"Renovar a novidade" – texto integral
O pregador da Casa
Pontifícia, cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap, propôs à Cúria Romana, nesta
sexta-feira, 03 de março, a primeira pregação da Quaresma intitulada
"Renovar a novidade".
Fr. Raniero Card.
Cantalamessa, OFMCap
“IPSA NOVITAS
INNOVANDA EST”
Renovar a novidade
Primeira Pregação, Quaresma de 2023
A história da
Igreja do final do século XIX e início do século XX nos deixou uma amarga
lição, que não deveríamos esquecer para não repetir o erro que a provocou. Falo
do atraso (antes, da recusa) em se dar conta das mudanças ocorridas na
sociedade, e da crise do Modernismo, que foi a sua consequência.
Quem estudou,
mesmo superficialmente, aquele período, conhece o dano que daí acarretou tanto
para um lado quanto para o outro, isto é, seja para a Igreja, seja para os
chamados “modernistas”. A falta de diálogo, por um lado, levou alguns dos mais
conhecidos modernistas a posições sempre mais extremas e por terminar
claramente hereticais; por outro, privou a Igreja de enormes energias,
provocando lacerações e sofrimentos sem sim em seu interior, fazendo-a debruçar
sempre mais sobre si mesma e perder o passo com os tempos.
O Concílio
Vaticano II foi a iniciativa profética para recuperar o tempo perdido. Ele
realizou uma renovação, que, certamente, não é o caso de ilustrar novamente
nesta sede. Mais do que seus conteúdos, interessa-nos, neste momento, o método
inaugurado por ele, que é o de caminhar na história, ao lado da humanidade,
buscando discernir os sinais dos tempos.
A história e a
vida da Igreja não se detiveram com o Vaticano II. Cuidado ao fazer dele o que
se tentou fazer com o Concílio de Trento, ou seja, uma linha de chegada e uma
meta imóvel. Se a vida da Igreja se detivesse, seria como acontece a um rio,
que chega a uma barreira: transformar-se-ia, inevitavelmente, em um pântano ou
um brejo.
“Não se deve
pensar – escrevia Orígenes no III século – que seja o bastante sermos renovados
apenas uma vez; é preciso renovar a própria novidade: ‘Ipsa novitas
innovanda est’”[1].
Antes dele, o recém-Doutor da Igreja Santo Irineu escrevera: A verdade revelada
é “como um precioso licor contido em um valioso vaso. Por obra do Espírito
Santo, ela rejuvenesce continuamente e faz rejuvenescer também o vaso que a
contém”[2].
O “vaso” que contém a verdade revelada é a tradição viva da Igreja. O “precioso
licor” é, em primeiro lugar, a Escritura, mas a Escritura lida na Igreja que, é
a definição mais justa da Tradição. O Espírito é, pela sua natureza, novidade.
O Apóstolo exorta os batizados a servirem a Deus “na novidade do Espírito e não
na velhice da letra” (Rm 7,6).
Não apenas a
sociedade não se deteve ao tempo do Vaticano II, mas sofre uma aceleração
vertiginosa. As mudanças que um tempo ocorriam em um ou dois séculos, hoje
ocorrem em uma década. Esta necessidade de contínua renovação não é outra coisa
senão a necessidade de contínua conversão, estendida desde o fiel,
individualmente, até Igreja inteira, em sua componente humana e histórica.
A “Ecclesia semper reformanda”. O verdadeiro problema, portanto, não está
na novidade; está mais no modo de encará-la. Explico-me. Toda novidade e toda
mudança se encontram diante de uma encruzilhada; pode levar a duas estradas
opostas: ou a do mundo, ou a de Deus; ou o caminho da morte ou caminho da vida.
A Didaqué, um escrito redigido enquanto vivia ao menos um dos doze
apóstolos, já ilustrava aos fiéis estes dois caminhos.
Agora temos um
meio infalível para tomar sempre o caminho da vida e da luz: o Espírito Santo.
É a certeza que Jesus deu aos apóstolos antes de deixá-los: “E eu pedirei
ao Pai, e ele vos dará um Paráclito, para que permaneça sempre convosco” (Jo
14,16). E ainda: “O Espírito da Verdade, então ele vos guiará a toda
a Verdade” (Jo 16,13). Não fará tudo de uma vez, ou de uma vez por todas,
mas à medida que as situações se apresentarem. Antes de deixá-los
definitivamente, no momento da Ascensão, o Ressuscitado assegura novamente aos
seus discípulos a assistência do Paráclito: “Recebereis – diz – a
força do Espírito Santo que virá sobre vós e sereis minhas testemunhas em
Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até os confins da terra” (At 1,8).
