Graça e discipulado
Muito tem se
falado daquela graça barata, que parece preencher muitas vertentes do
cristianismo contemporâneo. Uma espécie de filiação pentecostal que credita a
salvação a um ato declaratório, eximindo o crente das responsabilidades da
vida. Um grito de separação entre fé e vida, onde já não se tem mais o
referencial daquele que nos ofertou a Graça.
Dom Lindomar Rocha |
A Graça chancelada
nos limiares do Evangelho é conquistada com o esforço extremo daquele que nos
resgatou. Na doação completa de sua vida, Jesus não nos autorizou a vivermos em
devaneios psicológicos de uma justificação irresponsável, onde se acredita
estar plenamente liberado à vida sem compromisso. Por isso mesmo, é
aterrorizante a multiplicação de cristianismos surgentes, no qual essa “graça”
já autorizou até mesmo a ruptura com Cristo.
A volta à
concretude da vida evangélica, recomenda uma compreensão completa da Graça
recebida para viver o discipulado.
Não se recebe a
Graça para viver em devaneio. Isto seria, nas palavras de Bonhoeffer: “a
afronta mais diabólica contra a graça”. Isto é, não se comprometer e até pecar
contando com a graça recebida de Deus; e continua ele: “o Catecismo Católico
não estaria correto ao reconhecer aí o pecado contra o Espírito Santo”?
Devemos reconhecer
que sim. Uma graça recebida que autoriza o afastamento de sua fonte e de sua
finalidade, se usada para justificar os descaminhos e supressão do discipulado
é realmente o pecado contra o Espirito Santo.
Reconstituir o
caminho do discipulado, portanto, é urgente para superar a teologia da graça
barata, e reaprumar o objetivo para a Graça que Cristo nos conquistou.
Não temos outro
referencial, se não aquele concreto modo de vida que Jesus nos deu no limiar de
sua própria vida, e serviu de alavanca para os primeiros cristãos.
Os primeiros
discípulos são abundantes. Os Evangelhos e o novo testamento os apresentam por
toda a parte. Inúmeras as figuras que remetem à Graça que Cristo conquistou com
a própria vida.
Tomando Paulo como
exemplo, é possível ver o homem perdido diante da lei, que foi salvo pela
Graça. O seu encontro com Cristo, que estendeu os braços muito além daqueles
doze que conhecemos, alinhou o objetivo de Paulo com o seu próprio objetivo.
Por isso mesmo, o seu destino se assemelhou ao do Mestre.
Também o olhar de
Pedro e João, ao assumirem plenamente o discipulado, entrando no templo se
preocuparam, primordialmente, com o irmão que jazia jogado no chão, a causa da
enfermidade (At 3,6).
Nenhum dos
discípulos ficou estagnado naquilo que era. A Graça não produz resultados, ela
gera atividade que faz com aquele que a recebeu se aplique na seara do
Reino.
A justificação
como decreto, que imobiliza o cristão na comunidade, no grupo e na vida, é
graça barata que não se sustenta diante de Deus. Seria semelhante a passar a
vida gritando Senhor, Senhor, e esperar entrar no Reino dos Céus.
A Graça que Cristo
nos conquistou, como fez com Pedro, Paulo e demais cristãos da primeira hora,
faz com que todo aquele que a recebeu se torne um Discípulo. Sem um discipulado
temos uma graça barata ou barateada, que, em seu limite, conduz ao pecado e a
morte.
Dom Lindomar Rocha Mota - Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
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