do cardeal
Cantalamessa
"Nós, porém, encontramo-nos aqui no
contexto da Cúria, que não é uma comunidade religiosa ou matrimonial, mas de
serviço e de trabalho eclesial. As ocasiões para não desperdiçar, se quisermos
também nós sermos moídos para nos tornarmos trigo de Deus, são muitas, e cada
um deve identificar e santificar aquela que lhe é oferecida em seu posto de
serviço".
No início destas pregações da Quaresma,
retomemos o diálogo entre Jesus e os apóstolos em Cesareia de Filipe:
Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e
ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do
Homem?”. Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é
Elias; outros, que é Jeremias ou um dos profetas: Então disse-lhes: “E vós,
quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do
Deus vivo” (Mt 16,13-16).
De todo o diálogo, interessa-nos, pelo
momento, apenas e exclusivamente, a segunda pergunta de Jesus: “E vós, quem
dizeis que eu sou?” Não a tomemos, contudo, no sentido com que esta pergunta é
normalmente entendida; isto é, como se a Jesus interessasse saber o que pensa
dele a Igreja, ou o que os nossos estudos de teologia nos dizem dele. Não!
Tomemos essa pergunta como deve ser tomada toda palavra que sai da boca de
Jesus, isto é, como se dirigida, hic et nunc, a quem a escuta,
individualmente, pessoalmente.
Para realizar este exame, deixemo-nos
ajudar pelo evangelista João. Em seu Evangelho, encontramos toda uma série de
declarações de Jesus, os famosos Ego eimi, “Eu Sou”, com os quais ele
revela o que pensa, ele, de si mesmo, quem diz, ele, ser: “Eu sou o pão da
vida”, “Eu sou a luz do mundo”, e assim por diante. Veremos cinco destas
autorrevelações e nos perguntaremos cada vez se ele é realmente para nós aquilo
que ele afirma ser e como fazer para que o seja sempre mais.
Será um momento para se viver de modo
particular. Isto é, não com o olhar voltado para o exterior, aos problemas do
mundo e da própria Igreja, como somos levados a fazer em outros contextos, mas
um olhar introspectivo. Um momento, então, intimista e separado e, por isso,
egoístico? Totalmente o contrário! É um evangelizar-nos para evangelizar, um
preencher-nos de Jesus para falar dele “por redundância de amor”, como as
primitivas Constituições da minha Ordem Capuchinha recomendavam aos pregadores;
isto é, por íntima convicção, não apenas para cumprir um mandato.
* * *
Iniciemos pelo primeiro destes “Eu Sou” de
Jesus que encontramos no Quarto Evangelho, no capítulo sexto: “Eu sou o pão da
vida”. Escutemos primeiramente a parte do trecho que mais diretamente nos
interessa:
Eles perguntaram: “Que sinal realizas para que o vejamos, e creiamos em ti? Que obra fazes? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: ‘Deu-lhes de comer o pão do céu’”. Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu. Meu Pai é quem vos dá o verdadeiro pão do céu, pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”. Eles então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão!”. Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome, e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,30-35).
Uma palavra sobre o contexto. Jesus
multiplicara anteriormente cinco pães de cevada e dois peixes para saciar cinco
mil homens. Depois se retirou para fugir do entusiasmo do povo, que quer
fazê-lo rei. A multidão o procura e o encontra do outro lado do lago.
Neste ponto começa o longo discurso com o
qual Jesus procura explicar “o sinal do pão”. Quer fazer entender que há um
outro pão a ser buscado, do qual aquele material é, justamente, um “sinal”. É o
mesmo procedimento usado com a mulher Samaritana no capítulo IV do Evangelho.
Ali, Jesus quer conduzir a mulher a descobrir uma outra água, além daquela
física que sacia a sede apenas por um breve tempo; aqui, quer conduzir a
multidão a buscar um outro pão, diferente daquele material que sacia apenas por
um dia. À Samaritana que pede para ter aquela água misteriosa e espera a vinda
do Messias para obtê-la, Jesus responde: “Sou eu, que falo contigo” (Jo 4,26).