O intuito das cinco
pregações da Quaresma que hoje iniciamos, dito muito simplesmente, é justamente
este: encorajar-nos a pôr o Espírito Santo no coração de toda a vida da Igreja,
e, em particular, neste momento, no coração dos trabalhos sinodais. Acolher, em
outras palavras, o convite urgente que o Ressuscitado dirige, no Apocalipse, a
cada uma das sete igrejas da Ásia Menor: “Quem tem ouvidos, ouça o que o
Espírito diz às igrejas” (Ap 2,7).
É o único modo,
além do mais, para não permanecer, eu mesmo, alheio ao empenho em ato pelo
sínodo. Em uma das minhas primeiras pregações à Casa Pontifícia, há 43 anos,
disse na presença de São João Paulo II: “Tenho continuado a exercer por toda a
vida o único encargo que fazia desde criança”. E expliquei em que sentido. Os
meus avós maternos cultivavam, por meação, um vasto terreno colinoso. Em junho
ou julho, havia a colheita, toda manual, com a foice, encurvados sob o sol. Era
uma fadiga enorme. Eu e meus primos éramos encarregados de levar água
continuamente aos ceifadores. É isso, eu disse, que tenho continuado a fazer
pelo resto da vida. Os ceifadores mudaram, que agora são os operários da vinha
do Senhor, e mudou a água, que agora é a Palavra de Deus. Um encargo, o meu,
muito menos fadigoso, para dizer a verdade, daquele dos trabalhadores do campo,
mas também esse, espero, útil e de algum modo necessário.
Nesta primeira
pregação, limito-me em acolher a lição que nos vem da Igreja nascente. Gostaria
de mostrar, em outras palavras, como o Espírito Santo guiou os apóstolos e a
comunidade cristã a dar os primeiros passos na história. Quando as palavras de
Jesus acima recordadas sobre a assistência do Paráclito foram postas por
escrito por João, a Igreja já as havia experimentado na prática, e é justamente
tal experiência, dizem-nos os exegetas, que se reflete nas palavras do
evangelista.
Os Atos dos
Apóstolos nos mostram uma Igreja que é, passo a passo, “conduzida pelo
Espírito”. A sua guia se exerce não apenas nas grandes decisões, mas também nas
coisas de menor importância. Paulo e Timóteo querem pregar o evangelho na
província da Ásia, mas “o Espírito Santo os havia impedido”; tentam ir rumo à
Bitínia, mas, está escrito, “o Espírito de Jesus os impediu” (At 16,6ss.).
Compreende-se, em seguida, o porquê desta guia assim próxima: o Espírito Santo
impulsionava deste modo a Igreja nascente a sair da Ásia e olhar para um novo
continente, a Europa (cf. At 16,9). Paulo chega a definir-se, em suas escolhas,
“prisioneiro no Espírito” (At 20,22).
Não é um caminho
retilíneo e sem obstáculos o da Igreja nascente. A primeira grande crise é
aquela relativa à admissão dos gentios na Igreja. Não é necessário recordar o
seu desenrolar. Interessa-nos apenas recordar como é resolvida a crise. Pedro
vai ao encontro de Cornélio e dos pagãos? É o Espírito que lhe ordena (cf. At
10,19; 11,12). E como é motivada e comunicada a decisão tomada pelos apóstolos
em Jerusalém de acolher os pagãos na comunidade, sem obrigá-los à circuncisão e
a toda a legislação mosaica? Foi resolvida com aquelas extraordinárias palavras
iniciais: “Pois decidimos, o Espírito Santo e nós...” (15,28).
