O fundamento das Pastorais Sociais da Igreja Católica
Parte II
Compreensão básica de Pastoral Social
No artigo anterior, falei da
centralidade da ação social para a fé cristã, como forma de viver a caridade.
Falei também que a ação social da Igreja para ser, de fato, caridade precisa ir
além do assistencial e da promoção, embora isso também seja necessário. Disse
também que é preciso ser uma ação transformadora da sociedade a partir de suas
estruturas e que a transformação estrutural da sociedade sofrerá reação dos que
detém o poder e são beneficiados pelas estruturas assim como elas se encontram.
Para isso, apresentei que os agentes das Pastorais Sociais devem estar bem
preparados tanto tecnicamente como do ponto de vista da fé. É preciso uma
espiritualidade do enfrentamento social.
Leia a parte I da reflexão do padre Paulo Adolfo Simões sobre
as Pastorais Sociais.
No texto atual, trato especificamente sobre
a Pastoral Social. A Pastoral Social é uma diaconia ou (colabor)ação
organizada da Igreja na realização da justiça social, em vista das necessidades
e dos direitos dos pobres e marginalizados de nossa sociedade. Por um
lado, sua ação é como denúncia e enfrentamento de toda forma
de injustiça, exploração, discriminação e marginalização, bem como dos
mecanismos que produzem essas situações. Por outro lado, é de anúncio eficaz
de uma nova forma de organização da sociedade: insiste na inaceitabilidade da
injustiça social; mobiliza pessoas e grupos a lutarem por seus direitos e a
buscarem e criarem alternativas de vida; articula e projeta essas lutas e
alternativa; fortalece as lutas populares concretas com a força social da
Igreja e explicita e potencializa o caráter salvífico dessas lutas.
É preciso compreender que as estruturas da
sociedade não são simplesmente estruturas econômicas, políticas, sociais,
culturais, de gênero, entre outras. São também estruturas teologais nas
quais se manifesta Graça Divina ou o pecado. É preciso também ter presente
que a consciência explícita dessa problemática e desse desafio é relativamente
recente na Igreja, embora a Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja já apontem
sobejamente para a questão. Haja vista as denúncias dos profetas contra a acumulação
de riquezas, contra a violação do direito das viúvas nos tribunais, contra a
espoliação dos bens dos pequenos e, sobretudo, em sua defesa radical do direito
do pobre, do órfão, da viúva e do estrangeiro. Lembremo-nos da Doutrina Social
da Igreja (DSI) e de seus princípios. Contudo, a consciência explícita das
questões sociais começa a se desenvolver na Europa no século XIX.
Um marco importante no surgimento da
consciência da dimensão estrutural da fé foi o “catolicismo social” que se
desenvolveu no contexto da revolução industrial e da situação da classe e do
movimento operários nascentes. É nesse contexto que se insere a encíclica Rerum
Novarum, do papa Leão XIII (1891), que trata da condição dos operários e se
torna o “texto fundador” da DSI. Essa consciência ganha novo impulso, novas
perspectivas e novas dimensões com o Concílio Vaticano II (1962-1965) e a
Constituição Pastoral Gaudium et spes (1965), sobre a Igreja no mundo
de hoje. Além disso, é na Igreja da América Latina e a partir dela que
essa consciência se torna mais explícita e é levada às últimas consequências,
tanto em termos teológicos, quanto em termos pastorais. A Conferência de
Medellín (1968) já falava de “estruturas opressoras”, “estruturas injustas”,
“violência institucionalizada”. A Conferência de Puebla (1979) reconhece que a
pobreza “não é uma etapa casual, mas sim o produto de determinadas situações e
estruturas econômicas, sociais e políticas” e fala explicitamente de “dimensão
social do pecado”, de “estruturas de pecado” ou de “pecado social”.
Essas intuições, que depois vão foram
aprofundadas e desenvolvidas na reflexão teológico-pastoral na América Latina e
assumidas, em grande medida, pelo magistério oficial para o conjunto da Igreja,
estão na base do engajamento de cristãos, comunidades, grupos e mesmo da Igreja
enquanto instituição nos mais diversos processos de organização e luta
populares ou do que se convencionou chamar de “Pastoral Social”, enquanto
dimensão socioestrutural da caridade cristã.
O engajamento da Igreja na transformação
das estruturas socais dá-se de diversos modos: na atuação de cristãos em
diversos movimentos e organizações sociais (serviços, pastorais e organismos de
apoio, acompanhamento e defesa de setores marginalizados e de suas lutas e
organizações populares) ou pela tomada de posição da Igreja enquanto
instituição e força social através da hierarquia e de seus organismos de
comunhão pastoral (bispos, conferências episcopais, coordenações e articulações
pastorais, entre outros). Podemos citar o engajamento de milhares de cristãos
nas mais diversas lutas sociais (terra, água, moradia, educação, saúde,
liberdade política, igualdade racial e de gênero e justiça socioambiental) e
nas mais diversas organizações populares (sindicatos, associações, partidos e
movimentos populares). A tomada de posição pública de Igrejas locais em favor
de comunidades, grupos ou setores injustiçados e marginalizados, os diversos
serviços, organismos e pastorais sociais criados na Igreja para acompanhar
determinados grupos e setores sociais marginalizados e colaborar com suas lutas
e organizações sociais; a tomada de posição da Igreja do Brasil como
instituição frente a determinados acontecimentos; a promoção e participação em
campanhas, eventos e processos de discussão e mobilização sociais em torno de
direitos fundamentais negados ou de mecanismos que produzem injustiça;
discussões, articulações e mobilizações em âmbito mundial dentro da Igreja e da
Igreja com diversas forças sociais.
Por fim, é preciso ressaltar que nem toda
ação, serviço social ou ajuda aos pobres e marginalizados, por mais nobre e
evangélico que seja, é, sem mais, uma Pastoral Social. O que caracteriza
uma Pastoral Social é seu intento de interferir na organização da sociedade e
transformá-la a partir e em vista das necessidades e dos direitos e pobres e
marginalizados, como nos ensina o Evangelho.
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