À multidão que agora faz o mesmo pedido pelo pão, responde: “Eu sou o pão da
vida!”.
Perguntamo-nos: como e onde se come este
pão da vida? A resposta dos Padres da Igreja era: em dois “lugares” ou dois
modos: no sacramento e na Palavra, isto é, na Eucaristia e na Escritura. Havia,
é verdade, acentos diversos. Alguns, como Orígenes e, entre os latinos,
Ambrósio, insistem mais sobre a Palavra de Deus. “Este pão que Jesus parte –
escreve Santo Ambrósio comentando a multiplicação dos pães – significa
misticamente a palavra de Deus que, distribuída, aumenta. Ele nos deus as suas
palavras como pães que se multiplicam em nossa boca enquanto os degustamos”[1].
Outros, come Cirilo de Alexandria, acentuam a interpretação eucarística. Nenhum
deles, contudo, pretendia falar de um modo excluindo o outro. Fala-se da
Palavra e da Eucaristia, como das “duas mesas” preparadas por Cristo. Na Imitação
de Cristo, lê-se:
Confesso que, enquanto estou detido no
cárcere deste corpo, necessito de duas coisas: alimento e luz. Por isso me
destes, Senhor, a mim, fraco, o vosso sagrado corpo, para sustento da alma e do
corpo, e “pusestes a vossa palavra qual cadeia diante de meus pés” (Sl
118,105). Sem estas duas coisas, não poderia bem viver; porque a palavra de
Deus é a luz da minha alma e vosso Sacramento o pão da vida. Podem ser
chamadas duas mesas, colocadas de um e outro lado do tesouro da Santa Igreja[2].
A afirmação unilateral de um destes dois
modos de comer o pão da vida excluindo o outro é fruto da nefasta divisão
ocorrida no cristianismo ocidental. Da parte católica, acabara por se tornar de
tal forma preponderante a interpretação eucarística ao ponto de fazer do
capítulo sexto de João quase o equivalente à narrativa da instituição da
Eucaristia. Lutero, por reação, afirmou o contrário, ou seja, que o pão da vida
é a palavra de Deus; ele é distribuído mediante a pregação e comido mediante a
fé[3].
O clima ecumênico que se instaurou entre os
fiéis em Cristo nos permite recompor a síntese tradicional presente nos Padres.
Não há dúvida de que o pão da vida chega a nós mediante a palavra de Deus e, em
particular, as palavras de Jesus no Evangelho. Também a sua resposta ao
tentador nos recorda isso: “O homem não vive somente de pão, mas de toda
palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Mas como não ver no discurso de
Jesus na sinagoga de Cafarnaum também uma referência à Eucaristia? Todo o
contexto evoca um banquete: fala-se de comida e bebida, de comer e beber, do
corpo e do sangue. As palavras: “Quem não comer a minha carne e não beber o meu
sangue...” recordam muito de perto as palavras da instituição (“Tomai,
comei, isto é o meu corpo” e “Tomai, bebei: este é o meu sangue”), para se
poder negar qualquer relação entre elas.
Se na exegese e na teologia se assiste a
uma polarização e, às vezes – eu dizia –, a uma contraposição entre o pão da
palavra e o eucarístico, na liturgia a sua síntese foi sempre vivida
pacificamente. Desde os tempos mais remotos, por exemplo, em São Justino, Mártir,
a Missa compreende dois momentos: a liturgia da Palavra, com leituras tiradas
do Antigo Testamento e das “memórias dos apóstolos”, e a liturgia eucarística,
com a consagração e a comunhão.
Hoje podemos retornar, eu dizia, à síntese
originária entre Palavra e Sacramento. Nesta linha, devemos, antes, dar um
passo à frente. Consiste em não limitar o comer a carne e beber o sangue de
Cristo apenas à Palavra e apenas ao sacramento da Eucaristia, mas em vê-lo
atuado em cada momento e aspecto da nossa vida de graça.