Não se trata de
fazer arqueologia da Igreja, mas de trazer à luz, sempre de novo, o paradigma
de toda escolha eclesial. Não é preciso muito esforço, de fato, para perceber a
analogia que há entre a abertura que então se realizou em relação aos gentios,
com aquela que hoje se impões em relação aos leigos, em particular, às
mulheres, e de outras categorias de pessoas. Por isso, vale a pena recordar a
motivação que levou Pedro a superar as suas perplexidades e a batizar Cornélio
e a sua família. Lemos nos Atos:
“Pedro estava ainda falando, quando o Espírito Santo desceu sobre todos os que estavam escutando a palavra. Os fiéis de origem judaica, que tinham vindo com Pedro, ficaram admirados de que o dom do Espírito Santo fosse derramado também sobre os gentios. De fato, eles os ouviam falar em línguas e engrandecer a Deus. Então Pedro falou: “Podemos, por acaso, negar a água do Batismo a estas pessoas, que receberam, como nós, o Espírito Santo?” (At 10,44-47).
Chamado a
justificar a sua conduta em Jerusalém, Pedro narra o que acontecera na casa de
Cornélio e conclui dizendo:
Então, eu me
lembrei do que o Senhor havia dito: “João batizou com água, mas vós sereis
batizados com o Espírito Santo”. Se Deus concedeu a eles o mesmo dom que a
nós, que acreditamos no Senhor Jesus Cristo, quem seria eu para opor-me à ação
de Deus? (At 11,16-17).
Se olharmos bem, é
a mesma motivação que levou os Padres do Concílio Vaticano II a redefinir o
papel dos leigos na Igreja, isto é, a doutrina dos carismas. Conhecemos bem o
texto, mas é sempre útil trazê-lo à memória:
Este mesmo
Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos
sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas, “distribuindo a cada um
os seus dons como lhe apraz” (1Cor 12,11), distribui também graças especiais
entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a
tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais
ampla edificação da Igreja, segundo aquelas palavras: “a cada qual se concede a
manifestação do Espírito em ordem ao bem comum” (1Cor 12,7). Estes carismas, quer
sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser
recebidos com ação de graças e consolação[3].
Estamos diante da
redescoberta da natureza não só hierárquica, mas também carismática da
Igreja. São João Paulo II, na “Novo millennio ineunte” (n. 45),
torná-la-á ainda mais explícita, definindo a Igreja como hierarquia e
como koinonia. Em uma primeira leitura, a recente constituição sobre a
reforma da Cúria “Praedicate Evangelium” (para além de todos os
aspectos jurídicos e técnicos sobre os quais sou um perfeito ignorante) me deu
a impressão de ser um passo à frente nessa mesma direção: isto é, em aplicar o
princípio selado pelo Concílio em um setor particular da Igreja, que é o seu
governo, e a um maior envolvimento dos leigos e das mulheres.
Mas agora devemos
dar um passo à frente. O exemplo da Igreja apostólica não nos ilumina apenas
sobre os princípios inspiradores, isto é, sobre a doutrina, mas também sobre a
praxe eclesial. Diz-nos que nem tudo se resolve com as decisões tomadas em um
sínodo, ou com um decreto. Há a necessidade de traduzir na prática tais
decisões, a chamada “recepção” dos dogmas. E, para isso, são necessários tempo,
paciência, diálogo, tolerância; às vezes, também o compromisso. Quando é feito
no Espírito Santo, o compromisso não é uma cessão, ou um desconto dado sobre a
verdade, mas é caridade e obediência às situações. Quanta paciência e
tolerância teve Deus, após ter dado o Decálogo ao seu povo! Quanto teve que
esperar longamente – e deve ainda – esperar pela sua recepção!
Em toda a questão
acima recordada, Pedro aparece claramente como o mediador entre Tiago e Paulo,
ou seja, entre a preocupação da continuidade e aquela da novidade.
Nesta mediação, assistimos a um incidente, que pode nos ser de auxílio também
hoje. O incidente é aquele de Paulo que, em Antioquia, censura Pedro de
hipocrisia por ter evitado se sentar à mesa com pagãos convertidos. Ouçamos o
ocorrido de sua viva voz:
Mas, quando Cefas
chegou a Antioquia, opus-me a ele abertamente, pois merecia censura. Com
efeito, antes que chegassem alguns de junto de Tiago, ele tomava refeição como
os não judeus. Mas, depois que eles chegaram, Cefas começou a esquivar-se e a
afastar-se, por medo dos da circuncisão (Gl 2,11-12).
