A solenidade deste último domingo do ano
litúrgico da Igreja (26/11) nos coloca frente à realeza do Rei Jesus. Criada em
1925, pelo Papa Pio XI, essa festa litúrgica pode parecer pretensiosa e
triunfalista. Afinal, de que essa realeza se trata?
Para superar a ambiguidade que permanece,
precisamos ir além da visão do Apocalipse, cujo hino na segunda leitura canta
que “Jesus é o soberano de todos os reis da terra”. Ora, reis e rainhas não
servem de modelo para a representação gloriosa de Jesus. Mesmo que seja para
colocá-Lo acima de todos os soberanos. Riquezas, palácios, criadagem e
exércitos não são elementos que sirvam para exaltar a entrega de Jesus por nós.
Jesus está na outra margem, Ele é a antítese da realeza da riqueza e do poder.
Não é por acaso que os evangelhos da liturgia de hoje, nos ciclos litúrgicos A,
B, e C da Igreja, sempre nos colocam no contexto da Paixão de Jesus para
contemplar Sua realeza.
Quando Jesus foi rei?
Jesus foi Rei, durante Sua vida, em apenas
dois momentos: ao entrar em Jerusalém, como um Rei pobre, montado em um jumento
emprestado, e ser humilhado na Paixão, revestido com manto de ”púrpura-gozação
e capacete de espinhos”; e, Rei, ao morrer despido, com o peito transpassado na
cruz. Rei da paz e Rei do amor sem limite até a morte. A realeza de Jesus é a
realeza do Amor Ágape de Deus por toda a humanidade e por toda a criação.
Essa festa é a ocasião propícia para
podermos reconhecer, mais uma vez, que, na cruz de Jesus, o ”poder dominador”,
o ”poder opressor”, criador de desigualdades e exclusões, espalhador de
sofrimento por todos os lados, está definitivamente derrotado. Isso se deu pelo
seu modo de viver para Deus e para os outros. O fracasso na cruz é a vitória de
Jesus sobre o mal, o pecado e a morte, por meio de Sua Ressurreição.
Deus é o criador
Essa festa se torna, então, reveladora de
um tríplice fundamento para a nossa esperança de que as promessas de Deus serão
cumpridas até o fim.
O surgimento da matéria e sua evolução,
desde o big-bang ─ quando toda a energia do Universo se concentrava em um único
ponto menor do que o átomo ─ são o primeiro fundamento de nossa esperança.
Deus é criador respeitando as leis daquilo que
criou. Nós nos damos conta de que a soberania d’Ele vem se cumprindo num
Universo em expansão, uma vez que a evolução da matéria atingiu seu ponto ômega
ao dar à luz a Jesus de Nazaré, por meio de Maria, porque, n’Ele está a
Humanidade humanizada para todos os homens e mulheres, de todas as gerações.
O segundo fundamento é a pessoa de Jesus de
Nazaré. O sonho de uma humanidade humanizada ─ tornada aquilo que ela é ─ vem
expresso na primeira leitura do livro de Daniel, na figura de um Filho de Homem
─ figura antitética dos filhos de besta, filhos da truculência, dos povos
pagãos que oprimiram Israel com seus exércitos. O sonho tornou-se realidade em
Jesus Cristo. Ele nos humaniza com a Sua divindade: nunca Deus esteve tão perto
de nós, sendo um de nós e sem privilégios; mas também sem crimes nem pecados
(cf. epístola aos Hebreus). Jesus nos diviniza com a sua humanidade, tão humano
que é, que só pode vir de Deus e ser d’Ele mesmo.
O terceiro fundamento de nossa esperança é
a comunidade eclesial de fé, dos amigos e discípulos de Jesus. Olhando essa
grandeza, entendemos o sentido último de nosso batismo, pois, na realeza de
Jesus, fomos batizados para sermos reis e rainhas; no sacerdócio de Jesus, para
sermos sacerdotes e sacerdotisas; no profetismo de Jesus, para sermos profetas
e profetizas, para viver segundo o imperativo da Palavra de Deus revelada em
Seu Filho.
A soberania dessa realeza consiste no
serviço da cultura da paz e da solidariedade, da compaixão e da fraternidade. O
poder que corresponde a essa realeza é o do exercício da autoridade que serve,
para fazer o milagre da diversidade tornar-se unidade.
Os gestos de Jesus
No sacerdócio de Jesus, nos unimos à Sua
missão de gastar a vida pelos demais. Sabemos por Ele qual o modo de existir
que nos conduz à vida verdadeira; qual a religião que agrada a Deus. A
esperança posta no sacerdócio de Jesus, é também, certeza de que a vida gasta
por compaixão e solidariedade é a vida feliz e bem vivida.
Nossa esperança é profética, pois a força
da Palavra inaugura o futuro. “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia (…)”,
cantava Chico Buarque nos anos da ditadura. Era a palavra do poeta vencendo a
força bruta. Vivendo o tempo presente no coração da comunidade de fé, que é a
Igreja, sentimos que uma força maior se move em nós, nos comove para abrir-nos
em direção ao futuro, pois nossa esperança não se funda somente em Deus,
sentido radical do futuro ou, como diz o provérbio, que “o futuro a Deus
pertence”. Mas é o Senhor mesmo a quem esperamos e quem nos espera no futuro.
Isso que é ter esperança: esperar Deus mesmo!
A Festa de Cristo Rei
A festa que celebramos próximo dia 26, nos
faz contemplar a existência do universo, tão necessária para que surgisse o
grande presente de Deus, oferecido para toda a criação, que é Jesus. Dessa
forma, nossa esperança se sustenta também nos cantos dos bem-te-vis e sabiás;
nas rosas e margaridas; nas crianças e nas borboletas; nos homens e mulheres de
boa vontade; nas pedras e nos vulcões; nas nuvens, na lua e nos planetas; nas
estrelas e nas galáxias. Se existe tudo isso e não o nada, nossa esperança tem
pé, cabeça e coração.
Assim, como São Paulo, vivemos na
esperança, mas sabendo de seu tríplice fundamento: aquele da evolução do
universo, que culminou em Jesus, pelo dom de Maria; aquele que é Jesus, que,
por nós se doou na cruz, abrindo para nós um modo de viver para Deus e para os
outros, o que é verdadeira salvação; e aquele que é a Igreja, a nossa comunidade
de fé, que nos lança e sustenta na abertura radical ao futuro, esperando Deus
que vem e que nos acolhe com amor infinito, por meio do seguimento de Seu
Filho, por quem recebemos a vida e a plenitude da graça de Deus.
Padre Anderson Marçal
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