Família, sempre de novo a família
Frei Almir Guimarães
♦ Era uma senhora, já de muita idade. Estava
pensativa, olhando a vida pela janela, naquela tarde de sexta-feira. Estava às
vésperas de suas bodas de ouro. De repente, ela fechou os olhos, agradeceu a
Deus o dom da vida, o companheiro de tantos anos, os filhos, os netos, a força
que nela habitou em todas essas cinco décadas. E pediu ao Senhor que, naquele
momento, olhasse para todos, não esquecesse de ninguém. Depois abriu o armário
deu uma olhadela no vestido das bodas a esperar por ela e ficou todinha feliz.
Uma lágrima morna rolou rosto abaixo. Uma cena familiar. Simplesmente.
♦ Entre o Natal e o Ano novo somos
convidados a refletir sobre o tema da família. João Paulo II dizia que o amanhã
da humanidade passa pela família. Não olhamos com olhos “sentimentaloides” para
esta realidade tão fundamental. Nem tudo é cor-de-rosa. Por vez pode parecer
uma “camisa de força”. Conhecemos seus dramas. Dificilmente, no entanto, o ser
humano será humano se não for envolvido por sua família, por uma família.
Comunidade de vida e de amor, espaço de humanização, lugar de dom, de serviço,
plataforma onde as pessoas se preparam para a vida e primeiro lugar de anúncio
da fé difundido por um clima evangélico que se vive em casa. Por favor, família
aberta!
♦ Ficamos penalizados com tantos casamentos
que perduram sem viço, outros que duram pouco, cenas de violências, pessoas que
casam e descasam, casam e descasam, casam e descasam, feminicídios, pais que
matam os filhos, filhos que matam os pais, casas sem o mínimo de conforto,
palacetes sem alma, casas sem calor, meros hotéis para comer e dormir. Basta de
enumeração. Sonhamos com uma pastoral familiar que não aconteça tão enfeitada de
laçarotes, mas acompanhe vida, prepare histórias, fortifique gente e forje
cristãos no meio do mundo.
♦ A família é lugar humano por excelência, o
berço do homem, espaço onde o amor conjugal cresce, onde se exercem
responsabilidades e serviços entre pais e filhos. Experiência humana sem
comparação porque enraizada nos laços humanos.
♦ A família é o lugar onde o ser humano é
colocado no mundo, recebido (nem sempre bem recebido), cuidado, respeitado,
amparado, protegido em sua fragilidade. Normalmente, no seio de uma família,
família de verdade, são vividos os valores próprios da pessoa: reconhecimento,
gratuidade, dom, comunhão, respeito. Lugar de crescimento humano e espiritual.
No seio desse espaço costuma-se escutar pela primeira vez os convites do Ressuscitado
para seu seguimento. Ali se aprende que se tem um Pai no céu ou dentro de nós
que é Pai nosso. Ali muitos descobrem o carinho de Maria e passam a dizer todos
os dias: “Ó minha mãe, eu me consagro todo a vós…”
♦ Ali as crianças e os jovens têm suas asas
fortalecidas. Aos poucos, eles precisarão aprender a voar. Aprenderão a arte de
viver no seio de uma família, não fechada, não isolada do mundo. Ali todos têm
consciência de que recebem a herança do passado, da terra dos avós, as festas
alemães, japonesas ou italianas. As massas de Nápoles e as pizzas da Toscana,
os cantos da Baviera e danças de Espanha. Não nascemos tábula rasa. O passado
tem que vir à tona. Ele faz parte de nosso DNA. Somos resultado de um encadeado
de vidas de histórias, de gente que viveu a guerra de homens agricultores no
norte de Portugal e de mulheres da Ilha da Madeira. Padres alemães e italianos
vieram até nós e partilharam suas vidas. Ajudaram a fortalecer o sangue de
nossas veias e os sonhos de nossa mente.
♦ O Papa Francisco, na “Amoris laetitia”,
fala da família alargada, ampliada. Ela deveria acolher as mães solteiras, as
crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação de
seus filhos, pessoas deficientes, pessoas separadas, e tantas outras situações
delicadas, dependentes químicos. Uma família alargada que cuida dos velhos, dos
avós, dos tios que ficaram solteiros.
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Textos para refletir
Temos que aprender a ser suporte, temos que
querer eficiência técnica, mas também compaixão, temos que reconhecer o valor
de um sorriso, ainda que imperfeito em certas horas extremas. À beira do fim há
tanta coisa que começa. Uma das lembranças que me são mais queridas provém, por
exemplo, do último internamento de meu pai. Recordo-me de, por dias e dias,
andar de mãos dadas com ele, muito devagarinho, no grande corredor do hospital.
Eu passava-lhe toda força que podia com minha mão era maior do que a minha. E
sei que ainda é.
José Tolentino Mendonça
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Amor bom, além do mais, tem que suportar e
superar a convivência diária. A conta a pagar, a empregada que não veio, o
filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido, ou o
emprego sem graça e o patrão grosseiro. Quando cai aquela última gota, a
gente explode: quer matar ou morrer… Amor bom, além do mais, tem que suportar e
superar a convivência diária…
Lya Luft, Perdas e Ganhos, p. 78
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Um pedido
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou
na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut
Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em
Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas
obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor
da Revista “Grande Sinal”.
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