Os “conservadores”
do tempo censuravam Pedro por ter ido muito além, indo ao encontro do pagão
Cornélio; Paulo lhe censura por não ter ido bem mais além. Paulo é o santo que
mais admiro e amo. Mas, neste caso, estou convencido de que se deixou levar
(não é a única vez!) pelo seu caráter de fogo. Pedro em nada pecou por
hipocrisia. A prova é que, em outra ocasião, Paulo fará, ele mesmo, exatamente o
que fez Pedro em Antioquia. Em Listra, ele fez circuncidar o seu companheiro
Timóteo “por causa – está escrito – dos judeus que se encontravam nessas
regiões” (At 16,3), isto é, para não escandalizar ninguém. Aos Coríntios,
escreve que se fez “judeu com os judeus, a fim de ganhar os judeus” (1Cor 9,20)
e, na Carta aos Romanos, recomenda ira o encontro de quem ainda não chegou à
liberdade da qual ele goza (Rm 14,1ss.).
O papel de
mediador que Pedro exerceu entre as tendências opostas de Tiago e de Paulo continua
nos seus sucessores. Não certamente (e isso é um bem para a Igreja) de modo
uniforme em cada um deles, mas segundo o carisma próprio de cada um que o
Espírito Santo (e, presume-se, os cardeais abaixo dele) têm considerado o mais
necessário em um dado momento da história da Igreja.
Diante dos
acontecimentos e realidades políticas, sociais e eclesiais, somos levados a nos
colocar imediatamente de um lado e a demonizar aquele adverso, a desejar o
triunfo da nossa escolha sobre a dos adversários (se começa uma guerra, cada um
reza ao mesmo Deus para dar a vitória aos próprios exércitos e aniquilar os do
inimigo!). Não digo que seja proibido ter preferências: em campo político,
social, teológico e assim por diante, ou que seja possível não as ter. Jamais deveríamos,
contudo, pretender que Deus se coloque do nosso lado contra o adversário. E nem
mesmo pedir isso a quem nos governa. É como pedir a um pai para escolher entre
dois filhos; é como dizer-lhe: “Escolhe: ou eu, ou o meu adversário; mostra
claramente de que lado estás!”. Deus está com todos e, por isso, não
está contra ninguém! É o pai de todos.
O agir de Pedro em
Antioquia – como também o de Paulo em Listra – não era hipocrisia, mas
adaptação às situações, ou seja, a escolha do que, em uma certa situação,
favorece o bem superior da comunhão. É sobre este ponto que eu gostaria de
continuar e concluir esta primeira meditação, também porque isto nos permite
passar do que diz respeito à Igreja universal ao que diz respeito à Igreja
local, antes, à própria comunidade, ou família, e à vida espiritual de cada um
de nós (que é o que esperamos, penso, de uma meditação quaresmal!).
Há uma
prerrogativa de Deus na Bíblia que os Padres amavam enfatizar: a synkatabasis,
isto é, a condescendência. Para São João Crisóstomo, ela é uma espécie de chave
de leitura de toda a Bíblia. No Novo Testamento, esta mesma prerrogativa de
Deus é expressa com o termo benignidade (chrestotes). A vinda de Deus na carne
é vista como a manifestação suprema da benignidade de Deus: “Quando se
manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor pela humanidade”
(Tt 3,4).
A benignidade –
hoje também diríamos cortesia – é algo diverso da simples bondade; é ser
bom em relação aos outros. Deus é bom em si mesmo e é benigno conosco. Ela é um
dos frutos do Espírito (Gl 5,22); é uma componente essencial da caridade (1Cor
13,4) e é indicador de ânimo nobre e superior. Ela ocupa um lugar central na
parênese apostólica. Lemos, por exemplo, na Carta aos Colossenses:
Portanto, como
eleitos de Deus, santos e amados, vesti-vos com sentimentos de compaixão, com
bondade, humildade, mansidão, paciência; suportai-vos uns aos outros e, se um
tiver motivo de queixa contra o outro, perdoai-vos mutuamente. Como o Senhor
vos perdoou, fazei assim também vós (Cl 3,12-13).
