Igreja Samaritana
José Antonio Pagola
Há muitas maneiras de empobrecer e desfigurar a misericórdia. Às vezes ela fica reduzida a um sentimento de compaixão próprio de pessoas sensíveis. Para alguns consiste nessa “ajuda paternal” que se oferece aos necessitados para tranquilizar a própria consciência. Há os que recordam as “obras de misericórdia” do catecismo como algo que é preciso praticar para ser virtuoso.
A partir da fé cristã devemos dizer que a misericórdia é a única reação verdadeiramente humana diante do sofrimento alheio que, uma vez interiorizada, se transforma em princípio de atuação e de ajuda solidária a quem sofre. Por isso, o teólogo Jon Sobrino começou a falar, há muitos anos, do “princípio misericórdia”, apresentando-o não como uma virtude a mais, mas como a atitude radical de amor que deve inspirar a atuação do ser humano diante do sofrimento do outro.
O relato do “bom samaritano” não é uma parábola a mais, e sim aquela que melhor expressa, de acordo com Jesus, o que é ser verdadeiramente humano. O samaritano é uma pessoa que vê em seu caminho alguém ferido, aproxima-se, reage com misericórdia e o ajuda no que pode. Esta é a única maneira de ser humano: reagir com misericórdia. Pelo contrário, “dar uma volta” diante de quem sofre – postura do sacerdote e do levita – é viver desumanizado.
A misericórdia é o princípio fundamental da atuação de Deus e o que configura toda a vida, a missão e o destino de Jesus. Diante do sofrimento, não há nada mais importante do que a misericórdia. Ela é a primeira coisa e a última. O princípio ao qual se deve subordinar todo o resto. Também na Igreja.
Uma Igreja verdadeira é, antes de tudo, uma Igreja que “se parece” com Jesus. E uma Igreja que se parece com Jesus deverá necessariamente ser uma “Igreja samaritana” que reage com misericórdia diante do sofrimento das pessoas. Esta é a primeira coisa que se pede também hoje à Igreja: que seja boa, que tenha entranhas de misericórdia, que não discrimine ninguém, que não dê voltas diante dos que sofrem, que ajude os que padecem feridas físicas, morais ou espirituais.
Se quiser parecer-se com Jesus, a Igreja deve reler a parábola do “bom samaritano”. É importante a ortodoxia. É urgente a ação evangelizadora. Mas como fica tudo isso se os homens e mulheres de hoje não podem descobrir nela o rosto misericordioso de Deus nem sentir sua proximidade e ajuda no sofrimento?
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JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
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