Teólogos, moralistas, missionários e
confessores são chamados a entrar em uma relação viva com o Povo de Deus,
atentos ao grito dos últimos. Para os membros da Pontifícia Academia Afonsiana,
Francisco recomenda um discernimento marcado pela misericórdia. E no campo da
bioética, o Papa exorta a "evitar dinâmicas extremistas de
polarização", conciliando rigor científico e proximidade com a vida real
das pessoas.
O Papa Francisco recebeu nesta quinta-feira
(23) cerca de 300 pessoas na Sala Clementina, no Vaticano, que participaram
durante dois dias da Conferência "Santo Afonso, pastor dos últimos e doutor da
Igreja", promovida pela Pontifícia Academia Afonsiana, de Roma. A
instituição com 74 anos de fundação, especializada em teologia moral dentro da
Pontifícia Universidade Lateranense, promoveu o encontro em
modalidade virtual a partir da Aula Magna para aprofundar três temas
centrais: a consciência (moral fundamental), a justiça social (moral social) e
a pessoa (bioética). A reflexão, entre desafios e perspectivas, foi feita por
professores locais e de outras realidades acadêmicas da Itália e também do
exterior.
O amor de Deus, não a moral fria de
escrivaninha
No discurso do Papa, de encerramento da
conferência, o Pontífice começou agradecendo pelo "serviço de
formação" oferecido pela Academia à Igreja no âmbito da teologia moral,
inclusive o trabalho de professores eméritos e ex-estudantes. Refletindo
sobre a consciência e o dinamismo da formação, toda proposta
teológico-moral, disse Francisco, "deve ajudar os fiéis a compreender
a grandeza de levar a caridade de Cristo ao mundo" (cf. Decr. Optatam
totius, 16), "o amor de Deus" que guia as escolhas de cada um. Por
isso a importância de "entrar em uma relação viva com o Povo de
Deus", especialmente com os últimos, dando respostas às dificuldades reais
através da luz de Cristo e não de uma abordagem "moral fria de
escrivaninha":
"Fiéis à tradição afonsiana, vocês
procuram oferecer uma proposta de vida cristã que, respeitando as exigências da
reflexão teológica, não seja uma moral fria, uma moral de escrivaninha, eu
diria uma moral "casuística" e digo isso sabendo porque,
infelizmente, estudei uma moralidade 'casuística' naquela época. Imaginem que
não podíamos, era proibido ler o primeiro livro de Häring, 'A Lei de Cristo':
'Não! É herético, não se pode ler!' E eu só estudei com aquela moralidade:
'Pecado mortal se faltam duas velas na mesa, venial se falta apenas uma'... E
toda a casuística assim e digo isso humildemente... Graças a Deus que aquilo é
passado, era uma moral fria de escrivaninha. O que se exige de vocês é uma
proposta que responda a um discernimento pastoral carregado de amor
misericordioso, visando compreender, perdoar, acompanhar e sobretudo integrar
(cf. Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris laetitia, 312). Ser eclesial
pressupõe isto: integrar."
Usar a linguagem do povo para se aproximar
Sobre o campo "complexo" da
bioética, Francisco convidou a exercer a paciência da escuta, a não ter medo
diante de situações de conflito, a adotar métodos de pesquisa transdisciplinar
que permitam "abordar novos desafios com maior competência e capacidade
crítica, à luz do Evangelho e da experiência humana (cf. Gaudium et spes,
46)". O Papa também exortou a se "afastar de dinâmicas
extremistas de polarização, mais típicas do debate mediático do que da pesquisa
científica e teológica saudável e fértil", e, sobretudo, recomendou a
"tornar acessível" e com uma "linguagem do povo" o trabalho
realizado pelos profissionais da área:
“'A linguagem do povo', prestem atenção,
não esqueçam do santo povo fiel de Deus; mas não pensem neles como são, não:
mas nas tuas raízes que estão no santo povo de Deus. Não esqueça que você foi
retirado do rebanho, você é deles. Não esqueça o clima do povo, o pensamento do
povo, o sentimento do povo. E isso não é comunismo, socialismo, não! Esse é o
povo santo e fiel de Deus que é infalível 'em credendo'. Não se esqueçam disso!
Vaticano I e depois Vaticano II.”
Formar consciências com a beleza
O Papa, depois, refletiu sobre o terceiro
tema da conferência da Academia Afonsiana, isto é, as questões de
moralidade social pertinentes à crise ambiental, à transição ecológica, à
guerra, ao sistema financeiro, à construção de fraternidade entre os povos, e
mais atualmente, à migração e à pedofilia, para estimular a pesquisa e o
diálogo. A Igreja espera, concluiu Francisco, que a Pontifícia consiga
"conciliar rigor científico e proximidade ao santo povo fiel de
Deus", dando "respostas concretas aos problemas reais", atentas
"à Verdade salvadora e ao bem das pessoas". Assim como fez Santo
Afonso de Liguori, "um grande teólogo", mas capaz de compor canções
natalinas confirmando "a beleza da alma", sendo formadores de
consciências e maestros de esperança:
"Procuremos então entrar com humildade
e sabedoria no complexo tecido da sociedade em que vivemos, a fim de conhecer
bem sua dinâmica e propor aos homens e mulheres de nosso tempo caminhos
adequados de maturação nessa direção (cf. Gaudium et spes, 26). E eu falo de
caminhos, caminhos adequados, não de soluções matemáticas. Os problemas se
resolvem caminhando eclesialmente como povo de Deus. E caminhar com as pessoas
no estado moral em que se encontram. Carminhar com eles e procurar uma maneira
de resolver seus problemas, mas caminhando, não ficar sentados como doutores
que, com o dedo assim, condenam sem se importarem."
Nenhum comentário:
Postar um comentário