Este ano,
celebramos o quarto centenário da morte de um santo que foi um modelo excelso
desta virtude, em uma época também ela marcada por ásperas controvérsias: São
Francisco de Sales. Todos deveríamos nos tornar, na Igreja, um pouco mais condescendentes
e tolerantes, menos arraigados em nossas certezas pessoais, conscientes de
quantas vezes tivemos que reconhecer dentro de nós que estávamos errados a
respeito de uma pessoa ou de uma situação, e de quantas vezes tivemos que nos
adaptar também nós às situações. Em nossas relações eclesiais, não há, por
sorte – e jamais deveria haver –, aquela propensão ao insulto e ao vilipêndio
do adversário, que se nota em certos debates políticos e que tanto dano
acarreta à convivência civil pacífica.
Há alguém, é
verdade, em relação ao qual é justo e necessário ser intransigente, mas esse
alguém sou eu mesmo, é o meu eu. Somos inclinados, por natureza, a ser
intransigentes com os outros e indulgentes conosco mesmos, enquanto deveríamos
nos propor em fazer justamente o contrário: severos conosco mesmos, bondosos
com os demais. Este propósito, levado a sério, bastaria sozinho para santificar
a nossa Quaresma. Dispensar-nos-ia de qualquer outro tipo de jejum e nos
disporia a trabalhar com mais fruto e mais serenidade em cada âmbito da vida da
Igreja.
Um ótimo exercício nesse sentido consiste em sermos honestos, no tribunal do próprio coração, em relação à pessoa com quem estamos em desacordo. Quando percebo que estou submetendo alguém a acusação dentro de mim, devo prestar atenção para não me colocar imediatamente da minha parte. Devo parar de passar e repassar as minhas razões como alguém que masca um chiclete, e buscar as minhas razões para me colocar, ao invés, no lugar do outro, para compreender suas razões e o que ele também poderia dizer a mim.
Este exercício não
deve ser feito somente em relação à pessoa individualmente, mas também em
relação à corrente de pensamento com a qual estou em desacordo e à solução por
ela proposta a um certo problema em discussão (no Sínodo ou em outro âmbito).
Santo Tomás de Aquino nos dá o exemplo: ele pressupõe a cada sua tese as razões
do adversário, que jamais banaliza ou ridiculariza, mas leva a sério e a elas
responde com o seu “Sed contra”, isto é, com as razões que considera mais
conformes à fé e à moral. Perguntemo-nos (eu, por primeiro): também nós fazemos
assim?
Jesus diz: “Não
julgueis, e não sereis julgados (...). Por que reparas no cisco no olho do teu
irmão, e a trave no teu próprio olho não percebes?” (Mt 7,1-3). Pode-se
viver, perguntamo-nos, sem jamais julgar? A capacidade de julgar não faz parte
da nossa estrutura mental e não é um dom de Deus? Na redação de Lucas, o
mandamento de Jesus: “Não julgueis, e não sereis julgados” é seguido,
imediatamente, como para explicitar o sentido destas palavras, pelo
mandamento: “Não condeneis, e não sereis condenados” (Lc 6,37). Não
se trata, portanto, de eliminar o juízo do nosso coração, mas de tirar o veneno
do nosso juízo! Ou seja, o ódio, a condenação, o ostracismo.
Um pai, um
superior, um confessor, um juiz, quem quer que tenha alguma responsabilidade
sobre os demais, deve julgar. Às vezes, o julgar é, antes, justamente o tipo de
serviço ao qual alguém é chamado a exercer na sociedade ou na Igreja. A força
do amor cristão está no fato de que ele é capaz de mudar de valor até ao juízo
e, de ato de não-amor, torná-lo um ato de amor. Não com as nossas forças, mas
graças ao amor que “foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que
nos foi dado” (Rm 5,5).
Como conclusão,
façamos nossa a belíssima oração atribuída a São Francisco de Assis (talvez não
seja sua, mas reflete perfeitamente o seu espírito):
Senhor, fazei de
mim um instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio,
que eu leve o amor.
Onde houver
ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver
discórdia, que eu leve a união.
Onde houver
dúvida, que eu leve a fé.
Onde houver erro,
que eu leve a verdade.
Onde houver
desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver
tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
E acrescentemos:
Onde houver
malignidade, que eu leve a benignidade.
Onde houver
aspereza, que eu leve a gentileza!
_______________________________
Tradução de Fr. Ricardo Farias, ofmcap
[1] Cf.
Orígenes, In Rom. 5,8; PG 14, 1042.
[2] Cf. Santo
Irineu, Adversus Haereses, III, 24,1.
[3]Lumen gentium, 12.
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