trabalhar com os leigos e tomar cuidado com o clericalismo
"Obrigado pelo seu ministério, que
muitas vezes se realiza no meio de tanto esforço, incompreensão e pouco
reconhecimento", escreve o Papa Francisco aos sacerdotes da Diocese de
Roma. "A mundanidade espiritual é perigosa porque é um modo de vida que
reduz a espiritualidade à aparência. Como idoso, e de coração, digo a vocês que
me preocupa quando recaímos nas formas do clericalismo", adverte Francisco.
O Papa com alguns sacerdotes e seminaristas de Roma (foto de arquivo) |
O Papa Francisco enviou uma carta aos
sacerdotes da Diocese de Roma, nesta segunda-feira (07/08).
Na missiva, o Pontífice renova o seu
agradecimento aos sacerdotes pelo seu testemunho, pelo seu serviço, pelo bem
oculto que fazem, pelo perdão e consolo que dão em nome de Deus. "Obrigado
pelo seu ministério, que muitas vezes se realiza no meio de tanto esforço,
incompreensão e pouco reconhecimento", escreve ainda o Pontífice.
Segundo o Papa, o "ministério
sacerdotal não se mede pelos sucessos pastorais". No centro da vida
sacerdotal está "o permanecer no Senhor para dar frutos" e não
"o frenesi da atividade". "A ternura que nos consola brota da
sua misericórdia, da acolhida do "magis" da sua graça, que nos
permite ir adiante no trabalho apostólico, suportar os reveses e fracassos,
alegrar-nos com simplicidade de coração, ser mansos e pacientes, e recomeçar
sempre, estender as mãos aos outros", ressalta.
"Os nossos necessários "momentos
de recarga" não ocorrem apenas quando descansamos fisicamente ou
espiritualmente, mas também quando nos abrimos ao encontro fraterno entre nós:
a fraternidade conforta, oferece espaços de liberdade interior e não nos faz
sentir sozinhos diante dos desafios do ministério", sublinha o Papa.
A mundanidade espiritual é perigosa
"Neste nosso tempo, o que nos pede o
Senhor, para onde nos orienta o Espírito que nos ungiu e nos enviou como
apóstolos do Evangelho?" "Na oração, me vem à mente: que Deus nos
pede para ir fundo na luta contra a mundanidade espiritual",
ressalta.
De acordo com o Papa, "a mundanidade
espiritual é perigosa porque é um modo de vida que reduz a espiritualidade à
aparência: nos leva a ser «comerciantes do espírito», homens vestidos de formas
sagradas que, na realidade, continuam pensando e agindo segundo as modas do
mundo. Isso acontece quando nos deixamos fascinar pelas seduções do
efêmero, pela mediocridade e pela rotina, pelas tentações do poder e da
influência social, da vanglória e do narcisismo, da intransigência doutrinal e
do esteticismo litúrgico, formas e maneiras nas quais a mundanidade «se esconde
atrás de aparências de religiosidade e até de amor à Igreja», mas na realidade
«consiste em buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar
pessoal»".
Ainda segundo Francisco, "a
mundanidade espiritual é uma tentação "gentil" e por isso ainda mais
insidiosa. Na verdade, ela se insinua sabendo se esconder bem atrás das boas
aparências, até mesmo dentro de motivações "religiosas". E, mesmo que
a reconheçamos e a afastemos de nós, mais cedo ou mais tarde ela volta
disfarçada de outro modo".
"Precisamos de vigilância interior, de
guardar a mente e o coração, alimentar o fogo purificador do Espírito dentro de
nós, porque as tentações mundanas voltam e "batem" de maneira educada.
«São os "demônios educados": entram educadamente, sem que eu
perceba»", escreve ainda o Papa.
Atenção a não cair no clericalismo
A seguir, Francisco se detém num aspecto
desta mundanidade: o clericalismo. "Como idoso, e de coração, digo a
vocês que me preocupa quando recaímos nas formas do clericalismo; quando,
talvez sem perceber, damos às pessoas a impressão de que somos superiores,
privilegiados, colocados «no alto» e, portanto, separados do resto do Povo
santo de Deus". "Como me escreveu uma vez um bom sacerdote: "O
clericalismo é um sintoma de uma vida sacerdotal e laical tentada a viver na
função e não no vínculo real com Deus e com os irmãos". Em suma, denota
uma doença que nos faz perder a memória do Batismo recebido, deixando em segundo
plano a nossa pertença ao mesmo Povo santo e levando-nos a viver a autoridade
nas várias formas de poder, já não percebendo a duplicidade, sem humildade, mas
com comportamentos distantes e soberbos", frisa o Papa.
"A preocupação centra-se no
"eu": o próprio sustento, as próprias necessidades, o louvor recebido
para si e não para a glória de Deus. Isto acontece na vida de quem cai no
clericalismo: perde o espírito de louvor porque perdeu o sentido da
graça, o estupor pela gratuidade com que Deus o ama, aquela confiante
simplicidade de coração que faz estender as mãos ao Senhor", escreve
Francisco na carta aos sacerdotes.
A seguir, o Papa indicou "o antídoto
quotidiano contra a mundanidade e o clericalismo: olhar para Jesus crucificado,
fixar todos os dias o olhar n'Aquele que se esvaziou e se humilhou até à morte
por nós".
"Este é o espírito sacerdotal:
fazer-nos servos do Povo de Deus e não senhores, lavar os pés dos nossos irmãos
e não esmagá-los debaixo dos nossos pés. Portanto, permaneçamos vigilantes em
relação ao clericalismo", ressalta o Papa.
Não assumir um "espírito
clerical"
A seguir, Francisco recorda que "o
clericalismo pode dizer respeito a todos, também aos leigos e aos agentes
pastorais". Segundo o Papa, "pode-se assumir um "espírito
clerical" no levar adiante ministérios e carismas, vivendo de maneira
elitista o próprio chamado, fechando-se no próprio grupo e erguendo muros para
fora, desenvolvendo laços possessivos em relação aos papéis na comunidade,
cultivando atitudes presunçosas e arrogantes em relação aos outros".
De acordo com o Papa, "os sintomas são
a perda do espírito de louvor e da gratuidade alegre, enquanto o diabo se
insinua, alimentando lamentos, negatividade e insatisfação crônica com o que
está mal, ironia que se torna cinismo. Assim, nos deixamos absorver pelo clima
de crítica e raiva que se respira ao redor, ao invés de sermos aqueles que, com
simplicidade e mansidão evangélica, com bondade e respeito, ajudam nossos
irmãos e irmãs a saírem das areias movediças da intolerância".
"Vamos em frente com entusiasmo e
coragem: trabalhemos juntos, entre sacerdotes e com os irmãos e irmãs leigos,
iniciando formas e caminhos sinodais, que nos ajudem a despojar-nos de nossas
seguranças mundanas e "clericais" para buscar, humildemente, caminhos
pastorais inspirados pelo Espírito, para que a consolação do Senhor chegue
realmente a todos", conclui a carta do Papa.
Mariangela Jaguraba - Vatican News
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