hodiernas, notou o Papa, não se
combatem somente entre soldados, e os civis acabam sendo envolvidos. Além
disso, a violação do o direito internacional humanitário é considerado crime de
guerra. “Se conseguíssemos fixar cada uma das vítimas nos olhos, disse,
veríamos a guerra como ela é: nada mais que uma enorme tragédia e ‘um massacre
inútil’, que fere a dignidade de toda a pessoa nesta terra.”
“Ainda que se trate de exercer o direito de autodefesa, é indispensável respeitar o uso proporcional da força.”
E se as guerras existem, devem-se também à
enorme disponibilidade de armas. “Quantas vidas se poderiam salvar com os
recursos atualmente destinados aos armamentos? Não seria melhor investi-los a
favor de uma verdadeira segurança global?”, questionou. E renovou a sua
proposta de constituir um Fundo mundial para eliminar finalmente a fome e
promover um desenvolvimento sustentável de todo o planeta. Francisco reiterou
mais uma vez “a imoralidade de fabricar e possuir armas nucleares”.
O Santo Padre então mencionou todas as
outras regiões em conflito: Ucrânia, Líbano, Síria, Miamar, Arzeibajão,
Armênia, Chifre da África, República Democrática do Congo, Venezuela e Guiana.
O continente americano e a Amazônia
Aliás, quanto ao continente americano, o
Papa manifestou sua preocupação com os fenômenos de polarização que comprometem
a harmonia social e enfraquecem as instituições democráticas, como vem
ocorrendo no Peru. E como fez em sua mensagem em 1º de janeiro, mencionou a
Nicarágua, onde uma crise provoca “amargas consequências” para toda a sociedade
e para a Igreja Católica. “A Santa Sé não cessa de convidar a um diálogo
diplomático respeitoso pelo bem dos católicos e de toda a população.
Também causam guerras a fome, a exploração
dos recursos naturais e a exploração das pessoas, assim como as catástrofes
naturais e ambientais. A esse ponto, aprofundou o tema da crise climática e deu
como exemplo a desflorestação da Amazônia, o “pulmão verde” da Terra. Sobre a
COP28, realizada em Dubai, aprovou a adoção do documento final, que “constitui
um passo encorajador e revela que, perante as inúmeras crises que estamos a
viver, há a possibilidade de revitalizar o multilateralismo”.
Fome, desigualdade e desastres naturais
provocam ainda migração forçada. O deserto do Saara, as fronteiras da América
Central e do Norte e, sobretudo, o Mar Mediterrâneo, são as regiões mais
sensíveis, e muitas delas se tornaram “cemitérios”. É fácil fechar o coração,
disse o Papa, mas nenhum país pode ser deixado sozinho.
A vida e as barrigas de aluguel
O caminho da paz, acrescentou Francisco,
exige o respeito pela vida humana, a começar pela do nascituro no ventre da
mãe. O Papa definiu como “deprimente” a prática da chamada barriga de aluguel,
pedindo um esforço da comunidade internacional para proibir tal prática em
nível universal. “Um filho é sempre um dom, e nunca o objeto de um contrato”.
O caminho da paz exige ainda o respeito
pelos direitos humanos, e o Papa lamentou as tentativas para introduzir novos
direitos, como a teoria do gender. O caminho da paz passa também pelo
diálogo político e social, e mencionou as eleições em 2024 em muitos países,
enaltecendo a democracia. Outro diálogo importante é o inter-religioso.
Francisco manifestou sua preocupação com a tutela da liberdade religiosa e o
respeito das minorias. Condenou o antissemitismo e a perseguição e a
discriminação contra cerca de 360 milhões de cristãos.
O Papa recordou ainda todas as suas viagens
internacionais de 2023: República Democrática do Congo, Sudão do Sul, Hungria,
Portugal, Mongólia e Marselha. Ao falar da Jornada Mundial da Juventude,
adentrou no desafio da educação, “o principal investimento no futuro e nas
gerações jovens”. “Conservo no coração aquele encontro com mais de um milhão de
jovens, provenientes de todas as partes do mundo, cheios de entusiasmo e
vontade de viver. A sua presença foi um grande hino à paz.”
Falar de edução engloba também a utilização
ética das novas tecnologias e o perigo das fake news, motivo pelo qual
a Mensagem para o Dia Mundial da Paz foi dedicada à inteligência
artificial, “um dos desafios mais importantes dos próximos anos”.
O Jubileu e o anúncio do Reino
O Papa concluiu o seu discurso com o
Jubileu, que terá início neste Natal de 2024:
“Talvez hoje, mais do que nunca, tenhamos
necessidade do ano jubilar.” Perante tantos sofrimentos e face à obscuridade
deste mundo, “o Jubileu é o anúncio de que Deus nunca abandona o seu povo e
mantém sempre abertas as portas do seu Reino”.
“É um tempo de justiça, em que os pecados são perdoados, a reconciliação permite superar a injustiça e a terra repousa. Pode ser para todos – cristãos e não-cristãos – o tempo para quebrar as espadas e delas fazer arados; o tempo em que uma nação não mais levantará a espada contra outra nação, nem se aprenderá mais a arte da guerra (cf. Is 2, 4).”
Francisco se despediu dos embaixadores
desejando a eles e aos povos que representam “um ano feliz para todos”.
Bianca Fraccalvieri – Vatican News
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