Olhos fixos nos pobres
Papa almoça com os pobres no Vaticano - Vaticannews (2018) |
Olhos fixos nos pobres é dimensão
intrínseca da fé cristã – quem fixa o olhar em Cristo, de verdade, encontra os
pobres. Um olhar que ultrapassa o sentido de uma imagem apreendida. Trata-se de
sensibilidade essencial para exercer a fé, a cidadania e celebrar, no domingo,
19 de novembro, o sétimo Dia Mundial dos Pobres, inspiradora convocação do Papa
Francisco. Especialmente neste ano, a Igreja pede a todos que acolha a
interpelação vinda do Livro de Tobias: “Nunca afastes de algum pobre o teu
olhar!”. Sábia, forte e instigante é esta interpelação da Palavra de Deus,
sublinhada pelo Papa Francisco, para inspirar e fecundar o caminho das
comunidades, na vivência autêntica e comprometida da fé em Jesus. É
tarefa missionária dos cristãos e de cada cidadão enfrentar a pobreza e as
misérias, que acentuam exclusões sociais e discriminações vergonhosas. Fixar o
olhar em Jesus e, consequentemente, nos pobres, permite amadurecer a compreensão
sobre a sacralidade de cada ser humano.
A sombra que obscurece o entendimento sobre
a condição humana precisa ser dissipada para que seja velozmente superada a
indiferença que faz desviar o olhar dos pobres. A indiferença também leva à
disseminação de discursos que são apenas ideológicos: aparentemente buscam a
defesa dos pobres, mas, na verdade, não conseguem efetivar a proximidade
solidária, promover ações concretas capazes de mudar a realidade de tantos
excluídos. O acolhimento dos pobres há de ser gesto concreto diário, com a
consciência esclarecida quanto à necessidade, sempre urgente, de se enfrentar a
pobreza nas cidades, sublinha o Papa Francisco. Celebrar o 7º Dia Mundial dos
Pobres, precedendo a festa de Cristo Rei do Universo, é poder compreender a
realeza de Cristo. Isto significa assinar o compromisso de cuidar dos pobres,
buscando reconhecer em todas as pessoas, igualmente, a dignidade
humana.
A recomendação “Nunca afastes de algum
pobre o teu olhar” remete ao alcance do testemunho cristão e cidadão. A
eloquência sapiencial deste conselho permite alcançar o sentido da cena
familiar narrada na Palavra de Deus: o pai, Tobite, se despede do filho,
Tobias, pouco antes do início de uma longa viagem. O velho pai, prevendo a
possibilidade de não mais ver o filho, confia-lhe um relevante testamento
espiritual, assentado na sua condição de pobre, já cego, testemunhando que Deus
sempre foi o seu bem. A recomendação do velho pai ao filho é mais que indicação
para ser guardada na memória, vai além de uma simples oração a Deus. O pai pede
ao filho o compromisso de viver na justiça e praticar boas obras, incluindo,
efetiva e diariamente, o cuidado dos pobres. Tobite, apesar de carregar
pesos existenciais, hospedou sempre no seu coração o compromisso de cuidar dos
pobres, dando pão aos esfomeados e vestindo os nus. Interpelante é o conselho
de Tobite ao recomendar ao filho para ir procurar o pobre e trazê-lo para que
juntos partilhem uma refeição. O Dia Mundial dos Pobres busca contribuir para
que se efetive, entre todos, a amizade social.
Os que celebram a Eucaristia são desafiados
a compreender a sua força como convocação à comunhão pelo gesto concreto de
compartilhar refeições e superar todo tipo de desperdício e ostentação, tão
comuns no estilo de vida vigente na contemporaneidade. O pobre há de se tornar
uma prioridade na vida de cada um, para acender luzes capazes de fazer os olhos
alcançarem a sabedoria alicerçada no sentido de justiça, no compromisso com a
promoção da igualdade. Mas o testemunho da caridade, muitas vezes, gera certo
incômodo, pois coloca em evidência graves problemas que ainda demandam por
respostas. Por testemunhar a caridade, Tobite perdeu tudo, por imposição do
rei. Olhar para os excluídos da sociedade requer, pois, coragem. Aqueles que
testemunham a caridade ajudam a abrir o caminho para grandes mudanças no
enfrentamento das exclusões.
Testemunhar a caridade é bem mais que
tratar os pobres apressadamente, a partir de certo comodismo, apenas para ficar
“livre” ou se sentir aliviado. Deve-se ir atrás dos mais sofridos e não
simplesmente esperar que os pobres apresentem suas necessidades. É preciso ter
coragem para buscar superar os vários tipos de pobreza, com a certeza da
recompensa amorosa de Deus. Como bem dizia São Vicente de Paulo, “Deus ama os
pobres, e ama aqueles que os amam”. Reconheça-se, assim, o artigo central da fé
cristã que aponta para este desafio: cultivar, permanentemente, solicitude
dedicada aos pobres, sem fazer distinções. É preciso ir ao encontro dos pobres
e enfrentar, de maneira cidadã, todo tipo de exclusão. O Papa Francisco, na sua
mensagem para o Dia Mundial dos Pobres deste ano, sublinha que o atual momento
histórico não favorece a atenção aos mais pobres, em razão de ser muito forte o
sonoro apelo ao próprio bem-estar, silenciando a voz dos que vivem na pobreza,
enjaulando-os no anonimato e na indiferença.
Neste contexto, a mensagem do Papa
Francisco lembra que a situação dos pobres pode até gerar certa comoção, mas
quando são encontrados, “em carne e osso”, pelas estradas e ruas, são
marginalizados. Ora, não se pode se limitar a dar qualquer coisa a quem sofre.
É preciso oferecer amparo material e espiritual. Isto significa
comprometer-se com a promoção integral do ser humano. Os cristãos, todos os
cidadãos, têm a tarefa de batalhar, incansavelmente, por um mundo justo e
solidário, iluminando as próprias sombras com a luz do amor de Deus, que se
desdobra no amor ao próximo. Assim é possível construir um mundo livre de
guerras e disputas mesquinhas. Todos são convidados a alcançar nova compreensão
sobre a importância dos mais pobres, de cada ser humano, pela força da fé e por
um acurado sentido social. Essa amadurecida compreensão, alcançada a partir de
olhos fixos nos pobres, é imprescindível para que a humanidade consiga se
tornar uma sociedade fraterna e solidária.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
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Fonte: cnbb.org.br
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