Quando São Paulo escreve: “Para mim, de
fato, o viver é Cristo” (Fl 1,21), não pensa em um momento particular. Para
ele, Cristo é, realmente, em todos os modos da sua presença, pão da vida;
“come-se” com a fé, a esperança e a caridade, na oração e em tudo. O ser humano
é criado para a alegria e não pode viver sem alegria, ou sem a esperança dela.
A alegria é o pão do coração. E também o Apóstolo busca a verdadeira alegria –
e exorta os seus a busca-la – no Senhor Jesus Cristo: “Gaudete in Domino semper,
iterum dico, gaudete”: “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos” (Fl
4,4).
Jesus é pão de vida eterna não só pelo
que dá, mas também – e antes de tudo – pelo que é. A
Palavra e o Sacramento são os meios; viver dele e nele é o fim: “Como o Pai,
que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também o que comer de mim viverá por
mim” (Jo 6,57). No hino Adoro te devote, que tem alimentado por
séculos a piedade e a adoração eucarística dos católicos, há uma estrofe que é
uma paráfrase desta palavra de Jesus. No original, que muitos de nós certamente
recordam, ela soa assim:
Em português pode ser traduzida assim:
*
* *
Todo o discurso de Jesus tende, portanto, a
esclarecer que a vida é aquela que ele dá: não vida da carne, mas vida do
Espírito, a vida eterna. Não é, porém, nesta linha que eu gostaria de
prosseguir a minha reflexão, nos poucos minutos que me restam. Em relação ao
Evangelho, há sempre duas operações a se fazer respeitando rigorosamente a sua
ordem: primeiro, a apropriação, depois, a imitação. Temos nos apropriado até
agora do pão da vida mediante a fé e o fazemos cada vez que recebemos a
Comunhão. Trata-se de ver agora como traduzi-los na prática em nossa vida.
Para fazer isso, colocamo-nos uma simples
pergunta: Como ele, Jesus, se tornou pão de vida para nós? A resposta, deu-nos
ele mesmo no Evangelho de João: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo
que cai na terra não morre, fica só; mas se morre, produz muito fruto” (Jo
12,24). Sabemos bem a que aludem as imagens de cair na terra e apodrecer. Toda
a história da Paixão está contida nelas. Devemos buscar ver o que essas imagens
significam para nós. Jesus, de fato, com a imagem do grão de trigo não indica
apenas o seu destino pessoal, mas o de cada seu verdadeiro discípulo.
Não se pode escutar a palavra dirigida à
Igreja de Roma pelo bispo Inácio de Antioquia sem nos comover e sem permanecer
atônitos, vendo o que a graça de Cristo é capaz de fazer de uma criatura
humana:
Deixai que eu seja pasto das feras, por
meio das quais me é concedido alcançar a Deus. Sou trigo de Deus, e serei
moído... Suplicai a Cristo por mim, para que eu, com esses meios, seja vítima
oferecida a Deus. Não vos dou ordens como Pedro e Paulo; eles eram apóstolos,
eu sou um condenado [4].
Antes dos dentes das feras, o bispo Inácio
experimentou outros dentes que o moíam, não dentes de feras, mas de homens:
“Desde a Síria até – escreve – luto contra as feras, por terra e por mar, de
noite e de dia, acorrentado a dez leopardos, a um destacamento de soldados;
quando se lhes faz bem, tornam-se piores ainda”[5].
Isto tem algo a dizer também para nós. Cada um de nós tem, em seu ambiente,
destes dentes de feras que o moem. Santo Agostinho dizia que nós, seres
humanos, somos “vasos de argila que se ferem uns com os outros”: lutea
vasa quae faciunt invicem angustias[6].
Devemos aprender a fazer desta situação um meio de santificação e não de
endurecimento do coração, de raiva e lamentação!
