Silêncio! Silêncio!
Pode parecer estranho ao conjunto de uma
sociedade que multiplica palavras, tornando-se Babel, pedir silêncio,
silenciar-se. Muitas palavras não garantem entendimentos. E o silêncio causa
estranheza em um mundo barulhento. Importante é aprender com místicos e
profetas, aqueles que sempre, antes de se expressar, guardam um qualificado
tempo de silêncio. O ato disciplinar, exercitado nas salas de aula, nos
auditórios ou nas igrejas, de se silenciar, é indispensável para desenvolver a
capacidade de escutar. Na contramão dessa disciplina, convive-se com a
disseminação de palavras e mais palavras, que são banalizadas. Fala-se sobre
todas as coisas, opiniões são publicizadas sem o devido cuidado, com juízos a
respeito daquilo que não se sabe bem. Para que exista palavra qualificada é
indispensável antes trilhar a via do silêncio.
A avalanche de palavras está desacostumando
a sociedade a viver o silêncio. É hora de aprender a silenciar-se, essencial ao
reconhecimento dos sentidos que fazem parte do viver humano, à tomada de
decisões e à realização de escolhas no exercício das próprias
responsabilidades, com discernimentos adequados. A cultura contemporânea
estimula o falar muito, e cada vez mais, sem o devido cuidado com o silêncio.
Há de se superar o possível incômodo provocado pelo silêncio, pois é nele que
vive a palavra. O silêncio é o único caminho para que se alcance o mistério
maior, livrando o ser humano da superficialidade. Mas a sociedade insiste em
estabelecer uma grande distância entre silêncio e palavra. Essa distância
precisa ser encurtada, para que todos busquem se silenciar mais e,
consequentemente, encontrar o caminho do mistério que guarda a verdade do
amor.
O silêncio gera e qualifica peregrinos,
conforme apontam os estudiosos da espiritualidade cristã, além de manter a luz
interior, essencial a quem busca se expressar adequadamente. O silêncio
capacita o ser humano para que sua comunicação seja marcada por palavras performativas,
isto é, capazes de produzir sentidos qualificados, ajustando entendimentos que
alicerçam as muitas escolhas. Por isso mesmo, sem renunciar ao direito à livre
expressão, é indispensável exercitar o silêncio. Uma tarefa difícil, embora
essencial, que precisa ser incluída no dia a dia de cada um, para que todos
sejam comunicadores de verdades. O silêncio, morada da palavra, tem
propriedades para fazer das muitas falas instrumentos autênticos de construção
da justiça e da paz, caminho para o encontro com Deus.
No atual contexto, quando falar tornou-se
uma forma de se exercer o poder, a sociedade que não se cansa de propagar
palavras, não sabe se silenciar. Consequentemente, circulam muitas palavras
enfraquecidas. Urgente é a disciplina para cuidar de não “falar por falar”; ou
para impor dominação. Além disso, evitar ser agente disseminador das “notícias
falsas”. É hora oportuna de se criar gosto pelo silêncio, na intimidade do
próprio quarto, no alto de uma montanha, contemplando uma paisagem, nos escritórios,
nas igrejas, no contexto da própria família. Reconhecer que se silenciar é
atitude essencial a ser aprendida, praticada.
O silêncio é remédio para muitos desesperos
experimentados pelo ser humano e a celebração do Natal oferece oportunidade singular
para praticá-lo. Luzes, cores estão evocando a celebração do Natal do Senhor.
Contudo, o mais importante é cuidar para que a carência de silêncio,
incapacidade ou falta de vontade para vivê-lo, sejam superadas, fazendo ecoar o
alcance e o sentido do nascimento de Jesus. O silêncio é o instrumento para
garimpar toda a força do amor inesgotável de Deus: todos estão convocados ao
exercício espiritual de se silenciar. Colocar-se diante do presépio, seja qual
for o seu tamanho, para uma silenciosa contemplação. Assim, no itinerário da
celebração do Natal, silenciosamente se deixar iluminar pela força do mistério
da encarnação do Verbo, aprendendo lições cuja qualidade e novidade nem a razão
consegue alcançar.
Silêncio! Silêncio! Comedidos na
fala, para permitir a ação amorosa de Deus que renova a vida de cada pessoa,
experimentada de modo singular no Natal do Senhor. Ação amorosa que faz brotar
no coração humano a misericordiosa compaixão, qualificando todos para a tarefa
de construir um mundo novo pela força do amor que se revela no Menino-Deus. Os
votos natalinos incluam o convite para a prática do silêncio, que faz do
coração humano a mais autêntica manjedoura, para sempre morada de Deus.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Nenhum comentário:
Postar um comentário