Uma sentença frequentemente repetida em
nossas comunidades religiosas afirma Vita communis mortificatio maxima:
“viver em comunidade é a maior de todas as mortificações”. Não só a maior, mas
também a mais útil e mais merecedora de tantas outras mortificações de própria
escolha. Esta sentença não se aplica apenas a quem vive em comunidades
religiosas, mas em toda convivência humana. Onde ela se realiza no modo mais
exigente é, na minha opinião, o matrimônio, e devemos ficar cheios de admiração
diante de um matrimônio levado adiante com fidelidade até a morte. Passar a
vida inteira, dia e noite, lidando com a vontade, o caráter a sensibilidade e
as idiossincrasias de uma outra pessoa, especialmente em uma sociedade como a
nossa, é algo de grande e, se feito com espírito de fé, já deveria ser
qualificado como “virtude heroica”.
Nós, porém, encontramo-nos aqui no contexto
da Cúria, que não é uma comunidade religiosa ou matrimonial, mas de serviço e
de trabalho eclesial. As ocasiões para não desperdiçar, se quisermos também nós
sermos moídos para nos tornarmos trigo de Deus, são muitas, e cada um deve
identificar e santificar aquela que lhe é oferecida em seu posto de serviço.
Menciono apenas uma ou duas que considero válidas para todos.
Uma ocasião é aceitar sermos contrariados,
renunciar a nos justificar e querer ter sempre razão, quando não é pedido pela
importância da coisa. Uma outra é suportar alguém, sujo caráter, modo de falar
ou de fazer nos dá nos nervos, e fazê-lo nos irritar interiormente, pensando
melhor que também nós talvez sejamos para alguém tal pessoa. O Apóstolo
exortava os fiéis de Colossos com estas palavras: “Por isso, revesti-vos de
sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e
paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um
tiver queixa contra o outro” (Cl 3,12-13). O que é mais difícil para
“moer” em nós não é a carne, mas o espírito, isto é o amor próprio e o orgulho,
e estes pequenos exercícios servem magnificamente ao objetivo.
Hoje infelizmente existe na sociedade uma
espécie de dentes que moem sem piedade, mais cruelmente que os dentes de
leopardo de que falava o mártir Santo Inácio. São os dentes dos meios de
comunicação e das chamadas redes sociais. Não quando eles relevam as distorções
da sociedade ou da Igreja (nisso merecem todo o respeito e a estima!), mas
quando se enfurecem contra alguém por tomada de partido, simplesmente porque
não pertence ao próprio lado. Com maldade, com intuito destrutivo, não
construtivo. Coitado de quem acaba hoje neste moedor, seja ele um leigo ou um
eclesiástico!
Neste caso, é lícito e um dever fazer valer
as próprias razões nos lugares apropriados e, se isso não for possível, ou
então se ver que não serve a nada, não resta a um fiel senão unir-se a Cristo
flagelado, coroado de espinhos e no qual cuspiram. Na Carta aos Hebreus, lê-se
esta exortação aos primeiros cristãos, que pode ajudar em ocasiões
semelhantes: “Pensai pois naquele que enfrentou uma tal oposição por parte
dos pecadores, para que não vos deixeis abater pelo desânimo” (Hb 12,3).
É algo difícil e doloroso ao máximo,
sobretudo quando no meio disso está a própria família natural ou religiosa, mas
a graça de Deus pode fazer – e frequentemente tem feito – de tudo isso ocasião
de purificação e santificação. Trata-se de ter confiança de que, no fim, como
aconteceu para Jesus, a verdade triunfará sobre a mentira. E triunfará melhor,
talvez, com o silêncio, mais do que com as mais aguerridas autodefesas.
* * *
O objetivo final do deixar-se moer não é,
porém, natureza ascética, mas mística; não serve tanto para mortificar a si
mesmo, mas para criar a comunhão. É uma verdade esta, que tem acompanhado a
catequese eucarística desde os primeiros dias da Igreja. Está presente já
na Didaqué (IX,4), um escrito dos tempos apostólicos. Santo Agostinho
desenvolve este tema de modo estupendo em um seu discurso ao povo. Ele põe em
paralelo o processo que leva à formação do pão que é o corpo eucarístico de
Cristo e o processo que leva à formação do seu corpo místico que é a Igreja.
Dizia:
Lembrai-vos um instante o que era uma vez,
quando estava ainda no campo, esta criatura que é o trigo: a terra a fez
germinar, a chuva a nutriu; depois houve o trabalho do homem que a trouxe para
a eira, a debulhou, a peneirou e a depositou nos celeiros; daí, levou-a para
moê-la e cozinha-la e, assim, finalmente, tornou-se pão. Agora pensai novamente
em vós mesmos: não existíeis e fostes criados, fostes trazidos à eira do
Senhor, fostes debulhados... Quando destes vossos nomes para o batismo,
começastes a ser moídos pelos jejuns e pelos exorcismos; depois, finalmente
viestes à água fostes modelados e vos tornastes uma só coisa; sobrevindo o fogo
do Espírito Santo, fostes cozidos e vos tornastes pão do Senhor. Eis o que
recebestes. Como, portanto, vedes que é um o pão preparado, assim também sois
vós uma só coisa, amando-vos, conservando a mesma fé, uma mesma esperança e
indivisa caridade”[7].
Entre os dois corpos – o eucarístico e o
místico da Igreja – não há somente semelhança, mas também dependências. É
graças ao mistério pascal de Cristo operante na Eucaristia que nós podemos
encontrar a força de nos deixar moer, dia após dia, nas pequenas (e às vezes
nas grandes!) circunstâncias da vida.
* * *
Concluo com um episódio realmente ocorrido,
narrado em um livro intitulado “O preço a pagar por me tornar cristão”, escrito
em francês e traduzido em várias línguas. Ele serve, melhor do que longos
discursos, para nos dar conta da potência encerrada nos solenes “Eu Sou” de
Jesus no Evangelho e, particularmente, daquele que comentei nesta primeira
meditação.
Há algumas décadas, em uma nação do Oriente
Médio, dois soldados – um cristão e o outro não – encontraram-se juntos para
fazer guarda a um depósito de armas. O cristão frequentemente tirava, às vezes
também à noite, um pequeno livro e o lia, atraindo a curiosidade e a ironia do
companheiro de armas. Certa noite, este último tem um sonho. Encontra-se diante
de uma torrente que, porém, não consegue atravessar. Vê uma figura envolta de
luz que lhe diz: “Para atravessá-la, precisas do pão da vida”. Fortemente
impressionado pelo sonho, pela manhã, sem saber porque, pede, melhor, força o
companheiro a lhe dar aquele seu livro misterioso (tratava-se naturalmente dos
Evangelhos). Abre-o, e cai sobre o evangelho de João. O amigo cristão o
aconselha a começar pelo de Mateus, que é mais fácil de entender. Mas ele, sem
saber porque, insiste. Lê tudo avidamente, até chegar ao capítulo sexto. Mas,
neste ponto, é bom escutar diretamente a sua narrativa:
Chegando ao capítulo sexto, detenho-me,
tocado pela força de uma frase. Por um momento, penso ser vítima de uma
alucinação, e volto a olhar o livro, no ponto onde me detive... Acabei de ler
estas palavras: “...o pão da vida”. As mesmas palavras que ouvi há algumas
horas em meu sonho. Releio lentamente a passagem na qual Jesus, voltando aos
discípulos, diz: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome”.
Desencadeia em mim, justamente naquele instante, algo de extraordinário, como
uma explosão de calor e de bem-estar... Tenho a impressão de ser arrebatado,
levado ao alto pela força de um sentimento jamais provado, uma paixão violenta,
um amor desmedido por este homem Jesus, de quem falam os Evangelhos”[8].
O que, em seguida, esta pessoa teve que
sofrer por sua fé, confirma a autenticidade da sua experiência. Nem sempre a
palavra de Deus age em um modo assim explosivo, mas o exemplo, repito,
mostra-nos que força divina está encerrada nos solenes “Eu Sou” de Cristo, que,
com a graça de Deus, repropomo-nos comentar nesta Quaresma.
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Tradução de Frey Ricardo Luiz Farias
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